sexta-feira, setembro 19, 2008
O «oitocentismo» em decomposição
(um artigo de Carlos Cardoso, publicado no boletim GLADIUM)
A fundamentação das atitudes políticas tem tradicionalmente recorrido à Teologia e à Filosofia. Estas, por revelação ou dedução, configurando sistemas de valores hierarquizados, em que o Homem surge num determinado posicionamento, formavam a coluna vertebral das várias concepções do mundo.
O triunfo político das ideologias do iluminismo prescindiu da Teologia e (aparentemente) da Filosofia para a sua justificação. A nova visão do mundo, materialista, estabelecia que unicamente no estudo da matéria – única realidade sensível – poderiam ser encontradas as lei que regiam a dinâmica do Universo, desde os mais simples sistemas inorgânicos físico-químicos até às manifestações mais complexas da existência – estruturação e pensamento das sociedades.
Assim, unicamente à Ciência, como conjunto de disciplinas que pelo seu método e objecto de estudo determinariam com rigor as leis pelas quais se rege o Cosmos, foi dado o direito de cidadania. Nesta ordem de ideias e quando, nos finais do século XIX, se iniciou a estruturação de um conjunto de disciplinas novas, de âmbito diverso, as Ciências Humanas – estudo do homem em situação que escapa nitidamente à aplicação do método cientifico tradicional – todo um esforço foi feito para o seu enquadramento forçado no sistema positivista.
Inúmeras teorias foram sendo elaboradas tentando estabelecer leis imutáveis que regessem todos os aspectos da actividade humana e se fundamentaram, em última análise, nas leis físico-químicas da matéria.
Assim, surgiram os grandes sistemas que na Antropologia, na Sociologia, na História, na Psicologia, procuraram justificar os mitos que o oitocentismo criara. O comportamento humano seria governado por leis que simplesmente reflectiam um salto quantitativo e qualitativo em relação às leis gerais que regiam o comportamento da matéria nas suas expressões mais simples.
Podemos reconhecer pois que o labor de um Marx, de um Freud ou de um Levy Strauss, mais não são do que etapas sucessivas na criação de uma teoria geral explicativa do comportamento humano superior, através da descoberta de um principio unificador que estivesse na base do comportamento e, em última análise, tivesse uma ligação directa com as leis dos sistemas materiais inertes. Contudo, apesar de todo o esforço empreendido, nenhum dos notáveis autores ou seus discípulos conseguiu alguma vez estabelecer o «elo perdido» que ligasse as construções ideológicas que realizaram às leis fundamentais da matéria.
Os ideólogos do Iluminismo marxista ou liberal socorreram-se de algumas descobertas «científicas» do século XIX para fundamentar uma concepção do mundo antropocêntrica, em que o Homem «naturalmente bom» não se encontra vinculado a valores de qualquer ordem e cujo comportamento é susceptível de ser determinado por uma estrutura que, à partida, lhe seria estranha – a sociedade. A partir desta base teórica foram sendo desenvolvidas explicações globalizantes para as diversas situações que se ofereciam à observação. A psicanálise, o Behaviorismo e o Lysenkismo são apenas algumas das mais popularizadas.
Contudo, certas correntes do pensamento, não partilhando a concepção materialista do mundo que é própria do Iluminismo, reconheceram a existência de várias formas e graus de abordagem da realidade. Sem pôr em causa a Filosofia como fundamentação última de uma visão do mundo atribuíram à Ciência um importante papel no estudo e esclarecimento de certos aspectos parcelares da realidade. Desta forma, com o concurso do método científico, rectificado no seu rigor e seriedade, têm vindo a proceder a uma revisão profunda das premissas da mitologia pseudo-científica oitocentista. Está em curso uma autêntica «revolução silenciosa» em todos os domínios do conhecimento.
O caso Freeman-Mead mais não é do que o reflexo deste confronto no domínio da Antropologia.
Margaret Mead, durante muitos anos fez escola e ditou leis, na linha de Boas e de Ruth Benedict, com a sua «descoberta» da sociedade samoana, sem repressão e autêntico viveiro de «bons selvagens», mas que não resiste à análise rigorosa realizada por Derek Freeman, feita «in loco».
O trabalho de Freeman, amplamente documentado na sua obra (*) demonstrou até que ponto a falsificação dos dados observados é um dos pilares mais importantes da ideologia utopista e pseudo-científica que ainda vigora e contribuiu decisivamente para a queda de um dos grandes embustes na Antropologia contemporânea.
(*) «Margaret Mead and Samoa – The Making and Unmaking of an Anthropological Mith»
A fundamentação das atitudes políticas tem tradicionalmente recorrido à Teologia e à Filosofia. Estas, por revelação ou dedução, configurando sistemas de valores hierarquizados, em que o Homem surge num determinado posicionamento, formavam a coluna vertebral das várias concepções do mundo.
O triunfo político das ideologias do iluminismo prescindiu da Teologia e (aparentemente) da Filosofia para a sua justificação. A nova visão do mundo, materialista, estabelecia que unicamente no estudo da matéria – única realidade sensível – poderiam ser encontradas as lei que regiam a dinâmica do Universo, desde os mais simples sistemas inorgânicos físico-químicos até às manifestações mais complexas da existência – estruturação e pensamento das sociedades.
Assim, unicamente à Ciência, como conjunto de disciplinas que pelo seu método e objecto de estudo determinariam com rigor as leis pelas quais se rege o Cosmos, foi dado o direito de cidadania. Nesta ordem de ideias e quando, nos finais do século XIX, se iniciou a estruturação de um conjunto de disciplinas novas, de âmbito diverso, as Ciências Humanas – estudo do homem em situação que escapa nitidamente à aplicação do método cientifico tradicional – todo um esforço foi feito para o seu enquadramento forçado no sistema positivista.
Inúmeras teorias foram sendo elaboradas tentando estabelecer leis imutáveis que regessem todos os aspectos da actividade humana e se fundamentaram, em última análise, nas leis físico-químicas da matéria.
Assim, surgiram os grandes sistemas que na Antropologia, na Sociologia, na História, na Psicologia, procuraram justificar os mitos que o oitocentismo criara. O comportamento humano seria governado por leis que simplesmente reflectiam um salto quantitativo e qualitativo em relação às leis gerais que regiam o comportamento da matéria nas suas expressões mais simples.
Podemos reconhecer pois que o labor de um Marx, de um Freud ou de um Levy Strauss, mais não são do que etapas sucessivas na criação de uma teoria geral explicativa do comportamento humano superior, através da descoberta de um principio unificador que estivesse na base do comportamento e, em última análise, tivesse uma ligação directa com as leis dos sistemas materiais inertes. Contudo, apesar de todo o esforço empreendido, nenhum dos notáveis autores ou seus discípulos conseguiu alguma vez estabelecer o «elo perdido» que ligasse as construções ideológicas que realizaram às leis fundamentais da matéria.
Os ideólogos do Iluminismo marxista ou liberal socorreram-se de algumas descobertas «científicas» do século XIX para fundamentar uma concepção do mundo antropocêntrica, em que o Homem «naturalmente bom» não se encontra vinculado a valores de qualquer ordem e cujo comportamento é susceptível de ser determinado por uma estrutura que, à partida, lhe seria estranha – a sociedade. A partir desta base teórica foram sendo desenvolvidas explicações globalizantes para as diversas situações que se ofereciam à observação. A psicanálise, o Behaviorismo e o Lysenkismo são apenas algumas das mais popularizadas.
Contudo, certas correntes do pensamento, não partilhando a concepção materialista do mundo que é própria do Iluminismo, reconheceram a existência de várias formas e graus de abordagem da realidade. Sem pôr em causa a Filosofia como fundamentação última de uma visão do mundo atribuíram à Ciência um importante papel no estudo e esclarecimento de certos aspectos parcelares da realidade. Desta forma, com o concurso do método científico, rectificado no seu rigor e seriedade, têm vindo a proceder a uma revisão profunda das premissas da mitologia pseudo-científica oitocentista. Está em curso uma autêntica «revolução silenciosa» em todos os domínios do conhecimento.
O caso Freeman-Mead mais não é do que o reflexo deste confronto no domínio da Antropologia.
Margaret Mead, durante muitos anos fez escola e ditou leis, na linha de Boas e de Ruth Benedict, com a sua «descoberta» da sociedade samoana, sem repressão e autêntico viveiro de «bons selvagens», mas que não resiste à análise rigorosa realizada por Derek Freeman, feita «in loco».
O trabalho de Freeman, amplamente documentado na sua obra (*) demonstrou até que ponto a falsificação dos dados observados é um dos pilares mais importantes da ideologia utopista e pseudo-científica que ainda vigora e contribuiu decisivamente para a queda de um dos grandes embustes na Antropologia contemporânea.
(*) «Margaret Mead and Samoa – The Making and Unmaking of an Anthropological Mith»
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