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quarta-feira, março 05, 2008

Mircea Eliade em Portugal 

Sobre a recente publicação pela "Guerra e Paz" do "Diário Português" de Mircea Eliade escrevceu Isabel Lucas no DN:

"Diário Português" ou o apocalipse de Mircea
"Nina foi a Bucareste, há uns dias. Estou sozinho por quatro ou cinco semanas. A suspensão de qualquer trabalho responsável, há tantos meses, a pressão política - com a qual vivo -, a preguiça mental, o abandono dos meus manuscritos de Oxford, a pobreza intelectual de Lisboa - tudo isto me ameaça com uma lenta degradação. Sinto a necessidade de me reencontrar, de me concentrar."
Estas palavras indiciavam um diário de desalento. Foram escritas a 21 de Abril de 1941 por Mircea Eliade, precisamente dez dias após chegar a Lisboa onde foi colocado como adido de imprensa na embaixada da Roménia. Até 5 de Setembro de 1945, data do seu último banho no mar de Cascais (já como conselheiro cultural), alimentou esse diário com angústias, desgostos, intriga política, a agonia que antecedeu a morte da mulher, Nina, a tomada do seu povo pelo comunismo, a admiração inicial por Salazar e ainda notas de projectos e algumas perdas. Da leitura das suas páginas - inéditas até 2001 -, fica claro que a sua escala em Lisboa esteve longe de ser feliz a tal ponto que um dos seus estudiosos, o também romeno Sorin Alexandrescu, chamou-lhe na introdução a este Diário, agora editado pela primeira vez em português pela Guerra e Paz, o "apocalipse segundo" Mircea Eliade.
Claro que houve momentos de euforia, sobretudo euforia criativa. "Terei entrado no ano da minha morte?", questiona-se ante o ímpeto da escrita aquele que foi um dos mais estudados filósofos da religião. Apostou na ficção e Apocalipse fora o título escolhido para um romance. Não o escreveria nunca. Escreveu por cá outros livros. Um deles dedicado a Salazar, o ditador português que viu pouco depois de ter chegado. A 28 de Abril, relatava: "Às seis aparece Salazar na varanda. Ruge toda a massa viva a seus pés. Com alguma dificuldade, debruçando-me bastante sobre a balaustrada da janela, consigo ver-lhe o perfil. Veste roupa simples, cinzenta, de passeio - e sorri saudando com a mão, comedidamente, sem gestos. Quando ele apareceu, do alto começaram a despejar cestos com pétalas de rosas, cor-de-rosa e amarelas. Observei, mais tarde, enquanto um jovem falava num palco no meio da praça, como Salazar brincava pensativo com algumas pétalas que tinham ficado na balaustrada. Depois vi-o falar. Lia com bastante calor e com maior ênfase, levantando de quando em quando os olhos do papel e olhando a multidão. Levantava a mão esquerda, mole, pensativa. Uma voz nunca estridente. E, no fim da leitura, quando a praça o ovacionava, inclinava sorridente a cabeça. Parece que nem sentia a força colectiva esmagadora a seus pés. De qualquer modo não era prisioneiro dela, nem sequer se deixava sugestionar por ela."
É o retrato do ditador português traçado por um estrangeiro crítico em relação ao país que encontrou; uma crítica, no entanto, apaziguada pelo facto de Portugal ser um país periférico, à margem de tudo o que era interessante do ponto de vista intelectual. Foi o tempo que intercalou uma estada na Índia e, finalmente, a celebrada partida para Paris. "Quatro anos e sete meses de Portugal", como contabilizou na despedida. Aqui viveu a maioria dos anos da II Guerra Mundial, os dias em que os "romenos mudaram de dono". Também aqui leu Eça de Queirós e a História de um Ano, de Mussolini, "menos sensacional do que esperava". A 13 de Setembro partia e prometia fazer o balanço desses tempos ao longo da viagem de comboio até Hendaya.

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