quinta-feira, setembro 08, 2005
PARLAMENTO
«É com a mais justificada curiosidade que estamos a assistir aos preparativos da constituição da Assembleia Nacional de Espanha, por ela ser o repúdio formal do Parlamentarismo, e a aceitação da representação das corporações.
á quem diga, como o seu quê de vaidade: fui sempre parlamentarista! Por mim, digo, com tal ou qual orgulho: fui sempre anti-parlamentarista. A Ditadura de João Franco, combatia-a, não por ser Ditadura, mas porque os dirigentes republicanos me garantiam, sob a sua honra, que era uma Ditadura com maus fins, e, nesse tempo, eu não tinha razão para duvidar da honorabilidade dos dirigentes republicanos. O Parlamentarismo não é mau, pelos homens que constituem os Parlamentos. Já ouvi dizer que se queremos o Parlamentarismo respeitado e enobrecido, - instruamos os homens, os disciplinemos e lhes corrijamos as brutalidades naturais. Isto é não fazer ideia nenhuma do que é o Parlamentarismo, e do que é o Parlamento.
Antes de mais nada, convém assentar em que o Poder Executivo ou o Governo está dependente do Poder Legislativo ou do Parlamento. A nomeação e demissão livres dos membros do Governo, por muito fixadas que estejam nas Constituições, resultam ineficazes, porque, emanando toda a autoridade política da Assembleia parlamentar, não há Governo que governe contra a confiança da mesma Assembleia. Se só governam os Governos que os Parlamentos querem, a nomeação e demissão livres dos ministros, feitas pelo Chefe do Estado, são uma mentira. O Parlamentarismo é ainda o sistema em que todas as leis emanam do Parlamento. Daqui, resulta que quanto mais puro, verdadeiro e sério fôr o Parlamentarismo, mais perigoso ele é, para a Nação que o adopta. De modo que ou se erige em sistema a Mentira, a Burla, a Comédia - conseguindo-se, assim, atenuar, até certo ponto, os malefícios do regime parlamentar, ou se pratica a pureza da instituição, e é o caos, a breve trecho.
Os perigos fundamentais imediatos do Parlamentarismo são dois: como consequência da sua acção sobre a nomeação e demissão dos governos, - a instabilidade governativa; como consequência da sua função legisladora - a desorganização dos serviços do Estado.
Em que se funda o primeiro perigo? Na constituição do Parlamento, na sua forma. O Parlamento é uma Assembleia política, isto é, uma Assembleia constituída por paixões políticas, por interesses políticos, ou seja por partidos políticos: tem a característica de todas as Assembleias, - agravada por duas circunstâncias: a da sua origem, e a da natureza dos seus elementos componentes. Sai do Sufrágio Universal, e representa paixões políticas. Sai da multidão anónima, irresponsável e incompetente, e é formado pela caótica mistura das correntes políticas.
Em que se funda o segundo perigo? Na incompetência do Parlamento. A soma das incompetências não dá competência.
Ou a escolha primária, originária, dos membros do Parlamento é sincera, honesta, verdadeira, pura - e, nesse caso, o resultado da mobilização dos incompetentes e dos irresponsáveis não pode dar mais do que incompetência e irresponsabilidade; ou aquela escolha é fantasiosa, produto de operações e combinações ocultas - e nesse caso, porque não confessar a verdade, porque não concordar na inutilidade ou no perigo parlamentar?
Comte, que foi um dos mais luminosos espíritos do mundo das Ideias, teve a fórmula feliz: os inferiores não podem escolher os superiores.
O estado lastimável, e confessado por todos, a que chegou o Parlamento português, não é uma aberração, um desvio, uma anomalia: é antes, a étape actual da Evolução lógica do sistema parlamentar. O período do rotativismo, à inglesa, foi o período da deturpação do sistema. Como se estava em sistema deturpado, foi possível o aparecimento de alguns homens de governo. Não foram tantos, como, por aí, se afirma: mas foram alguns.»
Alfredo Pimenta
(In Nas Vésperas do Estado Novo, págs. 66/69)
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á quem diga, como o seu quê de vaidade: fui sempre parlamentarista! Por mim, digo, com tal ou qual orgulho: fui sempre anti-parlamentarista. A Ditadura de João Franco, combatia-a, não por ser Ditadura, mas porque os dirigentes republicanos me garantiam, sob a sua honra, que era uma Ditadura com maus fins, e, nesse tempo, eu não tinha razão para duvidar da honorabilidade dos dirigentes republicanos. O Parlamentarismo não é mau, pelos homens que constituem os Parlamentos. Já ouvi dizer que se queremos o Parlamentarismo respeitado e enobrecido, - instruamos os homens, os disciplinemos e lhes corrijamos as brutalidades naturais. Isto é não fazer ideia nenhuma do que é o Parlamentarismo, e do que é o Parlamento.
Antes de mais nada, convém assentar em que o Poder Executivo ou o Governo está dependente do Poder Legislativo ou do Parlamento. A nomeação e demissão livres dos membros do Governo, por muito fixadas que estejam nas Constituições, resultam ineficazes, porque, emanando toda a autoridade política da Assembleia parlamentar, não há Governo que governe contra a confiança da mesma Assembleia. Se só governam os Governos que os Parlamentos querem, a nomeação e demissão livres dos ministros, feitas pelo Chefe do Estado, são uma mentira. O Parlamentarismo é ainda o sistema em que todas as leis emanam do Parlamento. Daqui, resulta que quanto mais puro, verdadeiro e sério fôr o Parlamentarismo, mais perigoso ele é, para a Nação que o adopta. De modo que ou se erige em sistema a Mentira, a Burla, a Comédia - conseguindo-se, assim, atenuar, até certo ponto, os malefícios do regime parlamentar, ou se pratica a pureza da instituição, e é o caos, a breve trecho.
Os perigos fundamentais imediatos do Parlamentarismo são dois: como consequência da sua acção sobre a nomeação e demissão dos governos, - a instabilidade governativa; como consequência da sua função legisladora - a desorganização dos serviços do Estado.
Em que se funda o primeiro perigo? Na constituição do Parlamento, na sua forma. O Parlamento é uma Assembleia política, isto é, uma Assembleia constituída por paixões políticas, por interesses políticos, ou seja por partidos políticos: tem a característica de todas as Assembleias, - agravada por duas circunstâncias: a da sua origem, e a da natureza dos seus elementos componentes. Sai do Sufrágio Universal, e representa paixões políticas. Sai da multidão anónima, irresponsável e incompetente, e é formado pela caótica mistura das correntes políticas.
Em que se funda o segundo perigo? Na incompetência do Parlamento. A soma das incompetências não dá competência.
Ou a escolha primária, originária, dos membros do Parlamento é sincera, honesta, verdadeira, pura - e, nesse caso, o resultado da mobilização dos incompetentes e dos irresponsáveis não pode dar mais do que incompetência e irresponsabilidade; ou aquela escolha é fantasiosa, produto de operações e combinações ocultas - e nesse caso, porque não confessar a verdade, porque não concordar na inutilidade ou no perigo parlamentar?
Comte, que foi um dos mais luminosos espíritos do mundo das Ideias, teve a fórmula feliz: os inferiores não podem escolher os superiores.
O estado lastimável, e confessado por todos, a que chegou o Parlamento português, não é uma aberração, um desvio, uma anomalia: é antes, a étape actual da Evolução lógica do sistema parlamentar. O período do rotativismo, à inglesa, foi o período da deturpação do sistema. Como se estava em sistema deturpado, foi possível o aparecimento de alguns homens de governo. Não foram tantos, como, por aí, se afirma: mas foram alguns.»
Alfredo Pimenta
(In Nas Vésperas do Estado Novo, págs. 66/69)
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Proponho uma alteração ortográfica à expressão “parlamentar”, com o intuito de a fazer corresponder melhor à realidade dos factos: doravante escreva-se “para-lamentar”.
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