<$BlogRSDURL$>

sábado, setembro 27, 2008

Sobre o Partido Comunista 

(um artigo de Nuno Rogeiro)

A derrocada da URSS foi uma morte miserável, sem carpideiras nem parentes, sem autores nem vítimas. A experiência soviética da Rússia faleceu como um peso incómodo, com a família a varrer os restos para debaixo da cama: o que lá vai, lá vai.
Logo a seguir à dissolução de 1991, escrevi (na altura, nas páginas do semanário "O Diabo", que não era propriamente o "Avante") uma espécie de declaração solene sobre o PCP, que me valeu muita polémica, estados de alma e correio de ódio.
Aí dizia, simplesmente, que, sem imperialismo soviético, encerrava as minhas hostilidades com o PC, e passava a considerá-lo como um partido nacional pleno, e os comunistas portugueses como uma facção ideológica importante (senão mesmo indispensável) do processo político doméstico.
Claro que o PCP, com a sua história, a sua militância, os seus mortos e os seus mitos, não precisava das minhas declarações de paz ou armistício.
Mas eu ia mais longe. Adiantava que, para um "nacionalista revolucionário" como eu, o comunismo nacional era um parceiro natural de debate, e, em muitos aspectos, um aliado, ou até uma parte da mesma proposta.
Separavam-nos, claro, as memórias diferentes, as barricadas opostas, os mortos e os símbolos, as palavras e as explicações, as posições sobre o valor da liberdade e dos direitos políticos, e muitos elementos da visão do mundo.
Mas uniam-nos as preocupações acerca da exploração do trabalho, do lucro ilegítimo, do enriquecimento sem causa, dos direitos dos trabalhadores, do papel social do estado.
Muitos intelectuais comunistas, libertados também com a queda do império romeno (e dos outros, a partir daí), sempre me confidenciaram que a URSS nunca foi o seu centro de atenção, e que, se pudessem, na altura certa, teriam denunciado todos os crimes da mesma.
Por outro lado, o PCP possui também muitas pessoas que me interessam, nas suas estruturas pensantes (da defesa nacional à economia, do ecossistema ao desporto, do urbanismo aos impostos, da família à música) e nos seus circuitos locais. Não sou comunista, fui sempre um militante anti-soviético (perdendo, ou ganhando, grande parte da minha juventude nessa guerra), mas não sou anti-comunista, nem olho o partido como uma espécie de radicalismo tolerável.
Achei, por exemplo, inteligente que Manuela Ferreira Leite recebesse a CGTP, que possui muitos laços com o PC. Entendo que, apesar dos naturais distanciamentos de António Borges (que não tinham de ser acentuados, porque não é suspeito de trabalhismo agudo), o reconhecimento do sofrimento popular, pelo PSD, é uma parte essencial da sua oposição.
Acho ainda que, num lugar como a Câmara de Lisboa, o PSD e o PC, para citar só dois partidos aparentemente "inimigos", podiam encontrar candidatos comuns, de Ruben de Carvalho a Fernando Seara, de Leonor Beleza a Zita Seabra, de Marques Guedes a Proença de Carvalho, e muitos outros profissionais, partidários ou independentes.
Dito tudo isto, entristece-me verificar o ensaio sobre a cegueira que são as teses - para já, contributos para teses - do XVIII Congresso do PCP, sobre o fim da URSS. Denunciar os que a traíram e desmontaram, sem denunciar o facto de a própria URSS ter sido, antes, durante e depois de Estaline, uma traição aos ideais comunistas e à humanidade, e um crime continuado contra os povos, deixa-me frustrado.
O PCP tem de ter a coragem, e a inteligência, de ser mais do que a caricatura que os seus inimigos fazem de si.
Senão, será ele mesmo o seu pior inimigo.

1 Comentários
Comments:
Como eles mudam.
É fantástico.

(ah, o texto não era por causa disso, sorry)
 
Enviar um comentário
Divulgue o seu blog! Blog search directory

This page is powered by Blogger. Isn't yours?