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sábado, novembro 29, 2008

Fascismo e cultura no antigo regime 

(este é um artigo de Eduardo Lourenço, publicado originalmente na Análise Social. Publicamo-lo aqui pelo interesse da temática e dos pontos de vista trazidos a debate).

Não foi por acaso que uma leitura «realista» do antigo regime se revelou sempre — para os seus inimigos, mas também para os seus fiéis — uma empresa difícil, se não impossível. Essa leitura impossível, ou, o que resulta idêntico, inadequada, ajusta-se como uma luva à essência de um regime que nunca se etiquetou senão com rótulos arbitrários ou incolores, uns e outros ao serviço da sua vontade de se mascarar. Autodesignações como Revolução Nacional ou Estado Novo cumpriram bem essa dupla função de máscara. Onde estava (está) a realidade?
Na caracterização do regime fascista que lhe será atribuída pela franja mais decidida dos seus opositores? A rede não é totalmente inadequada, mas as malhas são muito largas. O ideólogo principal do regime e, após ele, os principais responsáveis nunca aceitaram ou reivindicaram esse baptismo. Melhor: rejeitaram-no no momento preciso em que o novo regime tomou a forma que
conservará durante mais de trinta anos. Não há muito, João Medina evocou a peripécia histórica do nosso autêntico fascismo, o da tentativa efémera de Rolão Preto. Do fascismo guardará o Estado Novo a temática antiparlamentarista clássica, a realidade do partido único consideravelmente moderada, a inspiração corporativa nos planos económico e social, igualmente modulada e despida das conotações mais socializantes do seu modelo histórico. Todavia, o que caracterizará o novo regime, além dessa genérica remodelação e moderação do ideário fascista italiano, é, como se sabe, a sua inscrição no âmbito de referências éticas e religiosas que nada têm que ver com a ideologia agnóstica de Mussolini e muito menos com o neopaganismo racista de Adolfo Hitler. A grande e única habilidade de Salazar foi a de articular o seu projecto político com a mais orgânica e tradicional das nossas vivências culturais: a do catolicismo. No seu pensamento
expresso — e porventura sincero—, era esse o modo de servir a visão do mundo e dos valores a que pessoalmente estava vinculado. Na realidade, esse vínculo orgânico constituía o apoio indispensável para levar a cabo o seu projecto político e social de conciliação, ou, antes, de colaboração forçada entre o patronato e as classes trabalhadoras. Enquanto o entendimento, tácito ou explícito, entre o Estado Novo e a Igreja funcionou a contento de ambos, Salazar e o seu regime não precisaram de cultivar uma ideologia e uma cultura de recorte inequivocamente fascistas. É por isso que, na sua face cultural, a produção mais representativa do antigo regime não apresenta, se não por excepção, um carácter fascista. Os seus grandes momentos simbólicos (Exposição Colonial, Comemorações de 1940, Centenário de Garrett, Comemorações Henriquinas), tanto como as obras universitárias ou académicas mais sintonizadas com o espírito do Estado Novo, relevam do bem clássico nacional tradicionalismo de inspiração católica, mais ou menos integrista. O caso de um Alfredo Pimenta, monárquico e admirador convicto do fascismo, é excepcional na atmosfera cultural do antigo regime. E mesmo tão polémico autor nunca deixou de se cobrir com a referência ritual à ortodoxia católica.
Paradoxalmente — ao menos na aparência —, uma clara, entusiástica e jovem ressurgência do ideário fascista ocorrerá na fase final do antigo regime e esse fenómeno merece, a vários títulos, a nossa atenção. Tudo se passa como se, no pressentimento do fim, o nunca explicitado lastro da ideologia e da prática efectivas do regime viesse finalmente à superfície. Não é a primeira vez que o ideário fascista serve de referência e de modelo à ala militante da extrema-direita do regime. Em termos meramente políticos ou superficialmente ideológicos, essas referências estão presentes ao longo de todo o percurso do Estado Novo, e em particular a partir de 1936. Mas o que é novo nesta última e mais orgânica ressurgência do fascismo é, ao mesmo tempo que o seu aparente anacronismo, a sua qualidade propriamente cultural. Em todos os momentos de crise, o antigo regime pôde contar com o apoio militante de uma extrema-direita fascista, polemicamente primária, grosseira, que certas publicações como Agora e outras «ilustraram». Mas a simples decência e uma certa e insólita má consciência cultural do antigo regime, uma vez passada a «crise», chegavam para desanimar essa expressão extremista, onde, no fundo, o seu ideário oficial «apolítico» não gostava de se reconhecer. Após o sobressalto de 1958 — campanha Delgado— e a primeira grande brecha aberta no sistema pela cisão provocada na sua tradicional base de apoio católica, a racionalização do regime traduzir-se-á, nos planos cultural, ideológico e militante, pelo aparecimento dos estigmas fascistas, até então mais ou menos recalcados. As dificuldades posteriores em matéria de política colonial só viriam a acentuar essa fascistização tardia. É nesse contexto que se situam quer o texto fascista sem ambiguidade representado pela revista Tempo Presente, quer o texto integralista-fascista da revista Resistência. Dos dois, o único com autêntica qualidade cultural — o que não quer dizer de maior impacte militante — é o texto do Tempo Presente. Por ele começaremos.
Se fosse necessário sublinhar a complexidade e, por vezes, a impossibilidade de situar com um mínimo de clareza e coerência o que foram durante quase meio século as autênticas —repetimos, as autênticcas— relações dos intelectuais portugueses de todos os quadrantes e o poder, enquanto horizonte e referente da cultura e da ideologia, o caso de Tempo Presente seria quase exemplar.
Assim, no seu aspecto ideológico confessado e nas referências culturais que a caucionaram —de Robert Brasillach a Montherlant, de Wyndham Lewis a Gottfried Benn, de Salazar a Alfredo Pimenta —, a apologia de uma nova ordem, herdeira e renovadora do fascismo (e mesmo do nazismo) é a característica imediata dessa revista, aparecida em 1959 e desaparecida dois anos depois. Mas, na mais complexa ordem cultural, a sua realidade não corresponde exactamente às opções militantes dos seus principais responsáveis: o poeta Fernando Guedes, seu director, e António José de Brito, António M. Couto Viana, Caetano de Melo Beirão e Goulart Nogueira, seus redactores. Embora possa surpreender, colaboraram em Tempo Presente um certo número de escritores, mais ou menos apolíticos ou distraídos, a quem tão reiteradas apologias fascistas passavam, sem dúvida, despercebidas. Esta forma de «inocência» ideológica, que nalguns seria acompanhada, porventura, da vontade deliberada de se desejarem alheios ou imunes a toda e qualquer promiscuidade, faz também parte integrante da nossa existência cultural durante o antigo regime. Ignorá-la é vão e pernicioso. A um ou a outro destes títulos: inocência, distracção, gosto da provocação, colaboraram na revista poetas, romancistas, críticos ou ensaístas que nem então, nem hoje, se podiam ou podem considerar associados ao ideário fascista.
A sua presença assegurou, sem dúvida, a Tempo Presente um bom nível cultural, embora não tenha sido ela que lhe deu o tom único que é o seu. Esse é representado, no plano ideológico, sobretudo por António José de Brito e Goulart Nogueira —mais discretamente por Fernando Guedes— e, no plano cultural (crítico e estético), pelos mesmos, mas sobretudo por Amândio César, Eduíno de Jesus, Manuel Vieira, Carlos Soveral e, ocasionalmente, António Quadros. Interessante é notar que não há — ou só muito de leve — uma correlação evidente entre o teor dessa colaboração — alguma excelente, em particular no domínio estético — e a ideologia fascista ou fascistizante que alguns desses ensaístas, como, por exemplo, Amândio César, partilham. Nem neste caso, raro, de confessada e assumida opção cultural fascista se pode aqui revelar uma coerência discursiva e crítica comparável, por exemplo, àquela que pôde exteriorizar-se durante décadas numa revista de esquerda como Vértice.
A razão é talvez simples: Tempo Presente não se desejou — e, em todo o caso, não foi — uma revista de doutrinação ou endoutrinamento sistemático de ordem teórica. O fascismo, que lhe serve de ideal (melhor seria dizer de mito), não tinha de ser reformulado em 1959-60, tinha, quando muito, em Portugal, de ser lembrado como exemplo para uma geração, no fundo, desiludida e mesmo apavorada com a falta de tónus, de convicção, do próprio regime (com exclusão do seu chefe), cuja mediocridade cultural lhes causa repulsa. Embora fosse porta-voz de uma geração na casa dos 30 anos (Fernando Guedes nasceu em 1928, Goulart Nogueira em 1927), Tempo Presente é menos a expressão de um «activismo» cultural feliz, sintonizado com a ideologia oficial triunfante, do que a expressão, extremamente minoritária, de um combate de retaguarda, nostálgico, de antemão perdido. Goulart Nogueira, o ideólogo lírico da revista, descreve a luta contra o mundo que o cerca como luta contra uma sociedade «suicida, perversa e comodista». O seu fantasma é «a nojenta mornosidade da burguesia prudente e gozadora». Para ele, só um escol, uma minoria estóica, com a vocação do heroísmo (e do martírio), pode regenerar uma massa acolhedora dos «nossos inimigos de hoje», que designa como sendo «a maioria democrática e materialista e burguesa». Se o fascismo se limitasse às nebulosas diatribes do poeta-cruzado Goulart Nogueira, às suas estereotipadas amálgamas de «comunismo» e «plutocracia», velhos fantasmas da velha nova ordem, a revista não mereceria, nem a título póstumo, ser tirada do anonimato e da insignificância que representou aos olhos dos próprios defensores da autêntica ideologia oficial. O seu interesse é outro. Mas não deixa de ser significativo o facto mesmo de esta ressurgência dos ideais fascistas, esta denúncia do marasmo vital e ideológico do regime, valer aos seus autores o epíteto de «energúmenos». A crítica de direita (no âmbito do regime) escandaliza tanto como a subversiva ou contestatária, de esquerda, e às vezes mais. De facto, o retrato de um Estado Novo crepuscular não é brilhante, segundo Tempo Presente:
"Jornais para elogiar, como blandícia; publicações raras e com umas prudentes generalidades ideológicas; milícias sem consciência, nem fé, nem garbo, envergonhadas da sua pouca importância e do seu pouco activismo; pessoas qúe percorrem lugares e se entrecruzam numa rede de interesses a defender; ausência de crítica fundamentada numa sólida fé e ortodoxia ideológicas; preocupações e recomendações de «Não faças ondas! Não faças ondas!» —é isto o sinal de uma doutrinação? Que tristeza!"
As páginas de Tempo Presente estão cheias destes ecos derrotistas, de constatações desabusadas, de pânico diante dos perigos que, segundo os seus mentores, ameaçam a unidade da Pátria e a sua coesão ideológica. Fernando Guedes, antigo filiado na Mocidade Portuguesa, permite-se exalar a sua pessoal desilusão em termos que, sob outra pluma, seriam subversivos e burlescos:
"Quem acredita na Mocidade Portuguesa? Nesses rapazes mal fardados, casacos vestidos sobre uma envergonhada camisa verde, meias que nunca foram as da farda, sapatos de qualquer cor, que de vez em quando, e em tardes de sábado somente, vemos passar na rua?"
Para o director da revista é necessário que essa triste falange se torne «nacionalista, imperial, paramilitar, una, com a indispensável mística - sem a qual toda a acção humana é vã - impulsionada por um pensamento activo». Tudo isto, o autor suspeita-o, são votos mais ou menos pios. O único verdadeiro ideólogo da revista, aquele que, ao longo dos seus vários números, com mais talento e ênfase se reclama do ideal e da mitologia cultural fascista (mesmo sob a forma nazi) — António José de Brito —, também não tem muitas ilusões acerca da consistência do Estado Novo: «Tudo repousa sobre um homem» - o que ele acharia bem noutras circunstâncias —, mas esse homem, escreve, «não tem sucessor (nem de direito nem de facto)». E continua: "É essa a tragédia da situação. A Autoridade, hoje em dia, é um homem. E irá cair-se, amanhã, na anarquia das urnas? Ou estaremos condenados a que desponte da balbúrdia dos golpes de Estado um hipotético novo Salazar?... Este o grande problema, que só tem solução se for ainda tempo de o actual Poder se transformar, pacificamente, num Poder verdadeiramente uno e contínuo, capaz de assegurar o futuro."
É esta ideia de um poder uno e unificador, capaz de exprimir a sociedade como realidade orgânica, solidária, que constitui para os ideólogos de Tempo Presente o ideal fascista que se propõem idealizar. O mal absoluto, o fantasma mais presente no seu discurso, não é o comunismo, referido sempre com um misto de horror e fascínio, mas o que chamam, segundo cliché costumado, o demo-liberalismo, o regime parlamentar de fórmula e conteúdo burgueses.
Goulart Nogueira, Fernando Guedes e, sobretudo, António José de Brito, futuro autor de reflexão filosófica e ideológica com interesse inegável, não ignoram que o fascismo é, em 1960 e há muito, um vencido. Razão suplementar para provocante e romanticamente o proporem, exaltando aqueles que no plano político e cultural melhor o encarnaram. É no número consagrado a Robert
Brasillach, fuzilado por colaboração com o nazismo em 1945, que esse fascínio e nostalgia melhor se exprimem, reiterando, a vinte e cinco anos de distância, a exaltação, já então nostálgica, do autor de Comme le Temps Passe. Tempo Presente retoma à sua conta o texto de Brasillach escrito na prisão de Fresnes:
"Desde há muito que nós considerávamos o fascismo como uma poesia, a própria poesia do século xx(com o comunismo, sem dúvida)... Ele continua sendo a mais exaltante verdade do século xx, aquela que lhe emprestará a cor [...] Um campo de juventude na noite, a impressão de constituir um todo com a nação inteira, a inscrição nas fileiras de heróis e santos do passado, uma festa totalitária, eis elementos da poesia fascista, eis o que terá feito a loucura e a sabedoria do nosso tempo, eis o que, tenho a certeza, a juventude, dentro de vinte anos, esquecendo taras e erros, há-de olhar com profunda sedução e incurável nostalgia."
Em sintonia com este texto, todo o número é um festival de cultura fascista autêntica, como não será fácil encontrar segundo, nessa época e antes: artigo de Amândio César sobre Brasillach romancista — aliás, bem informado e não injusto, pois Brasillach foi um admirável romancista—, artigo de Manuel Vieira intitulado «Intelectualismo e barbárie», assimilados um à outra sob as cauções de Goebbels e Gottfried Benn, o mais célebre dos poetas de inspiração nazi; outro, enfim, de António José de Brito sobre Ernst Krieck, nas suas palavras, um dos pensadores alemães mais representativos do nacional-socialismo, filósofo da raça e do Estado. As suas teses, segundo o redactor de Tempo Presente, revestem-se de enorme interesse para a perfeita compreensão do que ele invoca como «a potente, nobre e heróica realidade do que foi o III Reich alemão». Pertence ainda ao mesmo António José de Brito a invocação entusiástica do destino de Brasillach como destino exemplar fascista, que ele e os seus amigos desejariam continuar:
"[...] foi para nós o fascismo, como o foi para Brasillach, o encontro supremo, a revelação inesquecível da nossa juventude, [...] vencedor ou vencido era sempre o mesmo fascismo, com o seu ethos de camaradagem viril, o seu gosto da grandeza, o seu desdém dos valores burgueses, a sua apologia da coragem e da disciplina, o seu alto idealismo, a sua exaltação do que é sóbrio, sadio, nobre, a sua aspiração à unidade, à totalidade, ao universal."
Como entre portugueses as convicções são raras, estas e similares confissões de fé têm dois méritos: o da frontalidade e da coerência especificamente fascistas no interior de um regime que se viveu sempre como fascismo envergonhado.
Hegeliano de direita, em versão Gentile, António José de Brito, para melhor exaltar este «alto idealismo» que atribui ao fascismo, não hesitará, alguns anos mais tarde, em sustentar que os horrores e os crimes que o nazismo perpetrou (campos de morte, câmaras de gás) foram uma fábula. Não será o único Faurisson precoce entre nós. Mas raro a revista se envolve em polémica histórica e ideológica acerca da realidade fascista e nazi. Nos seus corifeus mais representativos, o tema de predilecção é esse da camaradagem viril e do ideal de fusão colectiva ao serviço da tradição e da raça. É a maneira de se oporem ao que eles consideram como a tradição anarquizante do individualismo e da democracia liberal, cuja lógica e bem paradoxal consequência seria — sempre segundo eles — o comunismo.
Importa menos a fragilidade ideológica da maioria destes textos que a sua paixão, de tonalidade marcadamente infeliz. Com estas referências culturais e históricas, esta apologia do fascismo só podia ser tida como comprometedora ou folclórica pelos ideólogos e subideólogos do autêntico salazarismo. Subsidiariamente, este fascismo incandescente e ultraminoritário prova que, mesmo sem ironias ou sarcasmo, a ideia de que o fascismo nunca existiu, como expressão adequada ao que o antigo regime foi, merece ser tomada a sério para a sério se perceber o que foi, na verdade, o salazarismo. Daí, sem dúvida, a oscilação nos mentores de Tempo Presente entre uma aparência de arrogância e provocação e a consciência de que pregam no deserto. Embora na defensiva, o regime tem outras referências culturais mais sólidas por mais banais, e outras formas de defesa de um outro extremismo que irão encontrar, depois de 1961 e das nossas sérias dificuldades em África, a sua fórmula militante mais incisiva na revista Resistência. Foi o último baluarte do regime e o facto de não só ter continuado a sobreviver-lhe, mas também haver melhorado de aspecto, prova que o antigo regime está ideologicamente vivo. Aí nada de nostalgias, nem assimilações ideológicas provocadoras com fascismos e nazismos. De inspiração integrista e ultranacionalista, o seu alvo de predilecção é menos um comunismo mítico e longínquo — embora pano de fundo permanente — que o progressismo caseiro, em particular o que começa a manifestar-se com relevo e intensidade nos meios culturais católicos, até então solidários do regime. Esses alvos de predilecção serão, entre outros, o bispo do Porto ou certos bispos das nossas colónias, no plano religioso, e Sá Carneiro e o Expresso de então, no plano político e ideológico.
Sob o plano de qualidade não se pode comparar Tempo Presente e Resistência.
Esta última não é um órgão cultural de poetas e intelectuais exaltados por uma mitologia «retro». É uma revista-cruzada, destinada a mobilizar a autêntica e sólida direita portuguesa para os combates de fim de reino e acaso de regime, que se adivinham perto. No seu n.°59, de Maio de 1973, ao defender-se da assimilação absurda com qualquer forma de «progressismo» católico, os seus responsáveis reivindicam apenas «o direito de ser animadores da doutrina social da Igreja... nas suas aplicações à ordem temporal». Sem complexos, a si mesmos se definem como «élite» social que são. Humildemente, apresentam-se, todavia, apenas como um gabinete de consultores técnicos em matéria de trabalho cívico, acção importante, confessam, para a colocação dos mil mais aptos em postos-chave da realidade portuguesa. Entre o seu escol, ao mesmo tempo social
e doutrinário, lá se encontram vários nomes que são hoje expoentes da nova direita e afins, entre outros os de Jaime Nogueira Pinto e José Miguel Júdice.
Sem carácter literário ou mesmo cultural digno desse nome, Resistência é uma máquina de combate doutrinal. Apresenta-se como defensora do «depósito da Fé», entendido no seu sentido mais integrista, como a reexposição das conhecidas teses ultramontanistas e ataque cerrado ao que considera «desvios», inclusivamente os da hierarquia, como no caso da pastoral colectiva de 1973. Antiliberal, antidemocrática, anticomunista, inscreve-se num contexto conhecido de contra-revolução, de que são exemplo, em França, Permanences ou Ordre Nouveau. Da doutrinação ao activismo puro não vai senão um passo, com a sua ligação orgânica ao movimento Vector, considerável ainda nas vésperas do 25 de Abril. Num e noutro encontramos a fina flor da direita e da extrema-direita portuguesas,do passado, do presente e, sem dúvida, do futuro. A simples menção dos seus colaboradores mostra como esse passado próximo sobrevive bem no nosso presente. É o nosso presente sob uma das suas faces. E sob ele um passado que é melhor tentar compreender naquilo que foi e pretendeu, do que sofrer-lhe passivamente o fascínio ou a ressurgida prepotência.

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