terça-feira, setembro 20, 2005
FEBO MONIZ O HERÓI VENCIDO
(Em homenagem ao camarada do Interregno, ofereço um velho e fascinante artigo sobre Febo Moniz)
É lei geral de psicologia afirmar-se que ninguém escapa à influência do meio ambiente. E tão geral e tão notória se tornou esta regra, que a própria filosofia das nações a consagra em mais de um provérbio: acompanha um coxo, e aprenderás a coxear; quem com mal trata, sempre se lhe apega; cada cuba cheira ao vinho que tem...
Mas não há regra sem excepção. De tempos a tempos aparecem, na vida dos povos — quase sempre nas suas horas mais críticas —, homens extraordinários e com uma personalidade vincada, que se alteiam acima dos seus contemporâneos, e que sabem resistir, nobremente, a todos os factores de corrupção, a todas as pressões morais ou materiais que sobre eles se exercem com terrível insistência e feroz brutalidade.
Algumas vezes, não conseguem vencer a animadversão, os preconceitos, as cobardias, as incompreensões gerais, porque é dificílimo lutar contra a maré e arrostar, sozinho, a peito descoberto, contra os interesses suspeitos ou feridos, e contra as miseráveis paixões humanas.
Quando assim acontece, os heróis são vitimas. Ninguém atenta neles. Pode uma ou outra pessoa estacar, respeitosa, perante o seu patriotismo inconcusso, ou perante a sua abnegação superior; mas a maioria sorri e chasqueia, se por acaso não range os dentes com ódio e com... medo!
O homem corajoso e destemido que se atravessa no caminho de um povo, e que pretende chamá-lo à razão ou salvá-lo da ruína, no momento preciso em que esse povo se afunda no egoísmo e na pior das corrupções, é olhado como um perigoso desmancha-prazeres e como um inimigo — talvez como o Inimigo n.° 1 da sociedade! A voz do bom-senso, da razão, da verdade e da justiça não encontrarão eco à sua volta, porque nessas circunstâncias dolorosas há seres humanos, com todas as suas fraquezas e vícios, mas não há almas nem consciências, susceptíveis de vibrarem perante os idealismos superiores.
E porque assim acontece, o Herói será raivosamente combatido; será vítima da própria temeridade! Aqueles que, porventura, ainda o aplaudem no seu fôro íntimo guardam, em público, o silêncio, suicida e comodista, filho da indiferença, do egoísmo e da irresponsabilidade. O infeliz será, irremediavelmente, sacrificado, e nem um único braço se levantará para o defender, nem uma única voz, máscula e justiceira, se erguerá para apoiar a sua causa! Quando as sociedades se afastam da vida sóbria e virtuosa, resvalando para o mar-alto dos vícios e dos prazeres torpes, nunca acreditam que a perdição se aproxima. Todos os avisos e sinais de alarme são inúteis, porque ninguém se quer privar das misérias e porcarias que aviltam a sociedade e corrompem as almas. Os homens austeros e de carácter, que dizem as verdades, que flagelam os erros, e que apontam o caminho dos sacrifícios, em vez de louvarem, hipocritamente, as miseráveis paixões humanas, são olhados como puritanos, como pessimistas ou como maníacos! Às vezes, ainda se nota uma insignificante paragem na corrida para o abismo, mas quase imperceptível e de pouca demora, porque logo todos encolhem os ombros, e murmuram entre os dentes, com feroz cinismo: "Deixai-o falar... Tristezas não pagam dívidas... Vamos gozar enquanto é tempo!"
E o Homem justo e genial que pretendeu salvar o Povo, expondo-se ao sacrifício, é triturado e esmagado, sem dó nem piedade, por esse mesmo Povo que ele, abnegadamente, pretendia salvar!
***
Tal foi o caso de 1580. No melo do aviltamento geral, apareceu Febo Moniz a defender, nas Côrtes de Almeirim e fora das Côrtes, a vacilante causa da Pátria. Mas um Homem não pode, só por si, transformar, de repente, a mentalidade de um Povo; não é fácil salvar uma nação contra a sua própria vontade! Não havendo colaboradores leais, que obedeçam, sem pavores nem traições, às directrizes do chefe, e que, ao mesmo tempo, preparem o ambiente dentro do qual se desenvolverá a posterior acção do animador que os impulsiona, nada é possível fazer.
Ora Febo Moniz não encontrou Homens corajosos e desinteressados, como ele, que quisessem expor a vida pela Pátria. Camões, o grande Patriota, agonizava completamente abandonado (1). Todos, mais ou menos, se encolhiam e tergiversavam! O inimigo externo adulava as paixões dos portugueses, envilecidos pelo luxo e pela devassidão, oferecendo benesses e dinheiro. Que contrapunha o destemido Herói a essa campanha de suborno? Pouca coisa, para as multidões. O grande Patriota não discursava; não fazia promessas mentirosas: dizia verdades. E as verdades não podiam nunca agradar, de tal forma eram dolorosas e cruéis.
Pela sua boca, falava o velho Portugal, dos tempos saudosos e já remotos em que os homens eram de antes quebrar que torcer, dos tempos em que havia portugueses em Portugal!
O povo ainda se agitava, num patriótico movimento instintivo de legítima defesa, numa incontida ânsia de independência. Mas de que valiam forças desunidas e fraccionadas? Os despeitos, as invejas, os ódios, as ambições ilegítimas cavavam largos e intransponíveis fossos entre os cidadãos e entre as diversas classes sociais. Acima dos interesses superiores da grei, os homens punham as suas mesquinhas vaidades, caprichos ou pessoalismos.
A sociedade portuguesa esboroava-se vergonhosamente, e a voz de Febo Moniz era bem a proverbial voz clamando no deserto... Uns atraiçoavam-no vilmente, outros pretendiam convencê-lo ou mesmo vencê-lo, à custa de mil e um processos, que iam desde a intimidação até às razões especiosas.
Febo Moniz permanecia, porém, inabalável como um rochedo, contra o qual nada vale a fúria do mar. Este Herói é bem o homem forte, que nunca abandona a causa da Verdade, e que por ela se deixa morrer. Escravo do Dever e da Honra, ele próprio dizia com altivez: "Eu, Senhor, não saí do meu buraco para fazer o que não devo..."
E porque quis cumprir, até ao fim, a sua obrigação de Português, teve de lutar contra milhares e milhares de opositores declarados ou encapotados, os quais, por todas as formas, lhe tolhiam os movimentos. Essa luta homérica e desproporcionada, de um contra mil, havia de terminar pela sua derrota, porque as almas estavam contaminadas e endurecidas, nada as comovendo ou interessando, a não ser o luxo, o prazer e o dinheiro! Nem argumentos, nem razões, nem lágrimas venciam a dureza de coração, a contumácia dos homens de 1580.
Quando em Janeiro daquele triste ano, Febo Moniz chorou, suplicante, de braços estendidos para um Crucifixo, os procuradores às Cortes de Almeirim ficaram indiferentes, como indiferentes ficaram com as palavras, sentidas e patéticas, que o Herói então pronunciou: "Pelas lágrimas dos orfãos que vivem de esmolas do Reino de seu rei natural; pelo remédio dos fidalgos que lhes tirais entregando-os a rei estranho; pelas necessidades das viúvas que eu sei acham amparo; pelas misérias dos pobres que neles acham abrigo, peço-vos, Senhor, que conserveis este Reino na liberdade, em que os reis vossos antepassados, a quem sucedestes, o puseram. Representai ante vossos olhos que todos comigo vos dão vozes: — A quem nos deixais, Senhor? Por que nos cativais? A quem nos entregais? Onde nos trazeis? — clama o vosso povo; clamam as nossas consciências; clama a nossa justiça; clama a razão; e os nossos clamores hão-de chegar ao céu. Dai-nos liberdade; e se vos parece que a não merecemos, tirai-nos juntamente a vida, para que com ela se acabe o nosso cativeiro, que antes queremos, os verdadeiros portugueses, entregar de boa vontade a vida, que perder a liberdade e sossego." (2)
As reacções foram de tal forma insignificantes, que a independência nacional desapareceu, e Febo Moniz morreu na prisão, onde fora encerrado à ordem do rei estrangeiro.
***
Foi este, pois, o primeiro e o maior dos Heróis da Restauração de 1640. E foi o maior dos Heróis, apesar de vencido, porque conseguiu ser Herói no meio de traidores e de indignos, sem o mínimo desvio, sem a mais insignificante mácula!
Febo Moniz foi o precursor de 1640. Os conjurados que em 1 de Dezembro libertaram Portugal do domínio estrangeiro foram, decerto, grandes e valorosos portugueses: foram Heróis!
Mas foram-no em ambiente propício; encorajaram-se uns aos outros; na lição de sessenta anos de cativeiro e no mútuo exemplo encontraram razões e estímulos pare as suas possíveis vacilações ou fraquezas. Sabe-se que o heroísmo também é contagioso. A heroicidade de qualquer indivíduo pode arrastar outros à prática de actos insignes, por emulação, capricho ou fanatismo. Alem disso, o próprio melo influi na formação de uma certa mística, susceptível de produzir a ânsia de heroísmo. Só assim é possível, talvez, explicar, por sugestão psicológica e influência do ambiente, a abundância de grandes homens em determinados períodos históricos.
Não é este o caso de Febo Moniz. O Herói de 1580 foi, por assim dizer, único. Decerto havia ainda muitos e muitos bons Portugueses, mas dispersos, isolados e silenciosos.
Foi ele quem salvou, naquela trágica emergência, a Honra de Portugal, que neste Procurador de Lisboa às Côrtes de Almeirim encontra o mais belo símbolo de patriotismo inconcusso.
Febo Moniz foi um Herói no meio de insignificantes, de pigmeus e de biltres, e, por isso mesmo que soube elevar-se acima de todas as misérias da sua época, para consubstanciar e defender a perpetuidade da Pátria e da Independência da Nação, o seu heroísmo atingiu o sublime!
Mário Gonçalves Viana
Notas:
1 — Garrett põe na boca de Telmo, símbolo do velho Portugal, as seguintes palavras com que pretende julgar as circunstâncias singulares da morte do Épico: "Estes ricos, estes grandes, que oprimem e desprezam tudo o que não são as suas vaidades, tomaram o livro como uma coisa que lhes fizesse um servo seu e para honra deles. O servo, acabada a obra, deixaram-no morrer ao desamparo sem lhes importar com isso. . . Quem sabe se folgaram ? Podia pedir-lhes uma esmola — escusavam de se incomodar a dizer que não." (Frei Luiz de Sousa).
2 — Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa.
(In «Gil Vicente», vol. XVI, nº 5/6/7, págs. 85/89, Maio/Julho de 1940)
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É lei geral de psicologia afirmar-se que ninguém escapa à influência do meio ambiente. E tão geral e tão notória se tornou esta regra, que a própria filosofia das nações a consagra em mais de um provérbio: acompanha um coxo, e aprenderás a coxear; quem com mal trata, sempre se lhe apega; cada cuba cheira ao vinho que tem...
Mas não há regra sem excepção. De tempos a tempos aparecem, na vida dos povos — quase sempre nas suas horas mais críticas —, homens extraordinários e com uma personalidade vincada, que se alteiam acima dos seus contemporâneos, e que sabem resistir, nobremente, a todos os factores de corrupção, a todas as pressões morais ou materiais que sobre eles se exercem com terrível insistência e feroz brutalidade.
Algumas vezes, não conseguem vencer a animadversão, os preconceitos, as cobardias, as incompreensões gerais, porque é dificílimo lutar contra a maré e arrostar, sozinho, a peito descoberto, contra os interesses suspeitos ou feridos, e contra as miseráveis paixões humanas.
Quando assim acontece, os heróis são vitimas. Ninguém atenta neles. Pode uma ou outra pessoa estacar, respeitosa, perante o seu patriotismo inconcusso, ou perante a sua abnegação superior; mas a maioria sorri e chasqueia, se por acaso não range os dentes com ódio e com... medo!
O homem corajoso e destemido que se atravessa no caminho de um povo, e que pretende chamá-lo à razão ou salvá-lo da ruína, no momento preciso em que esse povo se afunda no egoísmo e na pior das corrupções, é olhado como um perigoso desmancha-prazeres e como um inimigo — talvez como o Inimigo n.° 1 da sociedade! A voz do bom-senso, da razão, da verdade e da justiça não encontrarão eco à sua volta, porque nessas circunstâncias dolorosas há seres humanos, com todas as suas fraquezas e vícios, mas não há almas nem consciências, susceptíveis de vibrarem perante os idealismos superiores.
E porque assim acontece, o Herói será raivosamente combatido; será vítima da própria temeridade! Aqueles que, porventura, ainda o aplaudem no seu fôro íntimo guardam, em público, o silêncio, suicida e comodista, filho da indiferença, do egoísmo e da irresponsabilidade. O infeliz será, irremediavelmente, sacrificado, e nem um único braço se levantará para o defender, nem uma única voz, máscula e justiceira, se erguerá para apoiar a sua causa! Quando as sociedades se afastam da vida sóbria e virtuosa, resvalando para o mar-alto dos vícios e dos prazeres torpes, nunca acreditam que a perdição se aproxima. Todos os avisos e sinais de alarme são inúteis, porque ninguém se quer privar das misérias e porcarias que aviltam a sociedade e corrompem as almas. Os homens austeros e de carácter, que dizem as verdades, que flagelam os erros, e que apontam o caminho dos sacrifícios, em vez de louvarem, hipocritamente, as miseráveis paixões humanas, são olhados como puritanos, como pessimistas ou como maníacos! Às vezes, ainda se nota uma insignificante paragem na corrida para o abismo, mas quase imperceptível e de pouca demora, porque logo todos encolhem os ombros, e murmuram entre os dentes, com feroz cinismo: "Deixai-o falar... Tristezas não pagam dívidas... Vamos gozar enquanto é tempo!"
E o Homem justo e genial que pretendeu salvar o Povo, expondo-se ao sacrifício, é triturado e esmagado, sem dó nem piedade, por esse mesmo Povo que ele, abnegadamente, pretendia salvar!
***
Tal foi o caso de 1580. No melo do aviltamento geral, apareceu Febo Moniz a defender, nas Côrtes de Almeirim e fora das Côrtes, a vacilante causa da Pátria. Mas um Homem não pode, só por si, transformar, de repente, a mentalidade de um Povo; não é fácil salvar uma nação contra a sua própria vontade! Não havendo colaboradores leais, que obedeçam, sem pavores nem traições, às directrizes do chefe, e que, ao mesmo tempo, preparem o ambiente dentro do qual se desenvolverá a posterior acção do animador que os impulsiona, nada é possível fazer.
Ora Febo Moniz não encontrou Homens corajosos e desinteressados, como ele, que quisessem expor a vida pela Pátria. Camões, o grande Patriota, agonizava completamente abandonado (1). Todos, mais ou menos, se encolhiam e tergiversavam! O inimigo externo adulava as paixões dos portugueses, envilecidos pelo luxo e pela devassidão, oferecendo benesses e dinheiro. Que contrapunha o destemido Herói a essa campanha de suborno? Pouca coisa, para as multidões. O grande Patriota não discursava; não fazia promessas mentirosas: dizia verdades. E as verdades não podiam nunca agradar, de tal forma eram dolorosas e cruéis.
Pela sua boca, falava o velho Portugal, dos tempos saudosos e já remotos em que os homens eram de antes quebrar que torcer, dos tempos em que havia portugueses em Portugal!
O povo ainda se agitava, num patriótico movimento instintivo de legítima defesa, numa incontida ânsia de independência. Mas de que valiam forças desunidas e fraccionadas? Os despeitos, as invejas, os ódios, as ambições ilegítimas cavavam largos e intransponíveis fossos entre os cidadãos e entre as diversas classes sociais. Acima dos interesses superiores da grei, os homens punham as suas mesquinhas vaidades, caprichos ou pessoalismos.
A sociedade portuguesa esboroava-se vergonhosamente, e a voz de Febo Moniz era bem a proverbial voz clamando no deserto... Uns atraiçoavam-no vilmente, outros pretendiam convencê-lo ou mesmo vencê-lo, à custa de mil e um processos, que iam desde a intimidação até às razões especiosas.
Febo Moniz permanecia, porém, inabalável como um rochedo, contra o qual nada vale a fúria do mar. Este Herói é bem o homem forte, que nunca abandona a causa da Verdade, e que por ela se deixa morrer. Escravo do Dever e da Honra, ele próprio dizia com altivez: "Eu, Senhor, não saí do meu buraco para fazer o que não devo..."
E porque quis cumprir, até ao fim, a sua obrigação de Português, teve de lutar contra milhares e milhares de opositores declarados ou encapotados, os quais, por todas as formas, lhe tolhiam os movimentos. Essa luta homérica e desproporcionada, de um contra mil, havia de terminar pela sua derrota, porque as almas estavam contaminadas e endurecidas, nada as comovendo ou interessando, a não ser o luxo, o prazer e o dinheiro! Nem argumentos, nem razões, nem lágrimas venciam a dureza de coração, a contumácia dos homens de 1580.
Quando em Janeiro daquele triste ano, Febo Moniz chorou, suplicante, de braços estendidos para um Crucifixo, os procuradores às Cortes de Almeirim ficaram indiferentes, como indiferentes ficaram com as palavras, sentidas e patéticas, que o Herói então pronunciou: "Pelas lágrimas dos orfãos que vivem de esmolas do Reino de seu rei natural; pelo remédio dos fidalgos que lhes tirais entregando-os a rei estranho; pelas necessidades das viúvas que eu sei acham amparo; pelas misérias dos pobres que neles acham abrigo, peço-vos, Senhor, que conserveis este Reino na liberdade, em que os reis vossos antepassados, a quem sucedestes, o puseram. Representai ante vossos olhos que todos comigo vos dão vozes: — A quem nos deixais, Senhor? Por que nos cativais? A quem nos entregais? Onde nos trazeis? — clama o vosso povo; clamam as nossas consciências; clama a nossa justiça; clama a razão; e os nossos clamores hão-de chegar ao céu. Dai-nos liberdade; e se vos parece que a não merecemos, tirai-nos juntamente a vida, para que com ela se acabe o nosso cativeiro, que antes queremos, os verdadeiros portugueses, entregar de boa vontade a vida, que perder a liberdade e sossego." (2)
As reacções foram de tal forma insignificantes, que a independência nacional desapareceu, e Febo Moniz morreu na prisão, onde fora encerrado à ordem do rei estrangeiro.
***
Foi este, pois, o primeiro e o maior dos Heróis da Restauração de 1640. E foi o maior dos Heróis, apesar de vencido, porque conseguiu ser Herói no meio de traidores e de indignos, sem o mínimo desvio, sem a mais insignificante mácula!
Febo Moniz foi o precursor de 1640. Os conjurados que em 1 de Dezembro libertaram Portugal do domínio estrangeiro foram, decerto, grandes e valorosos portugueses: foram Heróis!
Mas foram-no em ambiente propício; encorajaram-se uns aos outros; na lição de sessenta anos de cativeiro e no mútuo exemplo encontraram razões e estímulos pare as suas possíveis vacilações ou fraquezas. Sabe-se que o heroísmo também é contagioso. A heroicidade de qualquer indivíduo pode arrastar outros à prática de actos insignes, por emulação, capricho ou fanatismo. Alem disso, o próprio melo influi na formação de uma certa mística, susceptível de produzir a ânsia de heroísmo. Só assim é possível, talvez, explicar, por sugestão psicológica e influência do ambiente, a abundância de grandes homens em determinados períodos históricos.
Não é este o caso de Febo Moniz. O Herói de 1580 foi, por assim dizer, único. Decerto havia ainda muitos e muitos bons Portugueses, mas dispersos, isolados e silenciosos.
Foi ele quem salvou, naquela trágica emergência, a Honra de Portugal, que neste Procurador de Lisboa às Côrtes de Almeirim encontra o mais belo símbolo de patriotismo inconcusso.
Febo Moniz foi um Herói no meio de insignificantes, de pigmeus e de biltres, e, por isso mesmo que soube elevar-se acima de todas as misérias da sua época, para consubstanciar e defender a perpetuidade da Pátria e da Independência da Nação, o seu heroísmo atingiu o sublime!
Mário Gonçalves Viana
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1 — Garrett põe na boca de Telmo, símbolo do velho Portugal, as seguintes palavras com que pretende julgar as circunstâncias singulares da morte do Épico: "Estes ricos, estes grandes, que oprimem e desprezam tudo o que não são as suas vaidades, tomaram o livro como uma coisa que lhes fizesse um servo seu e para honra deles. O servo, acabada a obra, deixaram-no morrer ao desamparo sem lhes importar com isso. . . Quem sabe se folgaram ? Podia pedir-lhes uma esmola — escusavam de se incomodar a dizer que não." (Frei Luiz de Sousa).
2 — Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa.
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