terça-feira, setembro 06, 2005
DEMOCRACIA
«Os chamados governos democráticos têm a sua origem na vontade nacional. Mas o que é a vontade nacional? Como é ela formulada? Quem a exterioriza? Que duração têm as suas expressões? Qual o grau de legitimidade da sua orientação? Até onde vão os seus poderes? Cada uma destas perguntas, se quiséssemos aprofundá-las e desenvolvê-las, dar-nos-ia matéria para um volume.
Deixemos esses aspectos, aliás fundamentais, e concedamos que as coisas se passam como os seus teóricos proclamam.
A vontade nacional exprime-a o Parlamento? Mas o que é o Parlamento? É a reunião dos eleitos da vontade nacional. Dos eleitos? Quem é escolhido? Dentro, sempre, da teoria, quem escolhe é a massa eleitoral. E esta elege os que representam a sua opinião. A massa eleitoral? Quer dizer o Anonimato, a Irresponsabilidade, o Número. Mas o Número tem opinião? O Anonimato tem opinião? Tem opinião a Irresponsabilidade? A verdade não é uma função aritmética.
Cem imbecis não têm mais razão, por serem cem, do que um homem de génio, por ser só um. Logo, o fundamento dos Governos de opinião é precário, é falso, repoisa num sofisma. Depois entre a massa eleitoral e os seus representantes, há ligação permanente? Não há. No dia seguinte ao da eleição, a massa eleitoral pode ter, sobre os problemas da administração pública, uma opinião diversa ou oposta à que tinha na véspera. Mas há mais. No dia da eleição, a massa eleitoral é uma. No dia seguinte, é fundamentalmente diversa, porque uma camada grande de cidadãos atinge a capacidade eleitoral, enquanto outra camada a perde, pela morte, pelo menos. De sorte que, quando os representantes do corpo eleitoral que exerceu a sua função de voto, no momento A, se reúnem, já o corpo eleitoral é constituído por novos elementos.
Tudo isto demonstra o artifício dos governos chamados de opinião. O seu sistema teórico é uma ficção que não tem bases seguras em que se apoie.
De facto, na realidade das coisas, afastados todos os sofismas e todas as ilusões, e todos os preconceitos — que fica? Fica o exercício da função governativa dependente, directamente dependente de um grupo, de uma facção, de um punhado de homens — o qual, já por si, obedece, ou a um chefe, ou a um directório, ou a um comité. Quer dizer: por detrás da fachada do Parlamento, e da Soberania Nacional, e da Vontade da Nação, está, ou um indivíduo ou um grupo de indivíduos. É a Ditadura.»
Alfredo Pimenta
(In Várias Formas de Ditadura, in «A Voz», n.º 59, pág. 6, 02.04.1927).
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Deixemos esses aspectos, aliás fundamentais, e concedamos que as coisas se passam como os seus teóricos proclamam.
A vontade nacional exprime-a o Parlamento? Mas o que é o Parlamento? É a reunião dos eleitos da vontade nacional. Dos eleitos? Quem é escolhido? Dentro, sempre, da teoria, quem escolhe é a massa eleitoral. E esta elege os que representam a sua opinião. A massa eleitoral? Quer dizer o Anonimato, a Irresponsabilidade, o Número. Mas o Número tem opinião? O Anonimato tem opinião? Tem opinião a Irresponsabilidade? A verdade não é uma função aritmética.
Cem imbecis não têm mais razão, por serem cem, do que um homem de génio, por ser só um. Logo, o fundamento dos Governos de opinião é precário, é falso, repoisa num sofisma. Depois entre a massa eleitoral e os seus representantes, há ligação permanente? Não há. No dia seguinte ao da eleição, a massa eleitoral pode ter, sobre os problemas da administração pública, uma opinião diversa ou oposta à que tinha na véspera. Mas há mais. No dia da eleição, a massa eleitoral é uma. No dia seguinte, é fundamentalmente diversa, porque uma camada grande de cidadãos atinge a capacidade eleitoral, enquanto outra camada a perde, pela morte, pelo menos. De sorte que, quando os representantes do corpo eleitoral que exerceu a sua função de voto, no momento A, se reúnem, já o corpo eleitoral é constituído por novos elementos.
Tudo isto demonstra o artifício dos governos chamados de opinião. O seu sistema teórico é uma ficção que não tem bases seguras em que se apoie.
De facto, na realidade das coisas, afastados todos os sofismas e todas as ilusões, e todos os preconceitos — que fica? Fica o exercício da função governativa dependente, directamente dependente de um grupo, de uma facção, de um punhado de homens — o qual, já por si, obedece, ou a um chefe, ou a um directório, ou a um comité. Quer dizer: por detrás da fachada do Parlamento, e da Soberania Nacional, e da Vontade da Nação, está, ou um indivíduo ou um grupo de indivíduos. É a Ditadura.»
Alfredo Pimenta
(In Várias Formas de Ditadura, in «A Voz», n.º 59, pág. 6, 02.04.1927).
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