domingo, novembro 05, 2006
Os nossos mortos
"Quando se tem vivido uma vida já longa, e, sobre longa, intensa, de trabalhos, de fadigas, de inquietações, até de sonhos, o caminho que percorremos fica ladeado de numerosas cruzes - as cruzes dos nossos mortos. E se essa vida foi sobretudo colaboração íntima, soma de esforços comuns, inteiro dom das qualidades nobres da alma, eles não ficam para trás: continuam caminhando a nosso lado, graves e doces como entes tutelares, purificados pelo sacrifício da vida, despidos da jaça da terra, sublimados na serenidade augusta da morte. Na verdade, há mortos que não morrem: desaparecem no seu invólucro terreno, na sua figuração humana, na fragilidade e nos defeitos e nas limitações da carne; mas o espírito continua a brilhar como as estrelas que se apagaram no céu há cem mil anos, vincam-se mais na terra os sulcos que o seu exemplo abriu e parece até que os seus afectos não deixam de aquecer-nos o coração. Nem de outra forma se compreenderia que a Providência suscitasse tantas vezes almas extraordinárias, cumes de beleza espiritual, e lhes não conceda mais que uma breve aparição, como voo de asa que corta o céu, botão que murcha sem revelar ao sol da manhã a graça do perfume da rosa. Há mortos que não morrem, e nós todos que viemos de longe ou de perto, em saudosa peregrinação, somos os que testemunhamos que este não morreu."
(Salazar, no seu discurso em memória de Duarte Pacheco, a 15 de Novembro de 1953)
(Salazar, no seu discurso em memória de Duarte Pacheco, a 15 de Novembro de 1953)
3 Comentários
Comments:
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Magnífico. Como bem afirmou um insuspeito António José Saraiva, Salazar foi não apenas um dos homens "notáveis" da História de Portugal, dotado de uma rara característica -- a "recta intenção", mas foi igualmente uma das maiores expressões da Língua Portuguesa. Qualquer comentário acerca desta belíssima passagem é absolutamente inútil, pois esta atinge a dimensão do sublime ao elevar de tal forma o espírito que o Grande Mestre consegue, com genial naturalidade, construir com palavras aquilo que está além das palavras. Pobres os povos que deitam a perder a obra de um Homem de génio e que, na sintomática presunção dos estúpidos incapazes, afundam-se diária e alegremente na decadência e na dissolução.
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