sexta-feira, agosto 06, 2010
COMEMORAÇÃO DE ALJUBARROTA
«Em 14 de Agosto de 1385 — há portanto 550 anos — foi travada entre portugueses e castelhanos a batalha de Aljubarrota, não muito longe do sítio onde hoje se admiram a igreja e convento da Batalha, erguidos em comemoração da vitória. A desproporção das forças em presença — 7.000 portugueses para mais de 30.000 inimigos — o fulminante da vitória, as pesadíssimas perdas infligidas aos castelhanos, a fuga do rei de Castela, a maneira como foi conduzida a batalha sob o aspecto puramente militar por esse extraordinário generalíssimo, e assombroso de misticismo religioso e de génio guerreiro, que se chamou D. Nuno Álvares Pereira, fazem de Aljubarrota o ponto central da longa guerra havida com Castela e a vitória mais representativa do esforço de nossos avós pela independência de Portugal. Esta é a primeira e grande liberdade por que se bateram então.
A crise de pensamento e de consciência que na passagem da primeira para a segunda dinastia atormentou os portugueses, os perigos que afrontaram, as fomes e pestes que sofreram, as lutas em que se empenharam só para manter o direito de não serem governados por outros e vincar a aspiração de continuar o seu rumo histórico sem sujeição a rei estrangeiro, gravaram para sempre Aljubarrota no espírito da Nação e fizeram desta data a verdadeira festa da independência.
Passaram sobre o acontecimento alguns séculos que não foram sempre de paz e concórdia na península.
Novas dificuldades de sucessão no trono português trouxeram o domínio dos Filipes e contra ele as longas guerras da restauração. Sobre estas mesmas também já passaram séculos. Era ridículo ter alimentado nos corações os rancores nascidos nas batalhas: por isso Aljubarrota, Atoleiros, Valverde, como três séculos mais tarde Montijo, Ameixial, as linhas de Elvas, Montes Claros são vitórias mas não já gritos de ódio, não são hoje contra ninguém, são para nós mesmos.
E parece que assim mesmo deveria ser.
Podemos orgulhar-nos de sermos na Europa o único país cujas fronteiras se podem dizer imutáveis desde há séculos; é, de facto, curioso! Uma vez talhada pelos primeiros reis na faixa atlântica, nem mesmo se notou nunca a preocupação de alargar na península as fronteiras da Pátria. Ia noutra direcção a força expansiva da raça, o seu génio descobridor e de colonização: pelo Atlântico, pelo Índico se expandiu o povo português, descobriu as terras e os mares, abriu aos outros povos novos mundos, levando e deixando por toda a parte o traço característico da sua dominação — o humanitarismo da sua alma latina, o apostolado da sua civilização cristã.
Por outro lado, a Espanha seguiu também o seu curso, ora paralelo ora concorrente, ergueu a sua história ao nível dos grandes heroísmos e façanhas, fez na América Central e do Sul, afora o Brasil, poderosas nações, filhas do seu sangue e do seu catolicismo. Não precisara de nós e só contra nós não pudera nunca ter razão.
Estamos em face de um imperativo histórico, contra o qual têm lutado debalde os derrotistas, os acomodatícios, os filósofos d`aquém e d`além fronteiras. Estes têm o direito de, raciocinando sobre abstracções, classificar de erro o que os séculos impuseram e a nossa vontade inabalável se sente obrigada a manter.
Como sempre esta vontade não é nem tem de ser a de todos ou cada um dos portugueses, mas a que se desentranha da massa da Nação. Antes e depois de Aljubarrota havia portugueses partidários do rei de Castela, e o próprio D. Nuno Álvares Pereira sentiria alanceado o coração de saber irmãos seus lutando pelo rei estrangeiro.
Em 1580, em 1640, também nos dividimos: membros do clero e da nobreza foram vítimas da dificuldade de ver claro em certos transes históricos, sobretudo se interesses elevados de qualquer ordem começam pesando na balança dos juízos, e a empecer as deliberações a que trazem em seu seio riscos da vida e da fortuna.
Mas os que, tendo à frente Álvaro Pais, quiseram que D.João, Mestre de Aviz, fosse proclamado «regedor e defensor do reino»; os que seguiram D. António, Prior do Crato; os que apoiaram e fizeram valer o grito dos fidalgos conspiradores da independência, em 1640, tiraram do seu mesmo desinteresse aquela clara visão do imperativo nacional que irresistivelmente os levou a esquecer a desproporção das forças e dos meios, os perigos da aventura e os benefícios que puderam usufruir de outras soluções.
Não há dúvida de que homens de escol nas letras, na política, nas armas o guiaram para as resoluções e vitórias definitivas, mas é preciso crer, em face de tais exemplos, que o povo é, pela simplicidade da sua alma e espontaneidade dos seus sentimentos, a fonte sempre viva do nosso nacionalismo.
Que importa que no presente momento histórico não seja igualmente vista por muitos a necessidade e grandeza da obra nacionalizadora em marcha, se o povo tem a intuição duma época decisiva da nossa vida e de que por este caminho se retoma o velho rumo da história pátria!?
Eis porque se pensou que a festa de hoje deveria ter o cunho de festa popular.
Festa popular e festa de mocidade. Nuno Álvares tinha vinte e três anos quando da revolução em Lisboa, e 25 em Aljubarrota; D. João I, 25 ao ser proclamado defensor do reino e 27 na segunda daquelas datas. O estado maior do Condestável eram rapazes de pouca idade, com o espírito aventuroso e irrequieto dos jovens, insofridos nas pelejas, mas obedecendo cegamente ao chefe. Com estes se fez a campanha e se assegurou a independência de Portugal.
Hoje como então se exige espírito novo para fazer a revolução nacional. O espírito novo é mais fácil encontrá-lo em novos que em velhos, ainda que haja velhos com mocidade de espírito e moços gastos por interesses e preocupações que não costumam ser da sua idade. É, porém, essencial que o espírito da mocidade seja por nós formado no sentido da vocação histórica de Portugal, com os exemplos de que é fecunda a História, exemplos de sacrifício, patriotismo, desinteresse, abnegação, valentia, sentimento da dignidade própria, respeito absoluto pela alheia.
Facto cheio de ensinamentos é o comemorado hoje: homens que sirvam de exemplo para a nossa formação esses que, à volta de D. João I e do Condestável, batalharam e serviram e foram de tamanha estatura que futuros séculos de maravilha não lhes tocaram nem os puderam diminuir. Sobretudo esse Condestável D. Nuno, depois Frei Nuno de Santa Maria, guerreiro e monge, chefe de exércitos e edificador de conventos, vencedor de castelhanos e distribuindo em maus anos seus bens pelos mesmos que derrotara em batalhas para que não mandassem na sua terra, erguendo sua valentia no altar da Pátria como a Igreja o havia de erguer pelas suas virtudes nos altares da fé, cheio de honras e riquezas e enterrado em vida no Convento do Carmo, na dura estamenha de frade, quando depois de Ceuta lhe pareceu já não ser necessária a espada para defesa da Pátria, mas disposto de novo a vestir as armas se el-Rei de Castela mais alguma vez se tentasse a invadir Portugal.
Por estes motivos os sítios de Aljubarrota e a Batalha devem ser os lugares de entre os eleitos para as grandes peregrinações patrióticas, e eu quisera que no próximo ano ali acorressem, de todos os cantos de Portugal, milhares, centos de milhares de portugueses de hoje, sobretudo a juventude, para vivificar e robustecer ao calor dum passado heróico a sua devoção patriótica. E, visitados os campos da luta, entrariam, devotadamente, na igreja do Convento da Batalha que, ao contrário da do Escurial de Filipe II, lúgubre e apropriada para as exéquias dum grande rei, é clara e triunfal, como se não fosse feita para a oração de todos os dias mas apenas para o solene Te Deum das grandes e magníficas vitórias.
Nunca passo ali, mesmo apertado pela estreiteza do tempo, que não me sinta obrigado a parar, a entrar e pisando a campa rasa do Rei de boa memória e parece ainda guardá-lo na morte, penetrar comovido na capela do Fundador. Aí se encontram os restos mortais de D. João I e da rainha D. Filipa de Lencastre, e à roda a «ínclita geração de altos infantes»; ali repousam os que consolidaram a independência de Portugal, se assentaram as bases da sua grandeza futura.
14 VIII 1935.
Oliveira Salazar»
(In A Voz, n.º 3048, págs. 1/8, 15.08.1935)
A crise de pensamento e de consciência que na passagem da primeira para a segunda dinastia atormentou os portugueses, os perigos que afrontaram, as fomes e pestes que sofreram, as lutas em que se empenharam só para manter o direito de não serem governados por outros e vincar a aspiração de continuar o seu rumo histórico sem sujeição a rei estrangeiro, gravaram para sempre Aljubarrota no espírito da Nação e fizeram desta data a verdadeira festa da independência.
Passaram sobre o acontecimento alguns séculos que não foram sempre de paz e concórdia na península.
Novas dificuldades de sucessão no trono português trouxeram o domínio dos Filipes e contra ele as longas guerras da restauração. Sobre estas mesmas também já passaram séculos. Era ridículo ter alimentado nos corações os rancores nascidos nas batalhas: por isso Aljubarrota, Atoleiros, Valverde, como três séculos mais tarde Montijo, Ameixial, as linhas de Elvas, Montes Claros são vitórias mas não já gritos de ódio, não são hoje contra ninguém, são para nós mesmos.
E parece que assim mesmo deveria ser.
Podemos orgulhar-nos de sermos na Europa o único país cujas fronteiras se podem dizer imutáveis desde há séculos; é, de facto, curioso! Uma vez talhada pelos primeiros reis na faixa atlântica, nem mesmo se notou nunca a preocupação de alargar na península as fronteiras da Pátria. Ia noutra direcção a força expansiva da raça, o seu génio descobridor e de colonização: pelo Atlântico, pelo Índico se expandiu o povo português, descobriu as terras e os mares, abriu aos outros povos novos mundos, levando e deixando por toda a parte o traço característico da sua dominação — o humanitarismo da sua alma latina, o apostolado da sua civilização cristã.
Por outro lado, a Espanha seguiu também o seu curso, ora paralelo ora concorrente, ergueu a sua história ao nível dos grandes heroísmos e façanhas, fez na América Central e do Sul, afora o Brasil, poderosas nações, filhas do seu sangue e do seu catolicismo. Não precisara de nós e só contra nós não pudera nunca ter razão.
Estamos em face de um imperativo histórico, contra o qual têm lutado debalde os derrotistas, os acomodatícios, os filósofos d`aquém e d`além fronteiras. Estes têm o direito de, raciocinando sobre abstracções, classificar de erro o que os séculos impuseram e a nossa vontade inabalável se sente obrigada a manter.
Como sempre esta vontade não é nem tem de ser a de todos ou cada um dos portugueses, mas a que se desentranha da massa da Nação. Antes e depois de Aljubarrota havia portugueses partidários do rei de Castela, e o próprio D. Nuno Álvares Pereira sentiria alanceado o coração de saber irmãos seus lutando pelo rei estrangeiro.
Em 1580, em 1640, também nos dividimos: membros do clero e da nobreza foram vítimas da dificuldade de ver claro em certos transes históricos, sobretudo se interesses elevados de qualquer ordem começam pesando na balança dos juízos, e a empecer as deliberações a que trazem em seu seio riscos da vida e da fortuna.
Mas os que, tendo à frente Álvaro Pais, quiseram que D.João, Mestre de Aviz, fosse proclamado «regedor e defensor do reino»; os que seguiram D. António, Prior do Crato; os que apoiaram e fizeram valer o grito dos fidalgos conspiradores da independência, em 1640, tiraram do seu mesmo desinteresse aquela clara visão do imperativo nacional que irresistivelmente os levou a esquecer a desproporção das forças e dos meios, os perigos da aventura e os benefícios que puderam usufruir de outras soluções.
Não há dúvida de que homens de escol nas letras, na política, nas armas o guiaram para as resoluções e vitórias definitivas, mas é preciso crer, em face de tais exemplos, que o povo é, pela simplicidade da sua alma e espontaneidade dos seus sentimentos, a fonte sempre viva do nosso nacionalismo.
Que importa que no presente momento histórico não seja igualmente vista por muitos a necessidade e grandeza da obra nacionalizadora em marcha, se o povo tem a intuição duma época decisiva da nossa vida e de que por este caminho se retoma o velho rumo da história pátria!?
Eis porque se pensou que a festa de hoje deveria ter o cunho de festa popular.
Festa popular e festa de mocidade. Nuno Álvares tinha vinte e três anos quando da revolução em Lisboa, e 25 em Aljubarrota; D. João I, 25 ao ser proclamado defensor do reino e 27 na segunda daquelas datas. O estado maior do Condestável eram rapazes de pouca idade, com o espírito aventuroso e irrequieto dos jovens, insofridos nas pelejas, mas obedecendo cegamente ao chefe. Com estes se fez a campanha e se assegurou a independência de Portugal.
Hoje como então se exige espírito novo para fazer a revolução nacional. O espírito novo é mais fácil encontrá-lo em novos que em velhos, ainda que haja velhos com mocidade de espírito e moços gastos por interesses e preocupações que não costumam ser da sua idade. É, porém, essencial que o espírito da mocidade seja por nós formado no sentido da vocação histórica de Portugal, com os exemplos de que é fecunda a História, exemplos de sacrifício, patriotismo, desinteresse, abnegação, valentia, sentimento da dignidade própria, respeito absoluto pela alheia.
Facto cheio de ensinamentos é o comemorado hoje: homens que sirvam de exemplo para a nossa formação esses que, à volta de D. João I e do Condestável, batalharam e serviram e foram de tamanha estatura que futuros séculos de maravilha não lhes tocaram nem os puderam diminuir. Sobretudo esse Condestável D. Nuno, depois Frei Nuno de Santa Maria, guerreiro e monge, chefe de exércitos e edificador de conventos, vencedor de castelhanos e distribuindo em maus anos seus bens pelos mesmos que derrotara em batalhas para que não mandassem na sua terra, erguendo sua valentia no altar da Pátria como a Igreja o havia de erguer pelas suas virtudes nos altares da fé, cheio de honras e riquezas e enterrado em vida no Convento do Carmo, na dura estamenha de frade, quando depois de Ceuta lhe pareceu já não ser necessária a espada para defesa da Pátria, mas disposto de novo a vestir as armas se el-Rei de Castela mais alguma vez se tentasse a invadir Portugal.
Por estes motivos os sítios de Aljubarrota e a Batalha devem ser os lugares de entre os eleitos para as grandes peregrinações patrióticas, e eu quisera que no próximo ano ali acorressem, de todos os cantos de Portugal, milhares, centos de milhares de portugueses de hoje, sobretudo a juventude, para vivificar e robustecer ao calor dum passado heróico a sua devoção patriótica. E, visitados os campos da luta, entrariam, devotadamente, na igreja do Convento da Batalha que, ao contrário da do Escurial de Filipe II, lúgubre e apropriada para as exéquias dum grande rei, é clara e triunfal, como se não fosse feita para a oração de todos os dias mas apenas para o solene Te Deum das grandes e magníficas vitórias.
Nunca passo ali, mesmo apertado pela estreiteza do tempo, que não me sinta obrigado a parar, a entrar e pisando a campa rasa do Rei de boa memória e parece ainda guardá-lo na morte, penetrar comovido na capela do Fundador. Aí se encontram os restos mortais de D. João I e da rainha D. Filipa de Lencastre, e à roda a «ínclita geração de altos infantes»; ali repousam os que consolidaram a independência de Portugal, se assentaram as bases da sua grandeza futura.
14 VIII 1935.
Oliveira Salazar»
(In A Voz, n.º 3048, págs. 1/8, 15.08.1935)
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Grande Salazar! Sabia perfeitamente - e estou cada convencido de que era essa a sua tristeza - que no dia em que os coracoes dos portugueses deixassem de vibrar com a invocacao do nome de Portugal, estariam já condenados a ser simples habitantes de um terreno, mais provavelmente inquilinos sem contrato.
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