quarta-feira, novembro 08, 2006
ANTÓNIO FERRO E O SEU NOVO MUNDO
(Um artigo de Eduardo Mayone Dias)
António Ferro foi indubitavelmente uma das mais controversas figuras do Estado Novo. Nascido em Lisboa em 1896, publica o seu primeiro livro aos dezassete anos, quando ainda aluno do liceu. Era um volume de poesia, "Missal de Trovas", composto em colaboração com Augusto Cunha. Pouco depois estabelece amizade com vários membros do grupo do Orpheu, Mário de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor, José Pacheco e Almada Negreiros, e frequenta as suas tertúlias, onde tem a oportunidade de conhecer Fernando Pessoa. Em 1915 é nomeado director da revista. Parece bastante plausível que a nomeação se tivesse devido a razões algo calculistas. O grupo sofria de persistentes dificuldades financeiras e, como menor, António Ferro não poderia ser legalmente responsável por quaisquer dívidas que a revista contraísse.
Em 1917 pronuncia uma conferência intitulada "As Grandes Trágicas do Silêncio", a primeira em Portugal sobre a nova arte cinematográfica. Também faz outras conferências sobre jazz, que mais tarde irá compilar em "A Idade do Jazz Band".
Em 1918 parte para Angola como oficial miliciano. Aí serve como ajudante de campo do Governador Geral, Filomeno da Câmara, um homem de direita por quem António Ferro cria uma funda admiração, e é mais tarde nomeado secretário geral da colónia. De regresso a Lisboa no ano seguinte, é chefe de redacção de "O Jornal", que apoiava a linha sidonista , muito próxima do conceito de uma monarquia sem rei. Nestes perturbados anos de caos político a carreira jornalística de António Ferro floresce.
Em 1920 chama a atenção do público ao fazer estampar n' "O Século" uma entrevista com Gabriel D'Annunzio, que acabara de ocupar a cidade de Fiume, reclamando-a para a soberania italiana. Também trabalha como crítico literário e teatral e em 1922 é escolhido como director de "A Ilustração Portuguesa". Nesse mesmo ano está presente na Semana de Arte Moderna de São Paulo, que iria lançar o movimento modernista brasileiro. Entretanto continua entrevistando figuras célebres da actualidade internacional, como Mussolini, o General Primo de Rivera, Poincaré, Pétain, Jean Cocteau, Colette, Mistinguette e outros. Por estes tempos também segue fazendo conferências e escreve teatro.
Uma série de entrevistas com Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, em que se definiram os pontos mais importantes da orientação política do Estado Novo, lança António Ferro por um rumo diferente. Em 1933 é nomeado director do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), mais tarde designado como Secretariado Nacional da Informação (SNI). Sob a sua direcção, que irá durar até 1950, além de dar publicidade ao novo perfil de Portugal no país e no estrangeiro, o Secretariado lança uma série de notáveis iniciativas culturais, entre elas o Teatro do Povo, o Cinema Ambulante e os Bailados Verde Gaio, além de exposições de arte, conferências, prémios literários e missões culturais. António Ferro é naturalmente o grande dinamizador deste programa e em breve consegue reconhecimento público como promotor da cultura portuguesa. Para isso tem de optar por um equilíbrio muito precário entre as exigências políticas extremamente conservadoras que o circundam e as suas próprias inclinações estéticas para um conceito modernista da arte. Outro projecto que dirige é a Exposição do Mundo Português, inaugurada em 1940, que atraiu um vasto número de visitantes nacionais e estrangeiros. Em 1941 é nomeado director da Emissora Nacional, a estação oficial de rádio, que ele imediatamente começa a remodelar. A sua última função pública é a de Ministro de Portugal em Berna. Vem a falecer em Novembro de 1956.
A associação de António Ferro com a ditadura e o seu papel como principal catalisador do mito salazarista antagonizaram muitos críticos. Por consequência o seu valor como escritor e jornalista nunca foi reconhecido com a devida justiça. De facto a imagem do homem de acção, formulador de uma política cultural que muitos consideravam manchada pelo totalitarismo do regime, obscureceu as qualidades artísticas na visão da predominantemente liberal intelligentsia portuguesa do tempo. Foi contudo um multifacético literato, um intérprete original e mundano da sociedade do tempo, uma personalidade combativa, um agudo crítico, um futurista que constituiu um dos mais importantes pilares de um sistema político ferozmente tradicionalista, uma curiosa combinação de boulevardier e oficiosa figura pública.
No início da década de vinte o espírito do "Orpheu" estava ainda presente na sua obra. O livro "A Teoria da Indiferença" causou uma forte repercussão dentro dos círculos literários de Lisboa pela sua natureza paradoxal e vanguardista. A peça "Mar Alto" foi proibida depois da primeira representação devido ao realismo cru que revelava e só pôde de novo ser encenada na década de oitenta. No entanto António Ferro parecia estar fascinado pelos regimes autoritários e euforicamente declarou "Há uma primavera de espadas por todo o mundo" uma semana antes da revolução de 28 de Maio de 1926, que pôs fim à primeira república portuguesa. No ano seguinte fez publicar a sua "Viagem à Volta da Ditadura".
Em 1927 António Ferro visitou os Estados Unidos. Com base nas suas impressões deste país escreveu uma série de reportagens para o "Diário de Notícias", mais tarde republicadas em dois volumes, "Novo Mundo Mundo Novo" (1930) e "Hollywood, Capital das Imagens" (1931). A viagem ao Novo Continente iniciou-se em Março, quando embarcou em Cherburgo no paquete americano Leviathan com destino a Nova Iorque. A vida a bordo deu-lhe já uma prefiguração da sociedade americana. Parece ter ficado especialmente impressionado pelo conforto, singeleza, opulência e mesmo uma certa excentricidade do ambiente que observou dentro do navio. Aí uma das mais sobressaltantes experiências foi uma visita à barbearia, comentada com a sua habitual originalidade de expressão:
Os barbeiros americanos são autênticos cirurgiões. Não fazem a barba: operam. Estendem-nos ao comprido na cadeira. Ficamos na posição horizontal das grandes operações. Uma vez nessa posição, será o que Deus quiser! Esfregam-nos, molham-nos, queimam-nos, esquartejam-nos...
Como se isso não fosse suficiente, o "carrasco inconsciente", como o autor lhe chama, apresentou-lhe uma conta de três dólares, uma soma que na realidade deveria ter parecido astronómica num contexto português da época.
Nova Iorque, a "cidade formidável, impossível, com as reticências infinitas das suas janelas", tal como ele a viu, foi logo uma revelação. Mesmo desde o navio deu-lhe uma imediata impressão de grandeza. Depois, ao deambular por Manhattan impressionaram-no o rápido andamento da vida americana, a azáfama das ruas, o intenso trânsito automóvel, a espantosa ostentação de riqueza na Quinta Avenida, a fúria da música de jazz em Harlem. Foi contudo capaz de se deter para uma visão poética da urbe: os arranha-céus que fogem da terra, os negócios tratados no trigésimo andar de um edifício do centro que sugerem o lirismo de um soneto composto numa mansarda, a Broadway que oferece a mágica da sua "luz-champanhe", os americanos que plantam jardins no topo dos mais altos buildings numa ilustração de idealismo prático.
A sua atenção divide-se entre os pormenores mais quotidianos, como uma banda do Exército de Salvação tocando em qualquer esquina, e os mais significativos, como a surpreendente espectaculosidade do acolhimento feito a Charles Lindbergh na cidade. Mesmo vendo-o à distância, António Ferro consegue captar as características mais marcantes da personalidade de Lindbergh através da sua expressão. Vê nele o all-American boy socialmente inocente, deixa-se impressionar pelo sorriso infantil, pela límpida pureza do olhar, a agradável combinação de uma desajeitada presença e um natural savoir faire.
As observações de António Ferro deixam a impressão de serem especialmente penetrantes e pertinentes. Bom europeu, sente-se esmagado pelas gigantescas dimensões da cidade mas consegue contudo acercar-se aos seus detalhes mais íntimos e tocantes como um pequeno cemitério escondido como um relicário entre a altura dos edifícios do centro da cidade. Vem para Nova Iorque com um espírito aberto, isento de preconceitos, sempre sensível à beleza - sem exclusão da beleza feminina. Aqui e além um toque de delicada ironia emerge do seu maravilhar-se ante a tecnologia americana ou a estranheza dos novos costumes.
A sua aventura novaiorquina continua por outras paragens. Em New Bedford seduzem-no o esplendor, as cores e os sons de um circo americano. No comboio de Houston para St. Louis conhece um companheiro de viagem com aspecto de apagado caixeiro viajante que depois se revela ser o filho do magnate Cornelius Vanderbilt. Isto é verdadeiramente a América, a terra dos incessantes assombros. Elogia os aspectos positivos e pragmáticos desta nova sociedade, tais como a simples e natural interacção entre os sexos: "Na América um e um são realmente dois...". Enleva-se com o sistema educativo, escolas que parecem palácios, o jeito amigável que professores e alunos têm uns para os outros, a pronta naturalidade com que os universitários aceitam o trabalho manual como forma de financiar os seus estudos. Mostra-se talvez algo exageradamente optimista quanto às virtudes do código de honra das instituições de ensino superior mas é tão compreensivo quanto os ziguezagues pelo labirinto da nova civilização lhe permitem ser. O seu humanismo é surpreendente. E também o é a sua imediata reacção aos instantâneos de dinamismo e vitalidade de que se vai apercebendo.
Em Washington tem a oportunidade de ser recebido pelo Presidente Coolidge que se mostra cordial e parece interessado em saber a sua opinião sobre a situação política portuguesa. Para António Ferro, Coolidge é o antigo lavrador, o político simples mas firme e inteligente que dirige a nação como dirigira antes o seu estado natal de Massachusetts. E o gabinete presidencial na Casa Branca simboliza o homem:
Não há um móvel ocioso, não há um quadro, não há um bibelot, não há uma flor. É um gabinete lacónico e seco, um artigo imperioso da Constituição. Uma grande secretária, uma estante de duas prateleiras enterrada na parede, uma mesa redonda ao centro da casa, meia dúzia de cadeiras, a bandeira americana junto da secretária.
Uma simplicidade eloquente. Mas este gabinete, de poucas palavras, é um discurso, é propaganda da boa democracia.
O jornalista que tinha tão ferventemente exaltado o poder da espada mostra-se agora deveras tocado pelo calmo poder da democracia.
A América passa como um filme diante dos olhos de António Ferro. Do vagão-observatório, durante longas viagens de comboio, vê cidade após cidade, mal diferenciáveis entre si, sempre com o mesmo edifício de madeira em frente da estação de caminho de ferro, a palavra HOTEL destacando-se da fachada. Ao aproximar-se de Chicago apercebe-se de um "exército infinito de chaminés" que desfila durante duas horas. Estas chaminés "são as árvores de Chicago e de Detroit, são os charutos das fábricas milionárias..." Nova Iorque e Chicago competem por um maior hotel, um arranha-céus mais alto, ambas oferecem o estonteante espectáculo de uma vaga de apressadas e palradoras empregadas de escritório invadindo os passeios às seis da tarde. A curiosidade de António Ferro é insaciável: "Todo o europeu que chega ao Novo Mundo é um descobridor, um descobridor de coisas simples e práticas, um descobridor de ovos de Colombo..." É de facto esta atitude, esta capacidade de fascinação pelas coisas singelas da vida que marca a cada passo a óptica do autor.
Com as suas flores, as suas árvores de fruto, os seus verdes, a Califórnia recorda-lhe o Minho. San Francisco é uma cidade mágica, debruçada sobre o Pacífico, espreitando o Extremo Oriente pela fresta da Golden Gate Bridge. Esta "cidade-cocktail", esta urbe sorridente e alegre desperta-lhe aquela sensação de estar em casa tantas vezes experimentada por gentes do sul da Europa que a visitam. Uma ida ao teatro chinês não pode deixar de contribuir para o mistério e encanto do ambiente.
O propósito primordial desta visita de dois meses aos Estados Unidos era entrar em contacto com a comunidade portuguesa aí emigrada. Para cumprir esse objectivo faz planos para passar vinte dias na Califórnia e mais alguns na Nova Inglaterra. Confessa que o quadro desta emigração se revela algo nebuloso em Portugal. O emigrante é ignorado, quanto muito ironizado. Visto como completamente absorvido pela América, privado dos seus valores ancestrais, não oferece uma silhueta diferenciativa aos olhos dos que ficaram atrás. Esta é a imagem que António Ferro se propõe desmentir. A sua intenção é demonstrar como os laços que ligam o emigrante à pátria continuam a ser vigorosos.
É todavia uma tarefa difícil. Embora António Ferro continuamente aluda aos ideais patrióticos e insinue as vantagens de um regresso à tradição, tem de admitir que se criou uma nova geração do outro lado do Atlântico. A mulher portuguesa na América impressiona-o em particular. Enfatiza em especial a capacidade organizativa das dirigentes das duas sociedades femininas da Califórnia. O leitor encontrará nas suas palavras um contraste discreto, talvez quase desapontado, com o comportamento feminino em Portugal quando faz notar que as portuguesas da América normalmente guiam carros, montam a cavalo, jogam golfe, frequentam as piscinas, dominam as danças modernas e se vestem do mesmo modo que as suas irmãs americanas. Admira francamente a sua liberdade, a sua abordagem prática da vida. Chega mesmo a apontá-las como modelos para as mulheres que ficaram na pátria, uma atitude surpreendente para um português dos anos vinte, produto de uma sociedade tradicionalista em que a cultura francesa, não a americana, era considerada a paradigmática.
Os seus encómios vão também para os homens. Vindo de um país onde se habituara ao panorama de um sector rural de limitados recursos, sublinha com impressionante justeza a relativa opulência do lavrador ou trabalhador agrícola português na Califórnia:
Todos vivem bem. Todos têm o seu "rancho", o seu bungalow, o seu automóvel. Há uma escala de fortuna que vai de dez mil dólares (poucos estão no princípio da escala...) até dois milhões de dólares. Não há grandes fortunas mas também não há miséria. O bem estar é geral. Ninguém precisa do seu vizinho para comer o pão de cada dia...
Conta depois uma série de histórias de êxito económico.
Menciona o rapazinho pobre que chega aos Estados Unidos sem conhecer uma palavra da nova língua e só com uns quantos dólares no bolso e consegue chegar a ser médico, advogado, político, próspero agricultor ou negociante. Manifesta espanto ante a extraordinária capacidade de aculturação ao mundo moderno demonstrada pelo emigrante português. Uma das suas mais vívidas ilustrações é a de um proprietário rural açoriano, analfabeto mas absolutamente familiarizado com sofisticadíssima maquinaria agrícola, que vive num lar confortável onde o jornalista pôde observar um piano, um fonógrafo, pratas e louças caras, uma elegante casa de banho e -- num irónico contraste - um altar erigido em honra do Divino Espírito Santo.
Os sentimentos nacionalistas de António Ferro alvoroçam-se quando ouve os luso-descendentes falarem a língua ancestral. Talvez seja um português estranho, muitas vezes rústico e primitivo, mas é a língua da pátria. Por outro lado será talvez possível descortinar-se nele uma ligeira irritação quando ouve algumas luso-americanas conversando em inglês entre elas durante um almoço oferecido ao jornalista. Isto sugere-lhe a necessidade de Portugal prestar maior atenção aos seus filhos espalhados pelo mundo. De certo modo parece lamentar que outros países atraiam este segmento da população portuguesa e apela mesmo para um encaminhamento da emigração para as colónias portuguesas de África.
Existem, muito compreensivelmente, afirmações e quantificações bastante discutíveis no seu balanço geral da comunidade lusa na Califórnia. António Ferro veio como jornalista e escreveu sobre o que teve oportunidade de observar, talvez de um modo algo superficial em vários casos, e sobre o que lhe foi dito por compatriotas quiçá movidos por um desejo de supervalorização dos seus conseguimentos. Não fez, e não poderia ter feito, uma pesquisa metódica e em profundidade. Assim, pinta um quadro que de vez em quando parece demasiadamente cor-de-rosa e que algo diverge da realidade. O seu agudo sentido jornalístico leva-o contudo à essencialidade da vida emigrante. Pode errar um pouco nos pormenores mas patenteia um seguro instinto para imediatamente detectar as facetas mais pertinentes da presença portuguesa na Califórnia. Além disso pode reclamar para si a distinção de ter sido o primeiro autor que em Portugal se preocupou com esta emigração e sobre ela escreveu.
Los Angeles, onde passou duas semanas, foi outra revelação para António Ferro. A sua pintura desta "cidade festiva" está marcada por fortes pinceladas de impressionismo, que fazem ressaltar a luminosidade, a abundância de flores, uma arquitectura muito própria. O quadro geral da cidade é dado através de rápidas mas expressivas miniaturas: a visão do restaurante Brown Derby construído em forma de chapéu de coco, as cottages de Beverly Hills, o exótico perfil do Grauman's Chinese Theater, Hollywood Boulevard, o "boulevard-écran", todo um desfile de novas sensações. Aqui também se patenteia o deslumbramento sempre presente, uma aproximação quase lírica à nova ambiência.
Uma parte de Hollywood, Capital das Imagens trata do estranho mundo do filme, da sobreposição da fantasia à autenticidade. Com uma frase, "A realidade de Hollywood (...) é a sua irrealidade", António Ferro encapsula as suas perplexas conclusões. A recriação do ambiente da rua dentro de um estúdio deixa-o estupefacto, a estatura da gente do cinema, quase a roçar o épico, causa-lhe um notório impacto. É mais uma faceta desta estranha América, por vezes tão humana, por vezes tão artificial.
A sua última semana no Novo Mundo foi passada com as comunidades portuguesas da Nova Inglaterra. Lamenta que o tempo não lhe tivesse permitido uma visita mais prolongada a esta zona ou qualquer contacto com os núcleos de Newark ou Brooklyn, de facto colónias de maior densidade que a da Califórnia e, na altura, diferenciáveis dela pelo seu cunho urbano e industrial. Teve apesar de tudo ocasião de entrevistar alguns dirigentes comunitários e de apreciar a mesma pronta hospitalidade que já na costa do Pacífico lhe tinha sido brindada.
De um modo geral "Novo Mundo Mundo Novo" e "Hollywood, Capital das Imagens" são precisamente o que o primeiro título sugere. António Ferro chega à América com uma atitude de tabula rasa e deixa-se encharcar pelas maravilhas da nova civilização. Admira francamente o que vê e através das suas páginas o leitor dá-se conta da constante apetência de conhecer mais e mais, de penetrar mais fundo no novo ambiente, de o descrever artisticamente. Os seus antecedentes intelectuais e profissionais impelem-no para agarrar com ambas as mãos a novidade com que por todo o lado esbarra. O futurista tinha encontrado o futuro.
NOTAS
. Sidónio Pais fora assassinado a 14 de Dezembro de 1918.
. Recorde-se que em 1927 a ditadura militar atravessava ainda um período de relativa desorientação, que só se veio a estabilizar quando Oliveira Salazar tomou as rédeas do poder em 1932.
. Os comportamentos que ele descreve parecem no entanto mais típicos da mulher luso- americana do que da mulher emigrante. É plausível que neste aspecto António Ferro se tenha deixado arrastar pelo indiscriminado uso americano de termos de nacionalidade, que engloba por exemplo como "portugueses" os luso-descendentes, mesmo de terceira ou quarta geração.
Eduardo Mayone Dias
António Ferro foi indubitavelmente uma das mais controversas figuras do Estado Novo. Nascido em Lisboa em 1896, publica o seu primeiro livro aos dezassete anos, quando ainda aluno do liceu. Era um volume de poesia, "Missal de Trovas", composto em colaboração com Augusto Cunha. Pouco depois estabelece amizade com vários membros do grupo do Orpheu, Mário de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor, José Pacheco e Almada Negreiros, e frequenta as suas tertúlias, onde tem a oportunidade de conhecer Fernando Pessoa. Em 1915 é nomeado director da revista. Parece bastante plausível que a nomeação se tivesse devido a razões algo calculistas. O grupo sofria de persistentes dificuldades financeiras e, como menor, António Ferro não poderia ser legalmente responsável por quaisquer dívidas que a revista contraísse.
Em 1917 pronuncia uma conferência intitulada "As Grandes Trágicas do Silêncio", a primeira em Portugal sobre a nova arte cinematográfica. Também faz outras conferências sobre jazz, que mais tarde irá compilar em "A Idade do Jazz Band".
Em 1918 parte para Angola como oficial miliciano. Aí serve como ajudante de campo do Governador Geral, Filomeno da Câmara, um homem de direita por quem António Ferro cria uma funda admiração, e é mais tarde nomeado secretário geral da colónia. De regresso a Lisboa no ano seguinte, é chefe de redacção de "O Jornal", que apoiava a linha sidonista , muito próxima do conceito de uma monarquia sem rei. Nestes perturbados anos de caos político a carreira jornalística de António Ferro floresce.
Em 1920 chama a atenção do público ao fazer estampar n' "O Século" uma entrevista com Gabriel D'Annunzio, que acabara de ocupar a cidade de Fiume, reclamando-a para a soberania italiana. Também trabalha como crítico literário e teatral e em 1922 é escolhido como director de "A Ilustração Portuguesa". Nesse mesmo ano está presente na Semana de Arte Moderna de São Paulo, que iria lançar o movimento modernista brasileiro. Entretanto continua entrevistando figuras célebres da actualidade internacional, como Mussolini, o General Primo de Rivera, Poincaré, Pétain, Jean Cocteau, Colette, Mistinguette e outros. Por estes tempos também segue fazendo conferências e escreve teatro.
Uma série de entrevistas com Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, em que se definiram os pontos mais importantes da orientação política do Estado Novo, lança António Ferro por um rumo diferente. Em 1933 é nomeado director do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), mais tarde designado como Secretariado Nacional da Informação (SNI). Sob a sua direcção, que irá durar até 1950, além de dar publicidade ao novo perfil de Portugal no país e no estrangeiro, o Secretariado lança uma série de notáveis iniciativas culturais, entre elas o Teatro do Povo, o Cinema Ambulante e os Bailados Verde Gaio, além de exposições de arte, conferências, prémios literários e missões culturais. António Ferro é naturalmente o grande dinamizador deste programa e em breve consegue reconhecimento público como promotor da cultura portuguesa. Para isso tem de optar por um equilíbrio muito precário entre as exigências políticas extremamente conservadoras que o circundam e as suas próprias inclinações estéticas para um conceito modernista da arte. Outro projecto que dirige é a Exposição do Mundo Português, inaugurada em 1940, que atraiu um vasto número de visitantes nacionais e estrangeiros. Em 1941 é nomeado director da Emissora Nacional, a estação oficial de rádio, que ele imediatamente começa a remodelar. A sua última função pública é a de Ministro de Portugal em Berna. Vem a falecer em Novembro de 1956.
A associação de António Ferro com a ditadura e o seu papel como principal catalisador do mito salazarista antagonizaram muitos críticos. Por consequência o seu valor como escritor e jornalista nunca foi reconhecido com a devida justiça. De facto a imagem do homem de acção, formulador de uma política cultural que muitos consideravam manchada pelo totalitarismo do regime, obscureceu as qualidades artísticas na visão da predominantemente liberal intelligentsia portuguesa do tempo. Foi contudo um multifacético literato, um intérprete original e mundano da sociedade do tempo, uma personalidade combativa, um agudo crítico, um futurista que constituiu um dos mais importantes pilares de um sistema político ferozmente tradicionalista, uma curiosa combinação de boulevardier e oficiosa figura pública.
No início da década de vinte o espírito do "Orpheu" estava ainda presente na sua obra. O livro "A Teoria da Indiferença" causou uma forte repercussão dentro dos círculos literários de Lisboa pela sua natureza paradoxal e vanguardista. A peça "Mar Alto" foi proibida depois da primeira representação devido ao realismo cru que revelava e só pôde de novo ser encenada na década de oitenta. No entanto António Ferro parecia estar fascinado pelos regimes autoritários e euforicamente declarou "Há uma primavera de espadas por todo o mundo" uma semana antes da revolução de 28 de Maio de 1926, que pôs fim à primeira república portuguesa. No ano seguinte fez publicar a sua "Viagem à Volta da Ditadura".
Em 1927 António Ferro visitou os Estados Unidos. Com base nas suas impressões deste país escreveu uma série de reportagens para o "Diário de Notícias", mais tarde republicadas em dois volumes, "Novo Mundo Mundo Novo" (1930) e "Hollywood, Capital das Imagens" (1931). A viagem ao Novo Continente iniciou-se em Março, quando embarcou em Cherburgo no paquete americano Leviathan com destino a Nova Iorque. A vida a bordo deu-lhe já uma prefiguração da sociedade americana. Parece ter ficado especialmente impressionado pelo conforto, singeleza, opulência e mesmo uma certa excentricidade do ambiente que observou dentro do navio. Aí uma das mais sobressaltantes experiências foi uma visita à barbearia, comentada com a sua habitual originalidade de expressão:
Os barbeiros americanos são autênticos cirurgiões. Não fazem a barba: operam. Estendem-nos ao comprido na cadeira. Ficamos na posição horizontal das grandes operações. Uma vez nessa posição, será o que Deus quiser! Esfregam-nos, molham-nos, queimam-nos, esquartejam-nos...
Como se isso não fosse suficiente, o "carrasco inconsciente", como o autor lhe chama, apresentou-lhe uma conta de três dólares, uma soma que na realidade deveria ter parecido astronómica num contexto português da época.
Nova Iorque, a "cidade formidável, impossível, com as reticências infinitas das suas janelas", tal como ele a viu, foi logo uma revelação. Mesmo desde o navio deu-lhe uma imediata impressão de grandeza. Depois, ao deambular por Manhattan impressionaram-no o rápido andamento da vida americana, a azáfama das ruas, o intenso trânsito automóvel, a espantosa ostentação de riqueza na Quinta Avenida, a fúria da música de jazz em Harlem. Foi contudo capaz de se deter para uma visão poética da urbe: os arranha-céus que fogem da terra, os negócios tratados no trigésimo andar de um edifício do centro que sugerem o lirismo de um soneto composto numa mansarda, a Broadway que oferece a mágica da sua "luz-champanhe", os americanos que plantam jardins no topo dos mais altos buildings numa ilustração de idealismo prático.
A sua atenção divide-se entre os pormenores mais quotidianos, como uma banda do Exército de Salvação tocando em qualquer esquina, e os mais significativos, como a surpreendente espectaculosidade do acolhimento feito a Charles Lindbergh na cidade. Mesmo vendo-o à distância, António Ferro consegue captar as características mais marcantes da personalidade de Lindbergh através da sua expressão. Vê nele o all-American boy socialmente inocente, deixa-se impressionar pelo sorriso infantil, pela límpida pureza do olhar, a agradável combinação de uma desajeitada presença e um natural savoir faire.
As observações de António Ferro deixam a impressão de serem especialmente penetrantes e pertinentes. Bom europeu, sente-se esmagado pelas gigantescas dimensões da cidade mas consegue contudo acercar-se aos seus detalhes mais íntimos e tocantes como um pequeno cemitério escondido como um relicário entre a altura dos edifícios do centro da cidade. Vem para Nova Iorque com um espírito aberto, isento de preconceitos, sempre sensível à beleza - sem exclusão da beleza feminina. Aqui e além um toque de delicada ironia emerge do seu maravilhar-se ante a tecnologia americana ou a estranheza dos novos costumes.
A sua aventura novaiorquina continua por outras paragens. Em New Bedford seduzem-no o esplendor, as cores e os sons de um circo americano. No comboio de Houston para St. Louis conhece um companheiro de viagem com aspecto de apagado caixeiro viajante que depois se revela ser o filho do magnate Cornelius Vanderbilt. Isto é verdadeiramente a América, a terra dos incessantes assombros. Elogia os aspectos positivos e pragmáticos desta nova sociedade, tais como a simples e natural interacção entre os sexos: "Na América um e um são realmente dois...". Enleva-se com o sistema educativo, escolas que parecem palácios, o jeito amigável que professores e alunos têm uns para os outros, a pronta naturalidade com que os universitários aceitam o trabalho manual como forma de financiar os seus estudos. Mostra-se talvez algo exageradamente optimista quanto às virtudes do código de honra das instituições de ensino superior mas é tão compreensivo quanto os ziguezagues pelo labirinto da nova civilização lhe permitem ser. O seu humanismo é surpreendente. E também o é a sua imediata reacção aos instantâneos de dinamismo e vitalidade de que se vai apercebendo.
Em Washington tem a oportunidade de ser recebido pelo Presidente Coolidge que se mostra cordial e parece interessado em saber a sua opinião sobre a situação política portuguesa. Para António Ferro, Coolidge é o antigo lavrador, o político simples mas firme e inteligente que dirige a nação como dirigira antes o seu estado natal de Massachusetts. E o gabinete presidencial na Casa Branca simboliza o homem:
Não há um móvel ocioso, não há um quadro, não há um bibelot, não há uma flor. É um gabinete lacónico e seco, um artigo imperioso da Constituição. Uma grande secretária, uma estante de duas prateleiras enterrada na parede, uma mesa redonda ao centro da casa, meia dúzia de cadeiras, a bandeira americana junto da secretária.
Uma simplicidade eloquente. Mas este gabinete, de poucas palavras, é um discurso, é propaganda da boa democracia.
O jornalista que tinha tão ferventemente exaltado o poder da espada mostra-se agora deveras tocado pelo calmo poder da democracia.
A América passa como um filme diante dos olhos de António Ferro. Do vagão-observatório, durante longas viagens de comboio, vê cidade após cidade, mal diferenciáveis entre si, sempre com o mesmo edifício de madeira em frente da estação de caminho de ferro, a palavra HOTEL destacando-se da fachada. Ao aproximar-se de Chicago apercebe-se de um "exército infinito de chaminés" que desfila durante duas horas. Estas chaminés "são as árvores de Chicago e de Detroit, são os charutos das fábricas milionárias..." Nova Iorque e Chicago competem por um maior hotel, um arranha-céus mais alto, ambas oferecem o estonteante espectáculo de uma vaga de apressadas e palradoras empregadas de escritório invadindo os passeios às seis da tarde. A curiosidade de António Ferro é insaciável: "Todo o europeu que chega ao Novo Mundo é um descobridor, um descobridor de coisas simples e práticas, um descobridor de ovos de Colombo..." É de facto esta atitude, esta capacidade de fascinação pelas coisas singelas da vida que marca a cada passo a óptica do autor.
Com as suas flores, as suas árvores de fruto, os seus verdes, a Califórnia recorda-lhe o Minho. San Francisco é uma cidade mágica, debruçada sobre o Pacífico, espreitando o Extremo Oriente pela fresta da Golden Gate Bridge. Esta "cidade-cocktail", esta urbe sorridente e alegre desperta-lhe aquela sensação de estar em casa tantas vezes experimentada por gentes do sul da Europa que a visitam. Uma ida ao teatro chinês não pode deixar de contribuir para o mistério e encanto do ambiente.
O propósito primordial desta visita de dois meses aos Estados Unidos era entrar em contacto com a comunidade portuguesa aí emigrada. Para cumprir esse objectivo faz planos para passar vinte dias na Califórnia e mais alguns na Nova Inglaterra. Confessa que o quadro desta emigração se revela algo nebuloso em Portugal. O emigrante é ignorado, quanto muito ironizado. Visto como completamente absorvido pela América, privado dos seus valores ancestrais, não oferece uma silhueta diferenciativa aos olhos dos que ficaram atrás. Esta é a imagem que António Ferro se propõe desmentir. A sua intenção é demonstrar como os laços que ligam o emigrante à pátria continuam a ser vigorosos.
É todavia uma tarefa difícil. Embora António Ferro continuamente aluda aos ideais patrióticos e insinue as vantagens de um regresso à tradição, tem de admitir que se criou uma nova geração do outro lado do Atlântico. A mulher portuguesa na América impressiona-o em particular. Enfatiza em especial a capacidade organizativa das dirigentes das duas sociedades femininas da Califórnia. O leitor encontrará nas suas palavras um contraste discreto, talvez quase desapontado, com o comportamento feminino em Portugal quando faz notar que as portuguesas da América normalmente guiam carros, montam a cavalo, jogam golfe, frequentam as piscinas, dominam as danças modernas e se vestem do mesmo modo que as suas irmãs americanas. Admira francamente a sua liberdade, a sua abordagem prática da vida. Chega mesmo a apontá-las como modelos para as mulheres que ficaram na pátria, uma atitude surpreendente para um português dos anos vinte, produto de uma sociedade tradicionalista em que a cultura francesa, não a americana, era considerada a paradigmática.
Os seus encómios vão também para os homens. Vindo de um país onde se habituara ao panorama de um sector rural de limitados recursos, sublinha com impressionante justeza a relativa opulência do lavrador ou trabalhador agrícola português na Califórnia:
Todos vivem bem. Todos têm o seu "rancho", o seu bungalow, o seu automóvel. Há uma escala de fortuna que vai de dez mil dólares (poucos estão no princípio da escala...) até dois milhões de dólares. Não há grandes fortunas mas também não há miséria. O bem estar é geral. Ninguém precisa do seu vizinho para comer o pão de cada dia...
Conta depois uma série de histórias de êxito económico.
Menciona o rapazinho pobre que chega aos Estados Unidos sem conhecer uma palavra da nova língua e só com uns quantos dólares no bolso e consegue chegar a ser médico, advogado, político, próspero agricultor ou negociante. Manifesta espanto ante a extraordinária capacidade de aculturação ao mundo moderno demonstrada pelo emigrante português. Uma das suas mais vívidas ilustrações é a de um proprietário rural açoriano, analfabeto mas absolutamente familiarizado com sofisticadíssima maquinaria agrícola, que vive num lar confortável onde o jornalista pôde observar um piano, um fonógrafo, pratas e louças caras, uma elegante casa de banho e -- num irónico contraste - um altar erigido em honra do Divino Espírito Santo.
Os sentimentos nacionalistas de António Ferro alvoroçam-se quando ouve os luso-descendentes falarem a língua ancestral. Talvez seja um português estranho, muitas vezes rústico e primitivo, mas é a língua da pátria. Por outro lado será talvez possível descortinar-se nele uma ligeira irritação quando ouve algumas luso-americanas conversando em inglês entre elas durante um almoço oferecido ao jornalista. Isto sugere-lhe a necessidade de Portugal prestar maior atenção aos seus filhos espalhados pelo mundo. De certo modo parece lamentar que outros países atraiam este segmento da população portuguesa e apela mesmo para um encaminhamento da emigração para as colónias portuguesas de África.
Existem, muito compreensivelmente, afirmações e quantificações bastante discutíveis no seu balanço geral da comunidade lusa na Califórnia. António Ferro veio como jornalista e escreveu sobre o que teve oportunidade de observar, talvez de um modo algo superficial em vários casos, e sobre o que lhe foi dito por compatriotas quiçá movidos por um desejo de supervalorização dos seus conseguimentos. Não fez, e não poderia ter feito, uma pesquisa metódica e em profundidade. Assim, pinta um quadro que de vez em quando parece demasiadamente cor-de-rosa e que algo diverge da realidade. O seu agudo sentido jornalístico leva-o contudo à essencialidade da vida emigrante. Pode errar um pouco nos pormenores mas patenteia um seguro instinto para imediatamente detectar as facetas mais pertinentes da presença portuguesa na Califórnia. Além disso pode reclamar para si a distinção de ter sido o primeiro autor que em Portugal se preocupou com esta emigração e sobre ela escreveu.
Los Angeles, onde passou duas semanas, foi outra revelação para António Ferro. A sua pintura desta "cidade festiva" está marcada por fortes pinceladas de impressionismo, que fazem ressaltar a luminosidade, a abundância de flores, uma arquitectura muito própria. O quadro geral da cidade é dado através de rápidas mas expressivas miniaturas: a visão do restaurante Brown Derby construído em forma de chapéu de coco, as cottages de Beverly Hills, o exótico perfil do Grauman's Chinese Theater, Hollywood Boulevard, o "boulevard-écran", todo um desfile de novas sensações. Aqui também se patenteia o deslumbramento sempre presente, uma aproximação quase lírica à nova ambiência.
Uma parte de Hollywood, Capital das Imagens trata do estranho mundo do filme, da sobreposição da fantasia à autenticidade. Com uma frase, "A realidade de Hollywood (...) é a sua irrealidade", António Ferro encapsula as suas perplexas conclusões. A recriação do ambiente da rua dentro de um estúdio deixa-o estupefacto, a estatura da gente do cinema, quase a roçar o épico, causa-lhe um notório impacto. É mais uma faceta desta estranha América, por vezes tão humana, por vezes tão artificial.
A sua última semana no Novo Mundo foi passada com as comunidades portuguesas da Nova Inglaterra. Lamenta que o tempo não lhe tivesse permitido uma visita mais prolongada a esta zona ou qualquer contacto com os núcleos de Newark ou Brooklyn, de facto colónias de maior densidade que a da Califórnia e, na altura, diferenciáveis dela pelo seu cunho urbano e industrial. Teve apesar de tudo ocasião de entrevistar alguns dirigentes comunitários e de apreciar a mesma pronta hospitalidade que já na costa do Pacífico lhe tinha sido brindada.
De um modo geral "Novo Mundo Mundo Novo" e "Hollywood, Capital das Imagens" são precisamente o que o primeiro título sugere. António Ferro chega à América com uma atitude de tabula rasa e deixa-se encharcar pelas maravilhas da nova civilização. Admira francamente o que vê e através das suas páginas o leitor dá-se conta da constante apetência de conhecer mais e mais, de penetrar mais fundo no novo ambiente, de o descrever artisticamente. Os seus antecedentes intelectuais e profissionais impelem-no para agarrar com ambas as mãos a novidade com que por todo o lado esbarra. O futurista tinha encontrado o futuro.
NOTAS
. Sidónio Pais fora assassinado a 14 de Dezembro de 1918.
. Recorde-se que em 1927 a ditadura militar atravessava ainda um período de relativa desorientação, que só se veio a estabilizar quando Oliveira Salazar tomou as rédeas do poder em 1932.
. Os comportamentos que ele descreve parecem no entanto mais típicos da mulher luso- americana do que da mulher emigrante. É plausível que neste aspecto António Ferro se tenha deixado arrastar pelo indiscriminado uso americano de termos de nacionalidade, que engloba por exemplo como "portugueses" os luso-descendentes, mesmo de terceira ou quarta geração.
Eduardo Mayone Dias
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