sexta-feira, agosto 26, 2005
Mário Soares
Por ter ganho repentinamente actualidade acrescida, reproduzo um artigo publicado por João de Mendia em Dezembro de 2004 no Diário Digital.
Será a antítese do espírito de Natal, mas é tempo de se abordar este tema, tanto pelas falsidades que se disseram pela passagem dos 80 anos deste homem, como por ir a tempo de abordar certas questões.
Mário Soares é um dos grandes, senão o maior logro gerado pelo 25 de Abril. Tem-se vindo a manter a ideia de atribuir à pessoa de Mário Soares exactamente aquilo que ele não foi, nem fez. Convencionou-se que Soares é um democrata, mas não é, embora pareça. Convencionou-se que Soares é um bonacheirão, boa pessoa e cheio de charme, mas só o charme é que estará certo, exactamente naquela medida em que um Porfírio Rubirosa o usaria para auferir sinecuras pelos meios que se conhecem. Convencionou-se que Soares está na base de uma descolonização exemplar e de ter feito dos cravos a nossa revolução mas, o que se passou, foi, e é, dramaticamente o contrário. Convencionou-se, ainda, que é a Soares a quem se deve o isolamento do comunismo e a opção pelo que se veio a instalar no nosso país e a que vulgarmente se tem chamado democracia, mas não é nem uma coisa nem outra. Convencionou-se, também, ter sido Soares um dos grandes impulsionadores da nossa entrada para a Comunidade Europeia, o que, sendo certo desta vez, fê-lo da pior maneira e pelo pior processo, como adiante se recordará. Soares passa por ser um homem de cultura, estudioso que sempre terá sido não se sabe bem de que temáticas, mas a realidade é Soares tratar-se de uma pessoa de uma esperteza pouco mais que vulgar, que recorre a banalidades e a lugares comuns debitados de cátedra e em registo grandiloquente que lhe virá da circunstância de quase todos o bajularem e poucos, ou nenhuns, o contestarem. Com frequência são ainda atribuídas a Soares operações cuja irregularidade se assemelha à de outros que, por isso mesmo, estiveram, ou estão, a braços com a justiça ou mesmo a cumprir tempo de cárcere. Mas, passado todo este tempo, urge atribuir a Mário Soares aquilo pelo que é responsável, dado que lhe acabam de passar 80 anos por cima e ser já tarde para se deixar de insistir num estatuto ridículo e quase majestático que ele próprio fomenta, usa e abusa para tudo e mais alguma coisa.
É hoje público que, pouco tempo antes do 25 de Abril, Soares esteve numa reunião com Cunhal, um dos principais estrategas de Brejnev, Ponomarev, e outros, em Paris, onde ficou decidido dar-se início ao que viria a ser um golpe de Estado em Portugal. Já não incentivando o terrorismo no Ultramar, mas preparando o golpe na própria sede do poder em Lisboa. E isto porque a nossa política ultramarina estava a ser cada vez mais bem acolhida, tanto nos próprios territórios como, crescentemente, na comunidade internacional. ONU incluída. Sendo assim, os tempos e os modelos por que tinha que passar este golpe de Estado estavam longe de ser democráticos, assim como tudo o que se passou durante toda a longa fase criminal do PREC tem Soares como um dos responsáveis. Tudo isto teve a sua expressa anuência, para além de que estava bem consciente de que a União Soviética era quem ditava as regras deste, e de muitos outros jogos. O verdadeiro programa, saído desta conspirata, que não, ainda, o do MFA que se alinhavou mais tarde, não podia deixar de ser do conhecimento e ter o aval de Soares.
Soares, contrariamente à verdade oficial, foi o principal e grande responsável pela maneira ilegal e ilegítima como se conduziu a independência de todas as nossas antigas Províncias Ultramarinas. Soares não tinha, nem ninguém, competência, nem muito menos autoridade para conduzir o processo de descolonização que se seguiu, que acabou por se revelar criminosamente desastroso. Há outros responsáveis, muitos, mas ele é o maior. Ora, para quem vive de dizer que é a democracia que lhe corre nas veias, apela-se para que o calem de vez e o julguem pelo que é culpado. A Pinochet, que tem 86 anos e a gravidade de que o acusam é muito menor, a justiça não o larga.
Não tanto como hoje, mas já então, o que se lia na imprensa nada, ou quase nada, tinha a ver com a realidade da vida das pessoas nos territórios ultramarinos. Todos eles. A realidade da vida no Ultramar não era apenas diferente, era exactamente o oposto do que se dizia nos media em Lisboa. O terrorismo estava vencido e a vitória deveu-se, não apenas à inteligente e corajosa acção militar, mas à rejeição espontânea e muitas vezes violenta dos grupos ditos independentistas por parte das próprias populações locais. Esta é a realidade. E Soares sabia-o melhor que muitos dado o exílio que teve em S. Tomé, onde se terá passado, mais uma vez, exactamente o contrário do que ele diz a toda a hora. Com frequência se ouve dizer a Soares que pouco terá tido a ver com a descolonização por sistematicamente ter sido ultrapassado por Melo Antunes, e outros, sabendo-se agora pela obra póstuma de Melo Antunes, não apenas as responsabilidades de Soares como a interferência dele em quase tudo. Chega mesmo ao cúmulo da desfaçatez de tentar convencer as pessoas de que, se não fora a sua intervenção, os processos teriam tido aspectos ainda piores. Então, teve ou não responsabilidades? É revoltante e insultuoso ouvir o descaramento destas enormidades, sabendo ele, como poucos, das consequências daquilo que fez. Se não conseguia evitar o que agora admite ter tido algumas falhas, então que se tivesse demitido. Mas não se demitiu. Soares era o ministro dos Negócios Estrangeiros, e era com ele, e através dele, dado que não havia ainda Bruxelas para impor compromissos, que se definia e aplicava a nossa política externa. Muitos lhe chegaram a pedir, populações e quadros africanos inclusive, para que adiasse as independências por se prever com facilidade a inevitabilidade do horror de uma tragédia que se anunciava. Soares nada fez. Insistiu mesmo com as independências de todos os territórios, mesmo naqueles que ele sabia melhor que ninguém que pereceriam sem o apoio da Metrópole, como Cabo Verde, Timor e S. Tomé. E em Angola, por exemplo, para já não falar na tragédia de Timor, e da Guiné, as últimas e dramáticas contas elevavam a cerca de 3 a 4 milhões de pessoas, portuguesas muitos delas, mortas e assassinadas à mão directa e indirecta dos responsáveis pela independência e descolonização. E digo isto porque é frequente Soares abusar do argumento de que não será responsável pelo que se passou depois da independência, remetendo isso para as novas soberanias, o que não pode ser mais farisaico e demonstrativo do carácter e da sensibilidade que não existem neste personagem É que a responsabilidade mantém-se para lá da independência, como é óbvio, quanto mais não seja por todos saberem que os acordos de Alvor foram feitos à pressa, na madrugada anterior, por Almeida Santos, que tinha de África dezenas de anos de experiência, e sabia, assim como Mário Soares e melhor que ninguém, que o acordo não duraria mais que umas escassas horas. Não era possível, mesmo. Como não durou. Mas eram os compromissos com a bandeira política do marxismo comunista e socialista da altura, e outros, que se saberá um dia, tarde temo eu, de onde viriam e de que é que consistiriam.
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Será a antítese do espírito de Natal, mas é tempo de se abordar este tema, tanto pelas falsidades que se disseram pela passagem dos 80 anos deste homem, como por ir a tempo de abordar certas questões.
Mário Soares é um dos grandes, senão o maior logro gerado pelo 25 de Abril. Tem-se vindo a manter a ideia de atribuir à pessoa de Mário Soares exactamente aquilo que ele não foi, nem fez. Convencionou-se que Soares é um democrata, mas não é, embora pareça. Convencionou-se que Soares é um bonacheirão, boa pessoa e cheio de charme, mas só o charme é que estará certo, exactamente naquela medida em que um Porfírio Rubirosa o usaria para auferir sinecuras pelos meios que se conhecem. Convencionou-se que Soares está na base de uma descolonização exemplar e de ter feito dos cravos a nossa revolução mas, o que se passou, foi, e é, dramaticamente o contrário. Convencionou-se, ainda, que é a Soares a quem se deve o isolamento do comunismo e a opção pelo que se veio a instalar no nosso país e a que vulgarmente se tem chamado democracia, mas não é nem uma coisa nem outra. Convencionou-se, também, ter sido Soares um dos grandes impulsionadores da nossa entrada para a Comunidade Europeia, o que, sendo certo desta vez, fê-lo da pior maneira e pelo pior processo, como adiante se recordará. Soares passa por ser um homem de cultura, estudioso que sempre terá sido não se sabe bem de que temáticas, mas a realidade é Soares tratar-se de uma pessoa de uma esperteza pouco mais que vulgar, que recorre a banalidades e a lugares comuns debitados de cátedra e em registo grandiloquente que lhe virá da circunstância de quase todos o bajularem e poucos, ou nenhuns, o contestarem. Com frequência são ainda atribuídas a Soares operações cuja irregularidade se assemelha à de outros que, por isso mesmo, estiveram, ou estão, a braços com a justiça ou mesmo a cumprir tempo de cárcere. Mas, passado todo este tempo, urge atribuir a Mário Soares aquilo pelo que é responsável, dado que lhe acabam de passar 80 anos por cima e ser já tarde para se deixar de insistir num estatuto ridículo e quase majestático que ele próprio fomenta, usa e abusa para tudo e mais alguma coisa.
É hoje público que, pouco tempo antes do 25 de Abril, Soares esteve numa reunião com Cunhal, um dos principais estrategas de Brejnev, Ponomarev, e outros, em Paris, onde ficou decidido dar-se início ao que viria a ser um golpe de Estado em Portugal. Já não incentivando o terrorismo no Ultramar, mas preparando o golpe na própria sede do poder em Lisboa. E isto porque a nossa política ultramarina estava a ser cada vez mais bem acolhida, tanto nos próprios territórios como, crescentemente, na comunidade internacional. ONU incluída. Sendo assim, os tempos e os modelos por que tinha que passar este golpe de Estado estavam longe de ser democráticos, assim como tudo o que se passou durante toda a longa fase criminal do PREC tem Soares como um dos responsáveis. Tudo isto teve a sua expressa anuência, para além de que estava bem consciente de que a União Soviética era quem ditava as regras deste, e de muitos outros jogos. O verdadeiro programa, saído desta conspirata, que não, ainda, o do MFA que se alinhavou mais tarde, não podia deixar de ser do conhecimento e ter o aval de Soares.
Soares, contrariamente à verdade oficial, foi o principal e grande responsável pela maneira ilegal e ilegítima como se conduziu a independência de todas as nossas antigas Províncias Ultramarinas. Soares não tinha, nem ninguém, competência, nem muito menos autoridade para conduzir o processo de descolonização que se seguiu, que acabou por se revelar criminosamente desastroso. Há outros responsáveis, muitos, mas ele é o maior. Ora, para quem vive de dizer que é a democracia que lhe corre nas veias, apela-se para que o calem de vez e o julguem pelo que é culpado. A Pinochet, que tem 86 anos e a gravidade de que o acusam é muito menor, a justiça não o larga.
Não tanto como hoje, mas já então, o que se lia na imprensa nada, ou quase nada, tinha a ver com a realidade da vida das pessoas nos territórios ultramarinos. Todos eles. A realidade da vida no Ultramar não era apenas diferente, era exactamente o oposto do que se dizia nos media em Lisboa. O terrorismo estava vencido e a vitória deveu-se, não apenas à inteligente e corajosa acção militar, mas à rejeição espontânea e muitas vezes violenta dos grupos ditos independentistas por parte das próprias populações locais. Esta é a realidade. E Soares sabia-o melhor que muitos dado o exílio que teve em S. Tomé, onde se terá passado, mais uma vez, exactamente o contrário do que ele diz a toda a hora. Com frequência se ouve dizer a Soares que pouco terá tido a ver com a descolonização por sistematicamente ter sido ultrapassado por Melo Antunes, e outros, sabendo-se agora pela obra póstuma de Melo Antunes, não apenas as responsabilidades de Soares como a interferência dele em quase tudo. Chega mesmo ao cúmulo da desfaçatez de tentar convencer as pessoas de que, se não fora a sua intervenção, os processos teriam tido aspectos ainda piores. Então, teve ou não responsabilidades? É revoltante e insultuoso ouvir o descaramento destas enormidades, sabendo ele, como poucos, das consequências daquilo que fez. Se não conseguia evitar o que agora admite ter tido algumas falhas, então que se tivesse demitido. Mas não se demitiu. Soares era o ministro dos Negócios Estrangeiros, e era com ele, e através dele, dado que não havia ainda Bruxelas para impor compromissos, que se definia e aplicava a nossa política externa. Muitos lhe chegaram a pedir, populações e quadros africanos inclusive, para que adiasse as independências por se prever com facilidade a inevitabilidade do horror de uma tragédia que se anunciava. Soares nada fez. Insistiu mesmo com as independências de todos os territórios, mesmo naqueles que ele sabia melhor que ninguém que pereceriam sem o apoio da Metrópole, como Cabo Verde, Timor e S. Tomé. E em Angola, por exemplo, para já não falar na tragédia de Timor, e da Guiné, as últimas e dramáticas contas elevavam a cerca de 3 a 4 milhões de pessoas, portuguesas muitos delas, mortas e assassinadas à mão directa e indirecta dos responsáveis pela independência e descolonização. E digo isto porque é frequente Soares abusar do argumento de que não será responsável pelo que se passou depois da independência, remetendo isso para as novas soberanias, o que não pode ser mais farisaico e demonstrativo do carácter e da sensibilidade que não existem neste personagem É que a responsabilidade mantém-se para lá da independência, como é óbvio, quanto mais não seja por todos saberem que os acordos de Alvor foram feitos à pressa, na madrugada anterior, por Almeida Santos, que tinha de África dezenas de anos de experiência, e sabia, assim como Mário Soares e melhor que ninguém, que o acordo não duraria mais que umas escassas horas. Não era possível, mesmo. Como não durou. Mas eram os compromissos com a bandeira política do marxismo comunista e socialista da altura, e outros, que se saberá um dia, tarde temo eu, de onde viriam e de que é que consistiriam.
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