sexta-feira, outubro 27, 2006
A terra ou as nuvens
Todos os grupos que, com justiça ou sem ela, sejam vistos como situando-se na margem da sociedade, ou como uma alternativa a esta, atraem forçosamente uma chusma de iluminados, lunáticos, mitómanos e fantasistas de toda a espécie.
Mesmo aqueles que em teoria visariam dedicar-se à acção política, e que cedendo a essas derrapagens com frequência se tornam um sucedâneo de seitas místicas, com crenças que têm mais de superstição particular que propriamente de acção política.
Já conheci organizações que pretendiam ser políticas onde pululavam exemplares únicos, como um que apregoava que o mais importante era divulgar as potencialidades do Monte da Lua (leia-se Serra de Sintra) como centro privilegiado de comunicação entre o mundo subterrâneo da terra oca e os universos extraterrestres, com inusitada frequência de discos voadores que entravam e saíam em trânsito de um destino para outro. Ou aquele que acreditava piamente que devíamos preparar-nos para a vinda de D. Sebastião e do seu exército, que inúmeros sinais anunciavam. Ou o outro que proclamava a emergência breve da Atlântida, submersa nos mares dos Açores, o que iria trazer a Portugal o esplendor do Quinto Império no imenso e rico território entre a Europa e a América. Ou uns que iam para o campo e dançavam vestidos de branco à roda de uns pedregulhos em certas noites escolhidas dizendo estar a reviver a antiga tradição druídica da nossa herança céltica.
Claro que qualquer destas pessoas era muito lida e inteligente, cheia de erudição e citações, e demonstrava os seus pontos de vista com irrepreensível e irrefutável lógica.
Tinham apenas o pequeno senão de não viverem no mesmo mundo que o comum dos mortais.
Lembrando isto o que eu aconselho a quem activamente se dedica à actividade política é que comece por olhar bem para si e para aqueles que o acompanham. E procure situar-se na perspectiva do cidadão comum, da gente vulgar, do mais normalizado dos seus conterrâneos e contemporâneos. Com esse exercício tente então calcular qual a opinião que o tal cidadão médio formará da sua pessoa, das suas acções, das suas palavras, bem como do colectivo em que actua.
Com este exercício, repetido e aprofundado com frequência, certamente se evitarão muitas asneiras, disparates e puros desastres - mesmo que no plano individual acarrete grandes desilusões aos que mergulhados no seu universo interior estavam de todo esquecidos dos outros (os outros, sim, os que aí estão por todo o lado, à nossa volta, esses personagens cinzentos que nada distingue e que nada de particular têm para dizer ou oferecer...)
A acção política implica quase sempre a procura, quanto mais não seja por razões metodológicas, do que podemos chamar o "centro", ou mesmo o "extremo-centro".
Entenda-se com essa expressão não qualquer conceito ou ideologia, mas sim o núcleo essencial dos problemas e preocupações, reais ou imaginados, que ocupam a generalidade dos membros da sociedade sobre a qual se pretende agir. Não se pretende evidentemente com essa procura descobrir o que pensa a massa para mimeticamente a seguir; mas afirma-se que é preciso saber o que pensa e sente a massa para agir sobre ela.
A outra atitude, de desprezo altivo pela gentinha que permanece nas trevas insensível à verdade, de cultivo orgulhoso do purismo desafiante e do autismo intragrupal, é perfeitamente legítima - mas não é certamente acção política.
A política é uma actividade que tem por destinatários, precisamente, os outros. Manter-se à margem e cavar a trincheira é um direito de cada um, mas já é outra coisa que não política.
O aperfeiçoamento interior, pessoal ou do grupo, foi por exemplo o caminho dos monges do deserto, que abandonaram o mundo exactamente para se afastar das contaminações e se dedicar inteiramente à Verdade - e assim manter-se no rumo da Salvação. Mas estes nunca pretenderam que estavam a fazer política.
Mesmo aqueles que em teoria visariam dedicar-se à acção política, e que cedendo a essas derrapagens com frequência se tornam um sucedâneo de seitas místicas, com crenças que têm mais de superstição particular que propriamente de acção política.
Já conheci organizações que pretendiam ser políticas onde pululavam exemplares únicos, como um que apregoava que o mais importante era divulgar as potencialidades do Monte da Lua (leia-se Serra de Sintra) como centro privilegiado de comunicação entre o mundo subterrâneo da terra oca e os universos extraterrestres, com inusitada frequência de discos voadores que entravam e saíam em trânsito de um destino para outro. Ou aquele que acreditava piamente que devíamos preparar-nos para a vinda de D. Sebastião e do seu exército, que inúmeros sinais anunciavam. Ou o outro que proclamava a emergência breve da Atlântida, submersa nos mares dos Açores, o que iria trazer a Portugal o esplendor do Quinto Império no imenso e rico território entre a Europa e a América. Ou uns que iam para o campo e dançavam vestidos de branco à roda de uns pedregulhos em certas noites escolhidas dizendo estar a reviver a antiga tradição druídica da nossa herança céltica.
Claro que qualquer destas pessoas era muito lida e inteligente, cheia de erudição e citações, e demonstrava os seus pontos de vista com irrepreensível e irrefutável lógica.
Tinham apenas o pequeno senão de não viverem no mesmo mundo que o comum dos mortais.
Lembrando isto o que eu aconselho a quem activamente se dedica à actividade política é que comece por olhar bem para si e para aqueles que o acompanham. E procure situar-se na perspectiva do cidadão comum, da gente vulgar, do mais normalizado dos seus conterrâneos e contemporâneos. Com esse exercício tente então calcular qual a opinião que o tal cidadão médio formará da sua pessoa, das suas acções, das suas palavras, bem como do colectivo em que actua.
Com este exercício, repetido e aprofundado com frequência, certamente se evitarão muitas asneiras, disparates e puros desastres - mesmo que no plano individual acarrete grandes desilusões aos que mergulhados no seu universo interior estavam de todo esquecidos dos outros (os outros, sim, os que aí estão por todo o lado, à nossa volta, esses personagens cinzentos que nada distingue e que nada de particular têm para dizer ou oferecer...)
A acção política implica quase sempre a procura, quanto mais não seja por razões metodológicas, do que podemos chamar o "centro", ou mesmo o "extremo-centro".
Entenda-se com essa expressão não qualquer conceito ou ideologia, mas sim o núcleo essencial dos problemas e preocupações, reais ou imaginados, que ocupam a generalidade dos membros da sociedade sobre a qual se pretende agir. Não se pretende evidentemente com essa procura descobrir o que pensa a massa para mimeticamente a seguir; mas afirma-se que é preciso saber o que pensa e sente a massa para agir sobre ela.
A outra atitude, de desprezo altivo pela gentinha que permanece nas trevas insensível à verdade, de cultivo orgulhoso do purismo desafiante e do autismo intragrupal, é perfeitamente legítima - mas não é certamente acção política.
A política é uma actividade que tem por destinatários, precisamente, os outros. Manter-se à margem e cavar a trincheira é um direito de cada um, mas já é outra coisa que não política.
O aperfeiçoamento interior, pessoal ou do grupo, foi por exemplo o caminho dos monges do deserto, que abandonaram o mundo exactamente para se afastar das contaminações e se dedicar inteiramente à Verdade - e assim manter-se no rumo da Salvação. Mas estes nunca pretenderam que estavam a fazer política.
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