quarta-feira, agosto 31, 2005
O retrato de Soares
Em 1977 foi publicada na "Playboy" uma entrevista com Mário Soares. Comentando o divertido acontecimento Manuel Maria Múrias publicou na edição seguinte de "A Rua" este pequeno apontamento.
OBRIGADO, PLAYBOY!
A consagração final de Mário Soares carecia prova definitiva. Prova distintiva de todos os grandes políticos modernos: falar ao Playboy. E depois do galardão dos «direitos humanos» e do doutoramento «honoris causa», Soares acaba de averbar esse complemento curricular.
Soares abriu-se ao Playboy. Dúctil e hábil político no enfrentamento de jornalistas, este primeiro-ministro que temos desinibiu linguagem e preconceitos, amoldou-se perfeitamente ao estilo bunny.
Compondo o pompom felpudo do traseiro e repuxando os pavilhões de feltro, Soares debuxou, pela primeira vez, o auto-retrato.
«É difícil falarmos de nós próprios» (espelhinho, lindo espelhinho...), «penso que sou um homem normal» (deixá-lo pensar, deixá-lo, ó Maria, diz àquela cotovia que pense mais devagar), «com uma certa coerência moral e política» (essa não!)... «sinto-me perfeitamente à vontade em ser tal como sou» (burguês), «nunca tive qualquer espécie de gosto pelo obreirismo» (isso do boné e da camisa à pescador da Póvoa é só para o Lopes Cardoso), «amo a vida e estou contente com a vida que levei até agora» (pudera!), «amo os homens em geral» (...) «as mulheres bonitas em particular» («la belle Marie Barroso»), «e sobretudo as crianças» (e as danças e contradanças, ai! Fernando Pessoa), «gosto das conversas que vão pela noite fora» (ah! aquele comício nos E.U.A.), «gosto de comer» (hum...), «gosto de viajar» (hum?!...), «gosto de arte» (para aí, sim!), «gosto sobretudo da pintura» (lá isso é verdade), «para as quais aliás sou mais dotado do que para a música» (deixe lá, que diabo, também não se pode ter tudo), «quando era jovem pensei mesmo que poderia vir a ser escritor» (oh, lamentável frustração vocacional), «passo por ter uma certa coragem quando comparado com outros portugueses» (esta é para o Pereira de Moura, na certa), «sinto-me à vontade no quotidiano e por isso adapto-me facilmente às condições de momento» (para nossa desgraça, para nossa desgraça...)
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 66, pág. 1, 07.07.1977)
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OBRIGADO, PLAYBOY!
A consagração final de Mário Soares carecia prova definitiva. Prova distintiva de todos os grandes políticos modernos: falar ao Playboy. E depois do galardão dos «direitos humanos» e do doutoramento «honoris causa», Soares acaba de averbar esse complemento curricular.
Soares abriu-se ao Playboy. Dúctil e hábil político no enfrentamento de jornalistas, este primeiro-ministro que temos desinibiu linguagem e preconceitos, amoldou-se perfeitamente ao estilo bunny.
Compondo o pompom felpudo do traseiro e repuxando os pavilhões de feltro, Soares debuxou, pela primeira vez, o auto-retrato.
«É difícil falarmos de nós próprios» (espelhinho, lindo espelhinho...), «penso que sou um homem normal» (deixá-lo pensar, deixá-lo, ó Maria, diz àquela cotovia que pense mais devagar), «com uma certa coerência moral e política» (essa não!)... «sinto-me perfeitamente à vontade em ser tal como sou» (burguês), «nunca tive qualquer espécie de gosto pelo obreirismo» (isso do boné e da camisa à pescador da Póvoa é só para o Lopes Cardoso), «amo a vida e estou contente com a vida que levei até agora» (pudera!), «amo os homens em geral» (...) «as mulheres bonitas em particular» («la belle Marie Barroso»), «e sobretudo as crianças» (e as danças e contradanças, ai! Fernando Pessoa), «gosto das conversas que vão pela noite fora» (ah! aquele comício nos E.U.A.), «gosto de comer» (hum...), «gosto de viajar» (hum?!...), «gosto de arte» (para aí, sim!), «gosto sobretudo da pintura» (lá isso é verdade), «para as quais aliás sou mais dotado do que para a música» (deixe lá, que diabo, também não se pode ter tudo), «quando era jovem pensei mesmo que poderia vir a ser escritor» (oh, lamentável frustração vocacional), «passo por ter uma certa coragem quando comparado com outros portugueses» (esta é para o Pereira de Moura, na certa), «sinto-me à vontade no quotidiano e por isso adapto-me facilmente às condições de momento» (para nossa desgraça, para nossa desgraça...)
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 66, pág. 1, 07.07.1977)
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