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quarta-feira, abril 20, 2011

Alfredo Pimenta 

(um artigo de António José de Brito, na revista Último Reduto, n.º 5)

Os anos de 1982 e 1983 foram fecundos em centenários de vultos marcantes da cultura portuguesa. Leonardo Coimbra e António Sérgio receberam amplas consagrações, em especial o último. Não diremos que as não merecessem.
Leonardo Coimbra foi um pensador de amplo voo metafísico, constantemente voltado para o absoluto, posto que não seja o extraordinário génio filosófico que os seus turiferários proclamam. A sua conversão ao Catolicismo e a sua assaz hesitante aproximação ao Estado Novo fizeram com que o regime, em relação a ele, não fosse extremamente pródigo em blandícias. Quanto a António Sérgio, que desde sempre militou na oposição, os foguetes, esses, estralejaram ruidosamente. E o pobre autor dos "Ensaios" teve, postumamente, que suportar os elogios frenéticos duns tontos que, sem o mínimo espírito crítico, elevaram até às nuvens um escritor que apelou sobretudo para o espírito crítico (com tanta insistência e imutabilidade que o transformou em dogma inatacável). É claro que seria um escândalo sem par se alguém, saindo do coro de elogios, dissesse esta verdade pouco conhecida, mas elementar: Sérgio – que foi primordialmente um ágil manipulador de noções, capaz de esgrimir com habilidade e elegância – pelo seu culto do Uno, da Razão Universal, da Vontade Geral (que não vontade de todos), estava mais próximo do fascismo – a que, segundo parece, elogiou – antes de 1925, sob a influência de Croce – do que da democracia, que sentimentalmente tanto apreciava. Quando dela se ocupava directamente não ia além de uns lugares comuns acerca da necessidade de controle do Poder (esquecendo o velho problema de quem controla os controladores), de uns exercícios de tiro ao alvo, às vezes certeiros, a umas tantas expressões de Salazar e, acima de tudo, de uma identificação com o cooperativismo de consumo que tornava a democracia compatível com o que quer que seja.
Os senhores que nos desgovernam, se não fossem de supina ignorância ou de uma distracção inconcebível, teriam mais prudência nas hossanas a Sérgio. Mas que querem? Se não o fossem, como são, não estavam na mais alegre das inconsciências a dar cabo do que ainda resta de Portugal.
E Alfredo Pimenta? Alfredo Pimenta, na morte, teve o honroso destino que o acompanhou na existência, em especial após 1945. Apenas o recordaram uns tantos espíritos, alheios às famas fáceis, quási todos como que exilados no triste rectângulo portucalense, outrora cabeça de um império pluricontinental.
Diz-se que Leonardo sofreu o drama da solidão filosófica, na terra que denominava, com algum exagero, a mais anti-filosófica do planeta. Alfredo Pimenta, esse, sofreu uma solidão de maior risco, a solidão política, por entre borrascas da controvérsia e os ataques de navalha de ponta e mola.
Não lhe perdoavam a sua fidelidade inquebrantável: fidelidade aos princípios que abraçara, décadas atrás, quando se volveu, depois dos equívocos da mocidade, para a Fé e Realeza: fidelidade aos vencidos que via cobrir de lama e calúnias e a que não recusava justiça e caridade, na altura em que estavam desamparados.
Os católicos que preludiavam ao progressismo detestavam-no pela intransigência do seu Catolicismo, ao estilo de "Syllabus", admirador do Santo Ofício. Quantos caminhavam para a teologia do homem feito Deus (em vez de Deus feito homem), ou pelo menos, de um Deus cuja função é divinizar o homem, em suma um Deus para todo o serviço, e que receavam em Alfredo Pimenta o adversário implacável que lhes denunciava a heterodoxia e afirmava, com clareza, que Deus estava infinitamente acima do homem, da pessoa humana, do que quisessem.
Os monárquicos, que tentavam disfarçar com manto democrático o seu anterior autoritarismo, a sua exaltação do poder pessoal, apagando discretamente o célebre "O que nós queremos" do 1º número da Nação Portuguesa, execravam em Alfredo Pimenta o doutrinador que lhes apontava as abdicações e compromissos e restabelecia, incansavelmente, a pureza da Ideia.
Ele era uma espécie de má-consciência dos ex-integralistas em flirt com o demo-liberalismo e que não gostavam de ver recordado o seu passado ideológico e, muito menos, de o ver comparado com um presente em que pretendiam, sem agitações nem retratações, dar o dito por não dito. Exactamente como na actualidade, os ex-situacionistas e vultos de relevo do antigamente, que passaram a militar, com indiscutível proveito próprio, nos partidos do sistema, abominam quem permanece coerente e se recusa a partilhar do banquete nauseabundo.
Finalmente, o chamado grande público, aturdido por uma propaganda delirante, convencido que os nazis devoravam diariamente criancinhas ao pequeno-almoço, escandalizava-se com a reiterada solidariedade de Alfredo Pimenta com o III Reich e a Itália de Mussolini, considerando-o um apologista dos crimes de guerra, a pedir tribunal de Nuremberga. Porque, nos nossos dias, inventou-se, de facto, a curiosa tese, com consagração legislativa, de que é apologista de crimes de guerra quem tenta provar que não foram cometidos, como se o advogado, que acredite sinceramente na inocência do réu (ainda existe disso…), passasse a cúmplice deste ao sustentar que o réu não cometeu qualquer crime ou que não existem os delitos de que é acusado.
Alfredo Pimenta foi vítima das suas virtudes: do seu desassombro, e da sua verticalidade. No ano passado, em Guimarães, ao ouvir numa sala mal-cheia um consagrado professor universitário, o doutor Veríssimo Serrão, traçar, em corajoso texto, o perfil do Mestre das "Palavras à Juventude", sem o trombetear aparatoso dos denominados órgãos de comunicação social, numa sessão logo enterrada e esquecida, pensámos no preço que no nosso país se paga por ter convicções, por se preferir quebrar que torcer.
Se Alfredo Pimenta houvesse entrado no regimento dos contra-revolucionários de 1914, que passaram a descobrir as excelências das quatro liberdades de Roosevelt, a democraticidade da monarquia de D. João II, o sombrio despotismo do então Presidente do Conselho e balelas análogas, que vistosas celebrações não assinalariam o centenário do seu nascimento… É que a sua obra é bem ampla e rara. Poeta notável (embora não dos maiores), historiador minucioso e erudito, polemista fremente, bem conhecedor das correntes especulativas, não lhe faltariam palmas e vivas se embarcasse na galera dos confusionismos e valsasse ao som do anti-fascismo e de Maritain.
Ele, porém, preferiu esclarecer conceitos em vez de os obscurecer, denunciar em vez de com eles pactuar, lutar pela Nação em vez de sorrir aos seus inimigos e dar-lhes palmadinhas nas costas.
Legou-nos Alfredo Pimenta um grande exemplo de carácter e lucidez.
E por isso mesmo o tempo abjecto em que vegetamos procura esquecê-lo e fazer silêncio sobre ele. É a homenagem a ‘contrario sensu’ que lhes prestam os videirinhos, os acomodatícios, os traidores.
Não os acompanhamos nós neste pequeno e último reduto, em que ainda se não extinguiu por inteiro a memória da velha pátria, pátria para sempre passada, memória quási perdida.
E recordando o autor de "O Império Português, factor de Civilização", recordamos a imensa grandeza de um povo, na África, na Ásia, na Oceânia, grandeza que os pigmeus contemporâneos não compreendem, mas que Alfredo Pimenta tanto soube amar e que força alguma poderá eliminar do livro dos Tempos.

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