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domingo, dezembro 10, 2006

O REGRESSO AO MISTÉRIO 

Porém, também em outros campos do pensamento verdadeiramente vital se assiste a uma importante ruptura e renovação. Na Etnologia, na Filosofia, na literatura, na Metaciência, abre-se desde o princípio do século um novo espaço ontológico, um domínio do Ser e do Sagrado em que se reconhece, implícita ou explicitamente, a impotência da Razão. Surge outra vez a consciência dos limites da capacidade humana para conhecer e perceber. Se no período anterior o campo dos problemas invadiu o campo dos mistérios, hoje volta a Zona do Mistério para além da Zona do Problema.
Na Etnologia, Mircea Eliade procura as bases perdidas pela Antropologia, demasiado racionalista e positivista. Na Metaciência, René Guénon e Jullus Evola revêem os mitos, os fundamentos valorativos, revisitando o Sagrado e os altos valores da Tradição Humana. Na Filosofia Antropológica, Arnold Gehlen faz um exercício completo sobre a Cultura e a disciplina superadora, que assegura a manutenção da civilização. Contra o mito rousseauista não cessa de exigir um regresso à cultura., opondo-o ao reaccionário ensinamento que proclama o regresso à natureza como factor de redenção.
Na Filosofia, Max Scheller, Husserl, Heidegger, Jaspers, continuam a apontar uma linha de procura do absoluto e de superação da razão eficiente.
Na Psicologia, Jung, Jensen, Eysenck, Bertalanffy, voltam aos fundamentos biológicos (aos instintos) e extraem consequências da Genética contemporânea e da Etologia, todas fundamentais para a nossa mundovisão.
Pouco a pouco, todos os campos científicos se vêem afectados pela revolução silenciosa e pela necessidade de recorrer às novas descobertas para explicar e entender o Real.
Entretanto, o Deus Vivo, Aquele que é, que fora afastado pela ciência racionalista que tudo explicava pelas relações mecânicas e os modelos hidráulicos, entra novamente no campo do Saber pela mão dos grandes Físicos. O milagre, que tinha sido banido por decreto - tudo funcionava como um relógio sem necessidade de zelador - insinua-se hoje no plano dos quanta através da formulação de Werner Heisenberg, ou seja, através do indeterminismo básico de toda a construção universal. Grande é a liberdade das coisas materiais, que não estão acorrentadas às sábias doutrinas de causalidade fechada. Grande e sábio é o construtor de tão grande mistério, que na própria base tem o Mistério.
É talvez por isso que hoje em dia as mais belas páginas de espiritualidade se encontrem nos grandes físicos ocidentais que se revelam ao mesmo tempo como grandes crentes da Sua Sabedoria. Não assegurou Cristo aos judeus, que o perseguiam por ter curado ao sábado o paralítico, “Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho»? Esta operação contínua de conservação não pode encontrar melhores entendedores que os que trabalham na fronteira do indeterminado.
Esta onda renovadora que traz muito de ruptura, não pode deixar de ter consequências práticas, político-sociais, ou seja, encontrar formulação e concretização a nível do social. Os elementos superadores da Velha Mundovisão estão disponíveis num corpo de conhecimentos verdadeiramente revolucionários que fundamentarão uma nova visão do mundo, e da vida. E as novas linhas sociais, económicas, políticas, espirituais, demográficas, não podem colidir com o acervo científico acumulado por centenas de ignotos investigadores. Ao contrário, as teorias, as explicações, a prática, terão de ir ao encontro desse saber, procurando aí as respostas para as suas perplexidades. Para a edificação de estruturas político-sociais estáveis, onde o homem reintegrado na sua herança natural e cultural, possa viver feliz.

António Marques Bessa (excerto de "Ensaio sobre o Fim da Nossa Idade")

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