quarta-feira, julho 25, 2007
A verdade sobre a falsa direita
Por ocasião do centenário do caso Dreyfus, Jacques Chirac enviou aos descendentes de Emile Zola e Alfred Dreyfus uma carta na qual, lembrando aquele “colossal erro judicial e vergonhoso comprometimento do Estado”, afirmou que Emile Zola “na senda de Voltaire”, encarnaria “o melhor da tradição intelectual”. Obviamente poder-se-ia ironizar sobre a escolha dos autores de quem o presidente francês invocou os nomes. No fim de contas, ambos expressaram ao seu tempo opiniões que hoje se enquadrariam na lei Gayssot sobre o “incitamento ao ódio racial”. Em 1764 Voltaire escrevia no «Dicionário filosófico» que “os judeus são apenas um povo ignorante e bárbaro que há muito une a mais repugnante avareza e a mais abominável superstição a um ódio indistinto por todos os povos que os toleram e graças aos quais enriquecem”.
Quanto a Zola, de «L’argent» à série de «Rougon Macquart», não existe um único estereótipo anti-semita que não tenha feito seu. Mas é claro que não é a estes aspectos que Chirac pretendia aludir.
Longe de ser anedótica, a sua afirmação é no entanto reveladora. Qualquer homem de esquerda, de Lionel Jospin a Alain Krivine, de Robert Hue a Jack Lang, subscreveria voluntariamente a ideia de que Voltaire e Zola encarnariam o “melhor da tradição intelectual” francesa.
Poucos homens de direita, no entanto, seriam levados a comungar desta opinião, mesmo porque sabem bem que Voltaire e Zola passam hoje por grandes antecessores da intelligentzia de esquerda e que os intelectuais de direita dispõem geralmente de outras referências. Na circunstância, Chirac falou, portanto, como homem de esquerda.
Como é isto possível? É-o simplesmente porque, no campo da cultura e das ideias, a direita da qual ele se declara diz regularmente as mesmas coisas que a esquerda. E di-las porque é historicamente saída da mesma matriz filosófica da esquerda, obra da filosofia das Luzes, que no período de dois séculos criou em sequência o liberalismo, o socialismo e o marxismo. É certo que partindo de uma herança comum uma “esquerda” e uma “direita” se foram progressivamente diferenciando. Mas é sobretudo no âmbito económico e social que as suas diferenças se afirmaram, porém muito mais pela escolha dos meios que pela determinação dos objectivos. No campo cultural e intelectual falam quase em uníssono. Demonstrou-o mais uma vez, a seu modo, a recente polémica sobre o «Livro Negro do Comunismo»: se tantos comentadores se empenham hoje em distinguir a “bondosa” inspiração do comunismo dos seus sanguinários êxitos é porque aquela inspiração não se diferencia fundamentalmente das suas.
Declarando-a “boa” não nos demonstram a sua justeza. Limitam-se a confirmar poderem-se reconhecer nas ideias que o sustiveram.
“O problema permanente da direita e a fonte do seu mal-estar actual” escreveu Jacques Juliard, “reside no facto de que os seus valores de referência continuam a pertencer originariamente ao outro campo”. Ernst Jünger já o havia observado em 1945: “tem sido a esquerda a submeter a si a direita há mais de cento e cinquenta anos, não o inverso.” É absolutamente exacto, e é na lógica das coisas, a partir do momento em que aquela direita nasceu à esquerda. Tendo nascido à esquerda, com a ideologia dos direitos do homem da qual essa se reclama, não pode alimentar-se, sem mal-estar, nem da sua identidade nem do seu passado. E tendo nascido à esquerda sofre de um défice permanente de legitimidade. Tendo nascido à esquerda não pode fazer mais que colocar-se ao centro, um centro no qual, por sua vez, a esquerda, recuperada das esperanças revolucionárias e agora convertida ao reformismo social-democrata, se insere cada vez mais, com a consequência dramática de que este grande bloco central rejeita os descontentes impedindo uma verdadeira alternância.
É verdade que os conceitos de direita e esquerda nas mentalidades estão hoje ofuscados.
Mas, se se ofuscam, isto acontece precisamente porque os grandes partidos que lhes envergam as cores têm tomado progressivamente consciência da inconsistência daquilo que os separa.
Actualmente não há nada de substancial que diferencie os seus valores. As suas escolhas aproximam-se, os seus programas movem-se em direcção ao centro e a opinião prevalecente é que dizem todos mais ou menos a mesma coisa.
Ainda ontem pensavam pertencer a famílias diferentes. Hoje percebem que apenas foram inimigos irmãos, que podem ainda polemizar sobre este ou aquele ponto mas fazem espontaneamente – com toda a naturalidade, sentir-se-ia dizer – frente comum para demonizar e rejeitar para o tenebroso extremo qualquer direita que seja uma direita verdadeira, com referências próprias, os seus autores, a sua antropologia, a sua própria sociologia, a sua própria visão do mundo, do homem e
da sociedade.
É claro: como sempre existiram várias esquerdas, assim existem várias direitas: uma direita contra-revolucionária e uma direita revolucionária, uma direita republicana e uma direita monárquica, uma direita nacionalista e uma direita federalista, e assim sucessivamente. Mas pelo menos essas têm um ponto em comum: são direitas verdadeiras. A declaração de Jacques Chirac vale como sintoma, já que permite perceber a que direita ele pertence.
Chirac pertence àquela direita que reprova as orientações económicas da esquerda
mas que se escusa a contestar as suas orientações intelectuais e ideológicas. É uma direita que, no fundo, partilha a visão do mundo da esquerda, contentando-se em substituir a solidariedade pela apologia do lucro. É uma direita de esquerda. Em suma, não é de facto uma direita.
Etiquetas: Alain de Benoist, direita
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