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segunda-feira, agosto 29, 2005

Tradição e renovo 

«...Uma nação só existe quando há Tradição, quando há História. A negação sistemática em que vimos vivendo destrói a Tradição, destrói a História: logo, destrói a Nação. Os povos vivem do Passado. Negar o Passado é um suicídio. Este povo, o povo português, não se levanta pelo cepticismo negativista. Só será possível erguê-lo, injectando-lhe princípios orgânicos, alterando-lhe por completo a orientação em que vai, despertando-lhe intensivamente os seus elementos tradicionais, aquilo que ele tem, como todos os povos, de fundamental, de básico, de estrutural. O primeiro efeito do negativismo sistemático é a ruína do princípio da Autoridade. O primeiro do sistemático construtivismo, é o engrandecimento, o prestígio deste princípio. O nosso mal fundamental é, como já disse, a Anarquia. Ela filia-se no negativismo que tem sido o único sistema da nossa existência.
É preciso afirmar. Evidentemente que não me refiro à casta dominante, incapaz, por deficiência própria, de outra coisa, que não seja demolir. Dirijo-me aos que por uma má compreensão dos factos e das situações se têm deixado levar na corrente, pedindo-lhes que fixem aquele preconceito que Augusto Comte arvorou em lei: on ne détruit que ce qu`on remplace. Edifiquemos, primeiro, o que há-de substituir o defeituoso e depois destruamos então o que é mau. Há cinquenta anos que temos andado na fúria do bota abaixo. E que erguemos nós? Que edificámos nós? Mentiras, mentiras e só mentiras. A vida política, a vida social, a vida económica, a vida financeira, a vida mental deste pobre país, é um conjunto de mentiras e mistificações.
É mentira a democracia, a liberdade, a fraternidade; é mentira o parlamentarismo, a independência dos poderes, a soberania nacional; é mentira a família pervertida pelo divórcio; é mentira a propriedade, assaltada por atributos arbitrários; é mentira a educação, inspirada nas campanhas nefastas de uma imprensa medíocre; é mentira a nossa riqueza, estagnada ou rotineira; é mentira a nossa ilustração feita de farrapos dessas doutrinas, ministrada por professores quase sempre - burocratas sem paixão pelo seu mister, inutilizando, assim, os esforços sadios de uma minoria por demais conhecida - a nossa ilustração que, em vez de técnica, é livresca, em vez de criar utilidades sociais, cria bacharéis decorativos.
Não me perguntem se ainda vamos a tempo de vencer a onda que se desencadeou. Não curo disso. Tratemos de, com tempo ou sem tempo, fazer frente à tempestade. Eu não sou obrigado a triunfar das minhas afirmações: mas sou obrigado a formulá-las, para que outros oiçam. Falo para os que estão comigo e para os que estão do outro lado - para que todos iniciem a acção construtiva, orgânica, positiva, absolutamente indispensável para o levantamento da Nação. Pode ser que, por tardia, ela nada consiga já. Mas temos a certeza de que continuando na orientação dominante - espera-nos a morte.»
Alfredo Pimenta
(In «Novos Estudos Filosóficos e Críticos», págs. 120 a 122)

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