quarta-feira, agosto 31, 2005
ALEVANTANDO A VOZ
Alguns nossos leitores queixaram-se de que A RUA nos seus últimos números se tinha destemperado em ataques excessivamente violentos ao poder constituído e a gradas figuras da cena política nacional. Muito amavelmente, aliás, foram-nos chamando malcriados, caceteiros, fanáticos, reaccionários, fascistas — e outros mimos quejandos. Calámo-nos: não se pode agradar a toda a gente — e aqui temos em cima da mesa vária e bastante correspondência alcunhando-nos de moles, de conformistas, de repulsivos centristas, de oportunistas, barriguistas e vigaristas, de amesendados do orçamento, de etc., etc., etc.
Nós tentamos, quanto possível, e desde o nosso primeiro número, não cair em exageros. Envolvidos numa guerra fratricida que nos levou tudo, as vidas e a fazenda, tentamos, mesmo assim, cumprir com as convenções sociais — e com o Código Penal. Até agora, sem termos perdido muitos leitores, nem, alguma vez, termos sido condenados em tribunal, conseguimos singrar pelo mar encapelado da política. Mantemo-nos calmos ante as mais desgrenhadas provocações. Aguentámos sossegados toda a sorte de incómodos, dificuldades e perseguições: ontem foi aquele repelente sujeito que — os leitores sabem — pediu um exame inquisitorial aos nossos rendimentos; antes de ontem foi uma mirífica FRA que nos comunica ter-nos condenado à morte; transeontem é o brigadeiro tal que ameaça fuzilar-nos; amanhã ou depois é outra coisa qualquer. Avançamos, mesmo assim. Fazemos o que fazemos, às vezes enganando-nos com a consciência de estarmos bem connosco próprios, com a força de quem sabe honradamente cumprir a sua obrigação.
Subimos de tom por motivos evidentes, basta ter ouvido o nosso bem amado Primeiro-Ministro, o grande educador do povo português. A menos que se vença a crise económica, Portugal, a democracia, a paz militar e civil, o são convívio entre portugueses perecerão. Do que se trata é de salvar Portugal.
Ora não parece que se possa salvar a Pátria com falinhas mansas. Nós não somos dos que vendo falecer a Democracia partirão para o exílio. Havemos de morrer aqui, porque aqui nascemos. Portugal, ao menos para nós, não é um clube de onde qualquer um se «arrisca de» sócio por não gostar dos estatutos: é a nossa terra, a qual — como diria Miguel Torga —, quando um dia nos cobrir, haveremos de conhecer melhor. É nossa; somos nós. Ninguém foge de si próprio sem atentar contra o Espírito, negando-se de raiz, perdendo o ser.
Perante a alocução do Primeiro-Ministro, como poderemos nós manter-nos calmos? Para que Portugal sobreviva, Mário Soares põe-nos como condição segui-lo firme e incontroversamente; para que se não perca a sua democraciazinha, o seu partido, as suas modéstias, o leader socialista exige a nossa confiança. Como o dr. Mário Soares, desde há muitos anos, desde que andou por essas Europas coscuvilhando porcarias sobre Portugal e arregimentando auxílios para Samora Machel e Agostinho Neto, não nos merece a menor confiança, e não será capaz de salvar Portugal — atacamo-lo como quem ataca o inimigo, dele nos defendendo como quem defende a própria vida. Porque é a nossa vida que se defende.
Não podemos proceder doutra maneira, convencidos como estamos que do que se trata não é dum mero confronto de ideologias políticas, dum choque simples e incruento entre forças da Direita e forças da Esquerda; mas trata-se, sim, da própria sobrevivência.
Quem dramatiza é Soares: o Estado está à beira do colapso. Sabendo nós que Soares, ao menos, não tem competência técnica para superar a crise — temos o direito de nos calar? De ser meiguinhos? E bem educadinhos? E muito civilizadinhos?
O nosso indeclinável dever é lutar. Lutando violentamente, lutamos pela sobrevivência de Portugal. Queremos um governo que governe — seja de Esquerda, seja de Direita. Queremos um governo que salve Portugal. Nenhuma das soluções que Mário Soares propõe nos interessa — porque Mário Soares, agindo sempre em termos partidários, faz agora uma política de Direita para salvar eleitoralmente o P.S. e fará amanhã a política contrária caso a conjuntura lho imponha.
Duvidando, não se pode seguir Mário Soares. Portugal está na verdade em perigo de vida porque Mário Soares se instalou em S. Bento, governando-nos ineficientemente. Mais de um mês já se passou desde que tomou posse; durante esse mês não se fez absolutamente nada. Continuou-se a degradar a situação e está à porta a grande ofensiva do P.C., para desestabilizar definitivamente a situação e dar lugar a um governo militar da Esquerda que, servindo em termos estratégicos os interesses da União Soviética, venha a pôr a casa em ordem à maneira faraónica de Nasser.
Como se isto não bastasse para justificar o nosso alevantamento de tom, aí têm os leitores neste número de A RUA, um texto distribuído pelo F.A.O.J. e dedicado aos Direitos do Homem. Atenta-se aí contra o que de mais sagrado os portugueses têm de seu e até transcende a Pátria. Comete-se aí a última das infâmias.
Podemos nós mantermo-nos calmos ante semelhante injúria? Pretende-se já agredir o próprio espírito que nos formou e enformou. Pretende-se hoje ferir-nos no mais íntimo, emparelhando com todas as violências cometidas durante a Revolução Soviética, reeditando o fanatismo anti-religioso dos primeiros meses de I República.
Não nos podemos calar. A RUA, quando veio para a rua, afirmou-se logo como um jornal incómodo. Comprometemo-nos com os nossos leitores em determinado rumo. Neste momento em que, na carne e no espírito, Portugal está em perigo — não deveremos alevantar a voz?
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 24, pág. 3, 16.09.1976)
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Nós tentamos, quanto possível, e desde o nosso primeiro número, não cair em exageros. Envolvidos numa guerra fratricida que nos levou tudo, as vidas e a fazenda, tentamos, mesmo assim, cumprir com as convenções sociais — e com o Código Penal. Até agora, sem termos perdido muitos leitores, nem, alguma vez, termos sido condenados em tribunal, conseguimos singrar pelo mar encapelado da política. Mantemo-nos calmos ante as mais desgrenhadas provocações. Aguentámos sossegados toda a sorte de incómodos, dificuldades e perseguições: ontem foi aquele repelente sujeito que — os leitores sabem — pediu um exame inquisitorial aos nossos rendimentos; antes de ontem foi uma mirífica FRA que nos comunica ter-nos condenado à morte; transeontem é o brigadeiro tal que ameaça fuzilar-nos; amanhã ou depois é outra coisa qualquer. Avançamos, mesmo assim. Fazemos o que fazemos, às vezes enganando-nos com a consciência de estarmos bem connosco próprios, com a força de quem sabe honradamente cumprir a sua obrigação.
Subimos de tom por motivos evidentes, basta ter ouvido o nosso bem amado Primeiro-Ministro, o grande educador do povo português. A menos que se vença a crise económica, Portugal, a democracia, a paz militar e civil, o são convívio entre portugueses perecerão. Do que se trata é de salvar Portugal.
Ora não parece que se possa salvar a Pátria com falinhas mansas. Nós não somos dos que vendo falecer a Democracia partirão para o exílio. Havemos de morrer aqui, porque aqui nascemos. Portugal, ao menos para nós, não é um clube de onde qualquer um se «arrisca de» sócio por não gostar dos estatutos: é a nossa terra, a qual — como diria Miguel Torga —, quando um dia nos cobrir, haveremos de conhecer melhor. É nossa; somos nós. Ninguém foge de si próprio sem atentar contra o Espírito, negando-se de raiz, perdendo o ser.
Perante a alocução do Primeiro-Ministro, como poderemos nós manter-nos calmos? Para que Portugal sobreviva, Mário Soares põe-nos como condição segui-lo firme e incontroversamente; para que se não perca a sua democraciazinha, o seu partido, as suas modéstias, o leader socialista exige a nossa confiança. Como o dr. Mário Soares, desde há muitos anos, desde que andou por essas Europas coscuvilhando porcarias sobre Portugal e arregimentando auxílios para Samora Machel e Agostinho Neto, não nos merece a menor confiança, e não será capaz de salvar Portugal — atacamo-lo como quem ataca o inimigo, dele nos defendendo como quem defende a própria vida. Porque é a nossa vida que se defende.
Não podemos proceder doutra maneira, convencidos como estamos que do que se trata não é dum mero confronto de ideologias políticas, dum choque simples e incruento entre forças da Direita e forças da Esquerda; mas trata-se, sim, da própria sobrevivência.
Quem dramatiza é Soares: o Estado está à beira do colapso. Sabendo nós que Soares, ao menos, não tem competência técnica para superar a crise — temos o direito de nos calar? De ser meiguinhos? E bem educadinhos? E muito civilizadinhos?
O nosso indeclinável dever é lutar. Lutando violentamente, lutamos pela sobrevivência de Portugal. Queremos um governo que governe — seja de Esquerda, seja de Direita. Queremos um governo que salve Portugal. Nenhuma das soluções que Mário Soares propõe nos interessa — porque Mário Soares, agindo sempre em termos partidários, faz agora uma política de Direita para salvar eleitoralmente o P.S. e fará amanhã a política contrária caso a conjuntura lho imponha.
Duvidando, não se pode seguir Mário Soares. Portugal está na verdade em perigo de vida porque Mário Soares se instalou em S. Bento, governando-nos ineficientemente. Mais de um mês já se passou desde que tomou posse; durante esse mês não se fez absolutamente nada. Continuou-se a degradar a situação e está à porta a grande ofensiva do P.C., para desestabilizar definitivamente a situação e dar lugar a um governo militar da Esquerda que, servindo em termos estratégicos os interesses da União Soviética, venha a pôr a casa em ordem à maneira faraónica de Nasser.
Como se isto não bastasse para justificar o nosso alevantamento de tom, aí têm os leitores neste número de A RUA, um texto distribuído pelo F.A.O.J. e dedicado aos Direitos do Homem. Atenta-se aí contra o que de mais sagrado os portugueses têm de seu e até transcende a Pátria. Comete-se aí a última das infâmias.
Podemos nós mantermo-nos calmos ante semelhante injúria? Pretende-se já agredir o próprio espírito que nos formou e enformou. Pretende-se hoje ferir-nos no mais íntimo, emparelhando com todas as violências cometidas durante a Revolução Soviética, reeditando o fanatismo anti-religioso dos primeiros meses de I República.
Não nos podemos calar. A RUA, quando veio para a rua, afirmou-se logo como um jornal incómodo. Comprometemo-nos com os nossos leitores em determinado rumo. Neste momento em que, na carne e no espírito, Portugal está em perigo — não deveremos alevantar a voz?
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 24, pág. 3, 16.09.1976)
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