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sexta-feira, agosto 06, 2010

A LIÇÃO DE ALJUBARROTA 

Já era muito o poder dizer-se com verdade que a batalha de Aljubarrota consolidou a independência de Portugal. E, todavia, o significado da batalha é muito mais vasto e profundo. Naquela meia hora escassa de 14 de Agosto, ao cair da tarde, decidiram-se, afinal, os destinos do mundo: — e não pode ser-nos estranho, a nós, que mãos portuguesas então moldassem as condições em que havia de basear-se o mundo moderno.
Basta reparar que, libertando Portugal das hegemonias de Castela, ao mesmo tempo se definiam as circunstâncias em que haveriam de desenvolver-se a actividade de Portugal, alongando-se para o mar, e a de Castela, lançando as bases da Espanha futura.
Pensando bem, a vitória de Portugal em Aljubarrota corresponde ao triunfo da civilização — porque tão necessária era à civilização do Ocidente a independência de Portugal como a de Castela. Por isso é que, providencialmente, a fortuna das armas se inclinou no mesmo sentido civilizador, afinal, em Aljubarrota como em Toro.
De facto, se os castelhanos tivessem vencido em Aljubarrota, os portugueses não poderiam naturalmente, lançar-se na empresa incomparável dos Descobrimentos; e não deve esquecer-se que as preocupações imperialistas de Afonso V (que foram desfazer-se em Toro) por algum tempo afastaram Portugal da preocupação dominante dos Descobrimentos.
Ora não é, com certeza, frenesim do sentimento nacionalista exacerbado o reconhecer-se que seria bem mais pobre a história do mundo se os portugueses (seguidos, como discípulos, pelos espanhóis) não tivessem escrito as páginas insuperáveis dos Descobrimentos e da colonização.
Não devemos ter pejo de pronunciar estas palavras sonoras a propósito de um acontecimento cujos objectivos e cujas consequências se insiste em querer limitar apenas (se pode dizer-se apenas) a Portugal.
A verdade é que mais de cem anos de decadência (e, o que é pior, de conformidade com a decadência) nos fizeram crer na limitação, quase provinciana, da acção histórica de Portugal. Se já nos não considerávamos capazes de executar grandes acções no mundo, era natural que não abrangêssemos em toda a sua maravilhosa amplitude a actividade ecuménica que havíamos desenvolvido durante séculos.
Ora Aljubarrota está no começo — é o primeiro estádio e a condição fundamental dessa actividade. Por ela voltamos um dia, magnificamente, as costas à Europa, debruçando-nos para os mistérios do mar, no sonho das desconhecidas estradas da civilização que íamos descobrir, e nos pudemos alhear das guerras civis e de religião que, durante séculos, desperdiçaram as forças criadoras das nações europeias e esfarraparam a túnica inconcussa do Salvador, quebrando a unidade espiritual do mundo civilizado.
Enquanto se desfazia assim ou se diminuía a cristandade, perdendo-se o sentido de solidariedade fraternal que deveria unir as nações cristãs, Portugal tomava para si a missão inexcedível que o Senhor destinou aos Apóstolos e dilatava por toda a terra a Fé e o Império, lembrado de que à sombra da Igreja se criou e cresceu a sua glória e se firmava a sua grandeza.
"Miles Christi" — verdadeiramente o foi Portugal então; e não seria em vão que os portugueses de Aljubarrota tinham já a comandá-los para a vitória um herói, que era um santo.
Aljubarrota abrange toda a história portuguesa — é da meia dúzia de marcos que definem os destinos dos homens na história. Recolhamo-nos agora em meditação — e que os mortos ressurjam diante de nós, para que, no pensamento do que fizeram, seja mais rigoroso o nosso esforço e seja maior a nossa esperança.

Manuel Múrias

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