quarta-feira, setembro 07, 2005
Direitos e Deveres
«...Em relação à crise de Democracia, o sr. Cambó começa por dizer que o regime parlamentar não é no fundo mais do que uma modalidade, um sistema para que o governo do povo pelo povo seja uma realidade. O sr. Cambó ainda vai aqui. Mas eu perdoo-lhe o abuso, pelo que afirma a seguir: que na maior parte dos países que o tinham instaurado, só funcionava, não funcionando, isto é, falseando todo o processo, desde as eleições até ao exercício das funções fiscalizadoras e legislativas do Parlamento. Tenho ensinado sempre que o Parlamento é tanto melhor, tanto mais aceitável, quanto mais falsear a sua doutrina.
Eu não aludo à crise do Parlamentarismo, quero significar a sua impotência para servir a Nação; não quero, com as minhas palavras, dizer que ele estava sendo adulterado. Antes pelo contrário. O Parlamentarismo puro, livre de qualquer mancha de falsificação, é o regime do «ninguém se entende». Esse governo do povo pelo povo, enquanto é mentira ainda passa; mas se querem dar foros de verdade a essa inépcia, é o caos!
«Nas propagandas democráticas, diz o sr. Cambó, tem-se falado sempre nos direitos que o regime de democracia dá aos cidadãos; mas fala-se muito pouco nos deveres que lhes impõe.»
O sr. Cambó não é o pai da Democracia, nem é o seu doutrinário. A Democracia é o que a revolução estabeleceu. Ora esta não formulou os Deveres do Cidadão: formulou sim os seus direitos. Deveres tinha-os o cidadão há muito estabelecidos, desde que veio a este mundo. A Democracia falando em deveres não dava novidades nenhumas. Precisamente a sua justificação está na novidade que trouxe: a dos direitos. A Democracia é a rebelião, é a indisciplina, é o contrário dos deveres. Os democratas que falam em deveres são, se são sinceros, democratas fingidos. O que constitui a estrutura da Democracia é precisamente a preocupação dos direitos, fonte de toda a anarquia e de toda a dissolução social. Diz-se o sr. Cambó que Napoleão pôde dar o golpe de Brumário, porque o povo francês tinha perdido já o hábito das funções mais essenciais duma Democracia. Esta é boa! Então o povo francês guilhotinou, afogou, fuzilou, apunhalou, roubou como quis e quem quis, durante anos e anos — e estava desabituado das funções da Democracia?! Pelo visto — estava habituadíssimo a elas, durante o antigo regime, e foi por isso que em 1789 fez a Revolução!»
Alfredo Pimenta
(In O Livro do Sr. Cambó, in «A Voz», n.º 1004, pág. 3, 23.11.1929)
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Eu não aludo à crise do Parlamentarismo, quero significar a sua impotência para servir a Nação; não quero, com as minhas palavras, dizer que ele estava sendo adulterado. Antes pelo contrário. O Parlamentarismo puro, livre de qualquer mancha de falsificação, é o regime do «ninguém se entende». Esse governo do povo pelo povo, enquanto é mentira ainda passa; mas se querem dar foros de verdade a essa inépcia, é o caos!
«Nas propagandas democráticas, diz o sr. Cambó, tem-se falado sempre nos direitos que o regime de democracia dá aos cidadãos; mas fala-se muito pouco nos deveres que lhes impõe.»
O sr. Cambó não é o pai da Democracia, nem é o seu doutrinário. A Democracia é o que a revolução estabeleceu. Ora esta não formulou os Deveres do Cidadão: formulou sim os seus direitos. Deveres tinha-os o cidadão há muito estabelecidos, desde que veio a este mundo. A Democracia falando em deveres não dava novidades nenhumas. Precisamente a sua justificação está na novidade que trouxe: a dos direitos. A Democracia é a rebelião, é a indisciplina, é o contrário dos deveres. Os democratas que falam em deveres são, se são sinceros, democratas fingidos. O que constitui a estrutura da Democracia é precisamente a preocupação dos direitos, fonte de toda a anarquia e de toda a dissolução social. Diz-se o sr. Cambó que Napoleão pôde dar o golpe de Brumário, porque o povo francês tinha perdido já o hábito das funções mais essenciais duma Democracia. Esta é boa! Então o povo francês guilhotinou, afogou, fuzilou, apunhalou, roubou como quis e quem quis, durante anos e anos — e estava desabituado das funções da Democracia?! Pelo visto — estava habituadíssimo a elas, durante o antigo regime, e foi por isso que em 1789 fez a Revolução!»
Alfredo Pimenta
(In O Livro do Sr. Cambó, in «A Voz», n.º 1004, pág. 3, 23.11.1929)
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