segunda-feira, janeiro 31, 2005
Da Nação, do Homem e do Interesse Nacional
É possível considerar a Nação um somatório de uns tantos indivíduos e instituições e aludir assim à vontade real da Nação como o produto das decisões, provavelmente eleitorais, desse indivíduos e instituições, as últimas expressas através dos seus representantes.
Não importa discutir, aqui, se esta concepção de nação é ou não exacta. O que importa acentuar é que ela se afasta, radicalmente, da que é tradicional encontrar em autores nacionalistas ou, até, simplesmente, de direita.
Para o nacionalista, a Nação é uma entidade histórica que está para além dos indivíduos e das instituições, permanece enquanto estes passam e vão sendo substituídos. Ela representa um património moral comum, cuja conservação e aperfeiçoamento constitui um dever para indivíduos e instituições.
Em rigor, do ponto de vista do nacionalismo, não há uma vontade nacional porque a nação não é um ente real com um querer próprio; mas, a admitir-se uma vontade da nação, esta não será a dos indivíduos mas a das instituições, e, apenas, a do governante legítimo que personifica a colectividade e, situando-se acima de quaisquer entidades particulares em vez de delas receber directrizes, as integra no serviço da pátria. Em todo o caso para evitar equívocos, o nacionalismo prefere falar, não na vontade nacional, mas sim no interesse nacional, no bem comum, a que as vontades quer das pessoas quer dos grupos, se devem subordinar. E sempre por ele foi proclamado que o interesse nacional, o bem comum, não era um simples agregado de bens singulares, fossem eles dos indivíduos ou das instituições ou dos indivíduos e das instituições mesclados.
Maurras ensinava que «L'association est autre chose que l'addition des associés» (Politique réligieuse, 3ª ed., p. 222). E o prof. Marcello Caetano, que não pode passar por um extremista, mesmo nas suas fases de estadonovismo mais intenso e ortodoxo, escrevia, com naturalidade, no volume “O Sistema Corporativo”, como se se tratasse de coisa ultra conhecida: “Desde que a nação é uma sociedade distinta das sociedades secundárias que a constituem, o interesse nacional não é a soma dos interesses corporativos como não é a soma dos interesses individuais” (O Sistema Corporativo, p. 51).
É claro que se pode (com ou sem razão) discordar destes pontos de vista, e perfilhar teses diametralmente opostas e sustentar-se que a nação reduz-se aos cidadãos e aos corpos sociais adicionados; o que todavia se não pode fazer decentemente é baptizar essa concepção, mestiça de democracia individualista e democracia dita orgânica, de nacionalista, a menos que ao termo nacionalismo se dê o mais extravagante dos significados.
De qualquer modo, contudo, adopte-se ou não o conceito nacionalista da nação, o que se assemelha completamente insustentável é que se afirme que uma determinada nação é necessariamente democrática. Na perspectiva nacionalista, isso não passa de um absurdo, pois o destino superior da nação não deve depender dos caprichos de votos individuais ou grupais.
E da perspectiva não-nacionalista? Dessa perspectiva, não se vislumbra como é que a “vontade popular” é vinculada, por força, a um determinado regime ou sistema. Se se deseja respeitar semelhante vontade, é melhor aceitar o que ela, autonomamente, deliberar, em vez de decretar o que ela tem de ser. Por outro lado, que sentido tem de se declarar, como às vezes se faz, que a nação respeitará as instituições que a compõem? Talvez se se falasse na famosa vontade nacional indivíduo-grupalista, a declaração tivesse mais razoabilidade. Estaria a prescrever-se a tal vontade a proibição do suicídio, pela destruição daquilo que é em parte seu suporte.
Mas se se formular tal regra é porque a vontade em questão tem a possibilidade de se auto-aniquilar, sendo pois capaz dos maiores desvarios. E então justificar-se-á que a proclamem merecedora de respeito e acatamento?
É uma cláusula de estilo, hoje em dia, a asserção que a nação deve encarar o homem qual coisa sagrada. Talvez isso seja lógico, para os que a reduzem exactamente às pessoas e aqrupamentos. Depois de se pretender que lhe cumpre respeitar os seus grupos constitutivos, é lógico que se julgue que ela deve também respeitar intensamente o homem, que é o seu outro elemento de base. Como assenta neste e naqueles, que lhes tire o chapéu está bem, ainda que, ao que parece, a “vontade nacional”, possa cometer proezas perigosas a esse respeito, o que explica a necessidade de normas e prescrições.
Mas a nação entendida à maneira nacionalista terá igualmente de prosternar-se perante o homem? Reflictamos.
Não há na actualidade quem não fale, com prolixidade e abundância, na dignidade do homem. Ora que se entende por dignidade do homem? É indiscutível que, para o católico, o homem tem um fim último que transcende a comunidade política. Só que esse fim não confere ao homem nenhuma dignidade especial, porque ele pode desrespeitá-lo e repeli-lo. Dignidade apenas só pode haver na maneira como se procede, e em semelhante conjuntura mais do que dignidade do homem ela é dignidade de certos homens – dos homens honestos – ou seja, passe o paradoxo, é dignidade dos homens dignos.
E para quê falar, então, na dignidade do homem em geral como se a possuíssem os judas, os traidores, os hipócritas, os pseudo-portugueses sem fé nem lei?
Virão a tê-la, se se arrependerem? Com certeza! Mas a potência não se confunde com o acto, e poder vir a ser algo, se se quiser, não é o mesmo que sê-lo já, porque sem o querer mudar de rumo, já não vem a ser nada.
O homem não possui outra dignidade que não seja a de cumprir os seus deveres para com a sociedade em que nasceu e para com Deus. E, se assim for, a que título irá a nação respeitar uma dignidade, inexistente em si, e que só toma corpo, passando, exactamente, pela devoção à pátria e desta é indissociável?
Em nossa opinião, em nenhum caso, o homem é um fim em si porque tem o poder de destruir-se e como admitir que um fim em si possa auto-destruir-se, isto é, desejar suprimir o que por hipótese é bom?
O homem tem fins (não é um fim) uns mais valiosos do que outros, e é realizando-os que ele vale alguma coisa, como é negando-os que merece ser punido às vezes até com a danação eterna. Mas se isto é verdade - e é-o sem discussão - para quê se procede à apoteose frenética da pessoa humana, independentemente da sua conduta recta ou má?
A adoração do homem é uma característica da nossa desvairada idade. Mas seria excelente que a não cultivassem os que pretendem opor-se aos erros modernos e restabelecer as justas hierarquias.
ANTÓNIO JOSÉ DE BRITO
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Não importa discutir, aqui, se esta concepção de nação é ou não exacta. O que importa acentuar é que ela se afasta, radicalmente, da que é tradicional encontrar em autores nacionalistas ou, até, simplesmente, de direita.
Para o nacionalista, a Nação é uma entidade histórica que está para além dos indivíduos e das instituições, permanece enquanto estes passam e vão sendo substituídos. Ela representa um património moral comum, cuja conservação e aperfeiçoamento constitui um dever para indivíduos e instituições.
Em rigor, do ponto de vista do nacionalismo, não há uma vontade nacional porque a nação não é um ente real com um querer próprio; mas, a admitir-se uma vontade da nação, esta não será a dos indivíduos mas a das instituições, e, apenas, a do governante legítimo que personifica a colectividade e, situando-se acima de quaisquer entidades particulares em vez de delas receber directrizes, as integra no serviço da pátria. Em todo o caso para evitar equívocos, o nacionalismo prefere falar, não na vontade nacional, mas sim no interesse nacional, no bem comum, a que as vontades quer das pessoas quer dos grupos, se devem subordinar. E sempre por ele foi proclamado que o interesse nacional, o bem comum, não era um simples agregado de bens singulares, fossem eles dos indivíduos ou das instituições ou dos indivíduos e das instituições mesclados.
Maurras ensinava que «L'association est autre chose que l'addition des associés» (Politique réligieuse, 3ª ed., p. 222). E o prof. Marcello Caetano, que não pode passar por um extremista, mesmo nas suas fases de estadonovismo mais intenso e ortodoxo, escrevia, com naturalidade, no volume “O Sistema Corporativo”, como se se tratasse de coisa ultra conhecida: “Desde que a nação é uma sociedade distinta das sociedades secundárias que a constituem, o interesse nacional não é a soma dos interesses corporativos como não é a soma dos interesses individuais” (O Sistema Corporativo, p. 51).
É claro que se pode (com ou sem razão) discordar destes pontos de vista, e perfilhar teses diametralmente opostas e sustentar-se que a nação reduz-se aos cidadãos e aos corpos sociais adicionados; o que todavia se não pode fazer decentemente é baptizar essa concepção, mestiça de democracia individualista e democracia dita orgânica, de nacionalista, a menos que ao termo nacionalismo se dê o mais extravagante dos significados.
De qualquer modo, contudo, adopte-se ou não o conceito nacionalista da nação, o que se assemelha completamente insustentável é que se afirme que uma determinada nação é necessariamente democrática. Na perspectiva nacionalista, isso não passa de um absurdo, pois o destino superior da nação não deve depender dos caprichos de votos individuais ou grupais.
E da perspectiva não-nacionalista? Dessa perspectiva, não se vislumbra como é que a “vontade popular” é vinculada, por força, a um determinado regime ou sistema. Se se deseja respeitar semelhante vontade, é melhor aceitar o que ela, autonomamente, deliberar, em vez de decretar o que ela tem de ser. Por outro lado, que sentido tem de se declarar, como às vezes se faz, que a nação respeitará as instituições que a compõem? Talvez se se falasse na famosa vontade nacional indivíduo-grupalista, a declaração tivesse mais razoabilidade. Estaria a prescrever-se a tal vontade a proibição do suicídio, pela destruição daquilo que é em parte seu suporte.
Mas se se formular tal regra é porque a vontade em questão tem a possibilidade de se auto-aniquilar, sendo pois capaz dos maiores desvarios. E então justificar-se-á que a proclamem merecedora de respeito e acatamento?
É uma cláusula de estilo, hoje em dia, a asserção que a nação deve encarar o homem qual coisa sagrada. Talvez isso seja lógico, para os que a reduzem exactamente às pessoas e aqrupamentos. Depois de se pretender que lhe cumpre respeitar os seus grupos constitutivos, é lógico que se julgue que ela deve também respeitar intensamente o homem, que é o seu outro elemento de base. Como assenta neste e naqueles, que lhes tire o chapéu está bem, ainda que, ao que parece, a “vontade nacional”, possa cometer proezas perigosas a esse respeito, o que explica a necessidade de normas e prescrições.
Mas a nação entendida à maneira nacionalista terá igualmente de prosternar-se perante o homem? Reflictamos.
Não há na actualidade quem não fale, com prolixidade e abundância, na dignidade do homem. Ora que se entende por dignidade do homem? É indiscutível que, para o católico, o homem tem um fim último que transcende a comunidade política. Só que esse fim não confere ao homem nenhuma dignidade especial, porque ele pode desrespeitá-lo e repeli-lo. Dignidade apenas só pode haver na maneira como se procede, e em semelhante conjuntura mais do que dignidade do homem ela é dignidade de certos homens – dos homens honestos – ou seja, passe o paradoxo, é dignidade dos homens dignos.
E para quê falar, então, na dignidade do homem em geral como se a possuíssem os judas, os traidores, os hipócritas, os pseudo-portugueses sem fé nem lei?
Virão a tê-la, se se arrependerem? Com certeza! Mas a potência não se confunde com o acto, e poder vir a ser algo, se se quiser, não é o mesmo que sê-lo já, porque sem o querer mudar de rumo, já não vem a ser nada.
O homem não possui outra dignidade que não seja a de cumprir os seus deveres para com a sociedade em que nasceu e para com Deus. E, se assim for, a que título irá a nação respeitar uma dignidade, inexistente em si, e que só toma corpo, passando, exactamente, pela devoção à pátria e desta é indissociável?
Em nossa opinião, em nenhum caso, o homem é um fim em si porque tem o poder de destruir-se e como admitir que um fim em si possa auto-destruir-se, isto é, desejar suprimir o que por hipótese é bom?
O homem tem fins (não é um fim) uns mais valiosos do que outros, e é realizando-os que ele vale alguma coisa, como é negando-os que merece ser punido às vezes até com a danação eterna. Mas se isto é verdade - e é-o sem discussão - para quê se procede à apoteose frenética da pessoa humana, independentemente da sua conduta recta ou má?
A adoração do homem é uma característica da nossa desvairada idade. Mas seria excelente que a não cultivassem os que pretendem opor-se aos erros modernos e restabelecer as justas hierarquias.
ANTÓNIO JOSÉ DE BRITO
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Princípios
“Na nossa ordem política, a primeira realidade é a existência independente da Nação Portuguesa (...)
Desta forte realidade e desta primeira afirmação, outras derivam imediatamente: a primeira é que estão subordinadas aos supremos objectivos da Nação, com seus interesses próprios, todas as pessoas singulares e colectivas que são elementos constitutivos do seu organismo; em contraposição e garantia da eficácia superior deste sacrifício afirma-se também que a Nação não se confunde com um partido, um partido não se identifica com o Estado, o Estado não é na vida internacional um súbdito mas um colaborador associado. Em palavras mais simples: temos obrigação de sacrificar tudo por todos; não devemos sacrificar-nos todos por alguns.
Tão evidentes e naturais são estes princípios que defini-los pode parecer uma superfluidade. Mas a quem considerar algumas das ideologias que estão tendo o favor do nosso tempo, tais pontos de partida hão-de aparecer como a primeira necessidade do nosso direito público. São-no na vida interna como princípio informador da nossa actividade e clara afirmação de todo o nosso destino, perante nós próprios enfraquecidos na unidade nacional pelo espírito de partido, roídos nos interesses materiais pelo espírito de parasitismo e de favor. São-no diante do mundo numa época de intensa vida e colaboração internacional e eivada de vários internacionalismos e cosmopolitismos, e são-no ao menos nos momentos decisivos em que daí possam provir ameaças, restrições, negações dos nossos títulos jurídicos".
SALAZAR
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Desta forte realidade e desta primeira afirmação, outras derivam imediatamente: a primeira é que estão subordinadas aos supremos objectivos da Nação, com seus interesses próprios, todas as pessoas singulares e colectivas que são elementos constitutivos do seu organismo; em contraposição e garantia da eficácia superior deste sacrifício afirma-se também que a Nação não se confunde com um partido, um partido não se identifica com o Estado, o Estado não é na vida internacional um súbdito mas um colaborador associado. Em palavras mais simples: temos obrigação de sacrificar tudo por todos; não devemos sacrificar-nos todos por alguns.
Tão evidentes e naturais são estes princípios que defini-los pode parecer uma superfluidade. Mas a quem considerar algumas das ideologias que estão tendo o favor do nosso tempo, tais pontos de partida hão-de aparecer como a primeira necessidade do nosso direito público. São-no na vida interna como princípio informador da nossa actividade e clara afirmação de todo o nosso destino, perante nós próprios enfraquecidos na unidade nacional pelo espírito de partido, roídos nos interesses materiais pelo espírito de parasitismo e de favor. São-no diante do mundo numa época de intensa vida e colaboração internacional e eivada de vários internacionalismos e cosmopolitismos, e são-no ao menos nos momentos decisivos em que daí possam provir ameaças, restrições, negações dos nossos títulos jurídicos".
SALAZAR
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Acordo Mussolini-Tilgher-Fiore-Romagnoli
Depois da concretização na Alemanha da coligação entre NPD e DVU numa ambiciosa iniciativa com vista às eleições que se seguem, também em Itália se anuncia a formação de uma nova entidade política que visa unificar na acção a "destra antagonista", que se institucionaliza assim como o terceiro polo da política italiana, alternativo à esquerda e à direita do sistema.
Em resultado de um acordo concluído entre Alessandra Mussolini, Adriano Tilgher, Roberto Fiore e Luca Romagnoli, que são respectivamente os líderes dos movimentos "Libertá di Azione", "Forza Nuova", "Fronte Sociale Nazionale" e "Movimento Sociale Fiamma Tricolore", todos apresentarão e apoiarão candidaturas únicas nas próximas eleições regionais.
O acordo prevê a apresentação de listas comuns às eleições regionais e administrativas da próxima Primavera, sob o símbolo e a designação da "Alternativa Sociale".
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Em resultado de um acordo concluído entre Alessandra Mussolini, Adriano Tilgher, Roberto Fiore e Luca Romagnoli, que são respectivamente os líderes dos movimentos "Libertá di Azione", "Forza Nuova", "Fronte Sociale Nazionale" e "Movimento Sociale Fiamma Tricolore", todos apresentarão e apoiarão candidaturas únicas nas próximas eleições regionais.
O acordo prevê a apresentação de listas comuns às eleições regionais e administrativas da próxima Primavera, sob o símbolo e a designação da "Alternativa Sociale".
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Reforços
Já depois de publicar o que antecede soubemos da existência de mais um blogue: Verdadeonline.
Está no começo, mas propõe-se reforçar a zona nacional no combate das ideias. Desejamos que venha cheio de força, mais do que nós, e que tenha fôlego e talento para ficar, e influenciar decisivamente a sorte das armas.
Todos não somos demais para continuar Portugal!
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Está no começo, mas propõe-se reforçar a zona nacional no combate das ideias. Desejamos que venha cheio de força, mais do que nós, e que tenha fôlego e talento para ficar, e influenciar decisivamente a sorte das armas.
Todos não somos demais para continuar Portugal!
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domingo, janeiro 30, 2005
Em movimento
Nascem mais blogues na área nacional, numa demonstração de crescente activismo e mobilização.
Pouco a pouco, a consciencialização de cada vez mais gente para a realidade do país e para a necessidade de a enfrentar leva muitos, sobretudo jovens, a decidirem tomar a palavra e vir para este espaço, que por enquanto ainda é público e livre, exprimir as suas opiniões e propostas.
O último que conheci foi o Flama Aeterna, ainda a dar os primeiros passos.
Outro que se tem afirmado ultimamente é o Saadyroots, que já tinha a ligação ali na coluna à direita.
Já agora também vale a pena ler o Zona Franca, que conseguiu deixar-me bem disposto (garanto que não é fácil).
Enfim, sinais animadores surgem na rede, em contraste com a inalterável atmosfera que pesa sobre o país real. Em alguma ponta se tem de pegar para começar a transformação que se impõe. Para esta gigantesca tarefa de saneamento e reconstrução nacional por enquanto só temos a rede. Mas é só o começo da longa marcha...
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Pouco a pouco, a consciencialização de cada vez mais gente para a realidade do país e para a necessidade de a enfrentar leva muitos, sobretudo jovens, a decidirem tomar a palavra e vir para este espaço, que por enquanto ainda é público e livre, exprimir as suas opiniões e propostas.
O último que conheci foi o Flama Aeterna, ainda a dar os primeiros passos.
Outro que se tem afirmado ultimamente é o Saadyroots, que já tinha a ligação ali na coluna à direita.
Já agora também vale a pena ler o Zona Franca, que conseguiu deixar-me bem disposto (garanto que não é fácil).
Enfim, sinais animadores surgem na rede, em contraste com a inalterável atmosfera que pesa sobre o país real. Em alguma ponta se tem de pegar para começar a transformação que se impõe. Para esta gigantesca tarefa de saneamento e reconstrução nacional por enquanto só temos a rede. Mas é só o começo da longa marcha...
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Lamentável sabujice
Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.
Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo...
Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é: o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo - apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas ideias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra que lhes permita serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que tão tristemente fala o povo, que cabem bem na roupa de toda a gente.
Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio - o Vocábulo. Ora isto é uma abdicação da dignidade nacional.
Não, minha Senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! ...
Eça de Queiroz (in "A Correspondência de Fradique Mendes", 2ª. ed. Porto, 1902. pág. 142)
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Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo...
Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é: o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo - apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas ideias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra que lhes permita serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que tão tristemente fala o povo, que cabem bem na roupa de toda a gente.
Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio - o Vocábulo. Ora isto é uma abdicação da dignidade nacional.
Não, minha Senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! ...
Eça de Queiroz (in "A Correspondência de Fradique Mendes", 2ª. ed. Porto, 1902. pág. 142)
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Palavras de ontem para hoje
O pensamento e a acção
Nestes tempos em que a lucidez mandaria limpar armas, a imagem oferecida pela área dos que se dizem nacionalistas é deveras desoladora. Para os que guardam a ilusão de que tudo poderia ser diferente deve ser mesmo angustiante. Numa época em que todos os sinais dos tempos parecem indicar a iminência de grandes coisas, quando o mundo em que nascemos parece abanar por todos os lados e estar em vias de afundamento, seria de esperar que os que a si mesmos se elegeram paladinos de uma Nova Idade ao menos se erguessem em vigilância tensa, aptos e disponíveis para os combates que não podem deixar de vir.
Mas não. É como se os nacionalistas portugueses à força de “viver habitualmente” lhe tivessem tomado o gosto. Mesmo quando tudo aconselha a fazer o contrário. Parece que a habitualidade lhes corroeu a imaginação e a audácia, a inteligência e a fé. Assim, enquanto muitos dormem outros fazem flores.
Alguns limitam-se a repetir erros antigos; no entusiasmo gregário de fardas, hinos e bandeiras, esquecem as ideias, que são sempre o mais importante. Movem-se em círculo fechado, parados no tempo, fazendo gala de uma estética ultrapassada e de uma linguagem que só ela constituiria barreira suficiente para impedir a aceitação pela massas, cujo espírito crítico é apesar de tudo capaz de rejeitar a retórica balofa de quem nada traz de novo.
Outros nem se dão ao luxo de cometer erros. Encerraram-se nas suas torres de marfim, inventaram alibis mais ou menos consoladores para as próprias consciências, e esperam em casa que a história lhes vá bater à porta.
Poucos são os que, no cepticismo de quem conserva a cabeça fria e o espírito lúcido, se mantêm no seu posto sem desânimo nem descrença, sabendo que o futuro começa agora e que Deus costuma ajudar aqueles que se ajudam. Na trincheira que a cada um de nós coube sabemos que é preciso dar forma nova às verdades eternas, deixar morrer o que merece ser enterrado para afirmar no seu fulgor imaculado os princípios que nos comandam. Dentro da linha de modernidade e vanguardismo que é própria dos que se querem construtores do Futuro.
Apesar do panorama traçado não se julgue que pensamos haver razão para derrotismos. Antes pelo contrário: pensamos que o desespero é uma estupidez desprezível. Parece-nos que nada há de estranho em que as coisas sejam como são, e as explicações nem são muito difíceis de encontrar. E acreditamos que o fermento constituído por aqueles que nunca desistiram de intervir, e conhecem o mundo e a história, e sabem o caminho, há-de ser bastante para vencer a ganga que ao passado pertence e imprimir o rumo que leva à vitória.
Para os que não percebem muito bem o que isto quer dizer, deixamos uma frase para reflexão, esperando não os deixar ainda mais perplexos: “Todas as juventudes conscientes das suas responsabilidades tentam reajustar o mundo. Tentam pelo caminho da acção e, o que é mais importante, pelo caminho do pensamento, sem cuja constante vigilância a acção é pura barbárie”.
A frase é de José António e é sempre grata de recordar por quem sente que ela, por direito adquirido, também lhe diz respeito.
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Nestes tempos em que a lucidez mandaria limpar armas, a imagem oferecida pela área dos que se dizem nacionalistas é deveras desoladora. Para os que guardam a ilusão de que tudo poderia ser diferente deve ser mesmo angustiante. Numa época em que todos os sinais dos tempos parecem indicar a iminência de grandes coisas, quando o mundo em que nascemos parece abanar por todos os lados e estar em vias de afundamento, seria de esperar que os que a si mesmos se elegeram paladinos de uma Nova Idade ao menos se erguessem em vigilância tensa, aptos e disponíveis para os combates que não podem deixar de vir.
Mas não. É como se os nacionalistas portugueses à força de “viver habitualmente” lhe tivessem tomado o gosto. Mesmo quando tudo aconselha a fazer o contrário. Parece que a habitualidade lhes corroeu a imaginação e a audácia, a inteligência e a fé. Assim, enquanto muitos dormem outros fazem flores.
Alguns limitam-se a repetir erros antigos; no entusiasmo gregário de fardas, hinos e bandeiras, esquecem as ideias, que são sempre o mais importante. Movem-se em círculo fechado, parados no tempo, fazendo gala de uma estética ultrapassada e de uma linguagem que só ela constituiria barreira suficiente para impedir a aceitação pela massas, cujo espírito crítico é apesar de tudo capaz de rejeitar a retórica balofa de quem nada traz de novo.
Outros nem se dão ao luxo de cometer erros. Encerraram-se nas suas torres de marfim, inventaram alibis mais ou menos consoladores para as próprias consciências, e esperam em casa que a história lhes vá bater à porta.
Poucos são os que, no cepticismo de quem conserva a cabeça fria e o espírito lúcido, se mantêm no seu posto sem desânimo nem descrença, sabendo que o futuro começa agora e que Deus costuma ajudar aqueles que se ajudam. Na trincheira que a cada um de nós coube sabemos que é preciso dar forma nova às verdades eternas, deixar morrer o que merece ser enterrado para afirmar no seu fulgor imaculado os princípios que nos comandam. Dentro da linha de modernidade e vanguardismo que é própria dos que se querem construtores do Futuro.
Apesar do panorama traçado não se julgue que pensamos haver razão para derrotismos. Antes pelo contrário: pensamos que o desespero é uma estupidez desprezível. Parece-nos que nada há de estranho em que as coisas sejam como são, e as explicações nem são muito difíceis de encontrar. E acreditamos que o fermento constituído por aqueles que nunca desistiram de intervir, e conhecem o mundo e a história, e sabem o caminho, há-de ser bastante para vencer a ganga que ao passado pertence e imprimir o rumo que leva à vitória.
Para os que não percebem muito bem o que isto quer dizer, deixamos uma frase para reflexão, esperando não os deixar ainda mais perplexos: “Todas as juventudes conscientes das suas responsabilidades tentam reajustar o mundo. Tentam pelo caminho da acção e, o que é mais importante, pelo caminho do pensamento, sem cuja constante vigilância a acção é pura barbárie”.
A frase é de José António e é sempre grata de recordar por quem sente que ela, por direito adquirido, também lhe diz respeito.
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Formar um escol
«Vencer a matéria pelo espírito. O que seria preciso era a formação de um escol. A Filosofia Portuguesa é que tem o segredo da espiritualidade necessária para a transformação do Mundo. Não podemos esquecer Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Sampaio Bruno, Álvaro Ribeiro, José Marinho, Agostinho da Silva, e muitos outros. Mas, se é a Filosofia Portuguesa que tem o segredo dessa espiritualidade, os mais novos é que têm o segredo da transmutação. Se os jovens forem na corrente actual, então está tudo perdido. Nota-se, de facto, muitos jovens interessados no pensamento português. Se daqui resulta algo, só Deus é que sabe. Nós temos é de fazer as coisas.»
(António Telmo)
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(António Telmo)
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SOBRE O “FASCISMO”: COMPREENDER A HISTÓRIA
“O historiador que recusa ao fenómeno fascista um carácter revolucionário não poderia compreender, assim, nem a novidade do fascismo relativamente aos regimes autoritários e conservadores clássicos e às revoltas do passado, ocasionais e sem verdadeira saída institucional, nem a sua substancial diferença em relação às outras revoluções contemporâneas, a revolução comunista, ilusoriamente política e social, e a revolução técnica do neocapitalismo, falsamente democrático".
AUGUSTO DEL NOCE, “L'época della secolarizzione”
Uma certa parte, não tão escassa como isso, da “soi disante” esquerda portuguesa, sempre se contentou em referir sublimes banalidades de cartilha, quando se lhe deparava o problema do “fascismo”, essa hidra obscura que servia para tudo e estava veladamente omnipresente em qualquer desgraça das hostes “democráticas”.
Com a euforia embriagada dos primeiros momentos do 25 de Abril, ganharam grande sucesso as pseudo-explicações do mundo fascista com base em todo um sistema folclórico, que não hesitava em alinhar a PIDE com Mussolini, em ver no CDS um epifenómeno nazi, e não cessava de contar mortos, estropiados, feridos e gaseados, câmaras secretas e ossadas sinistras, chegando até a lembrar gravemente ao dr. Sá Carneiro e aos seus antigos pares da ANP “liberal”, a sua cumplicidade em todo um rol de “crimes contra a Humanidade”. Era a época em que a esquerda festiva dava largas à sua sinceridade intelectual, o tempo alegre em que, parafraseando Bardèche, “cada um tinha o seu fascista”.
Claro que havia aquela “intelligentzia” mais sisuda, a que procurava fugir à vulgaridade e, com a solenidade própria de quem contempla o seu umbigo, avançava teses palavrosas sobre a psiquiatria de massa do fascismo, estudando-o como fenómeno clínico, aberração mental com vestígios esquizofrénicos e sado-masoquistas, caso típico de sublimação de toda a espécie de animalismo, próprio de mentalidades atrasadas e do subdesenvolvimento cultural. Hitler era um “gangster”, um chefe de bucaneiros, um homenzinho perverso, em suma; Salazar, um campónio tacanho e meditabundo, admirado apenas pelos simples e sustentado pela boçalidade policial; Mussolini não passava de um comediante frustrado, admirador da “soap-opera”, “avant la lettre”, um primário sanguíneo “doublé” de demagogo. Não se referia mais ninguém, ou quase, porque se desconhecia tudo o mais: “era paisagem”...
De referir que estas penetrantes análises se faziam acompanhar de bastas alusões culturais, citando-se de uma assentada Brecht, Wilhelm Reich, Marcuse, Lukács e muitos outros “inevitáveis”, como Althusser e Politzer, num “cocktail” vistoso mas sempre confuso, em que se ia desde o defeito (humano) de pronúncia à citação pretensiosa simplista, de preferência colhida em qualquer manual de vulgarização.
As poucas figuras que, na “esquerda” que tínhamos e ainda resta, tentavam romper timidamente a cortina obscurantista que misturava a ignorância e a doce satisfação das “simples verdades”, e punham algumas interrogações pertinentes, ousando perguntar se o Estado de Salazar tinha alguma coisa a ver com o incêndio do Reichstag, esses poucos ou eram marginalizados pelos “mecenas culturais” da época ou caíam também em tentativas de explicação que lembravam logo um “dejá vu”.
Foi preciso a Esquerda oficial e periférica perder terreno e enforcar-se nas suas contradições, para hoje aparecerem mais vozes a interessarem-se pelo problema do “Fascismo”, procurando rever axiomas e teses aparentemente indestrutíveis, reflectindo sobre “o que é que falhou”.
Mas o que pareceu poder mudar permaneceu pouco alterado: numa desprestigiada “Faculdade de Letras” proferiram-se as banalidades do costume, prevaleceram antigas birras e recalcamentos pouco disfarçados sobre qualquer tentativa de estudo científico. Os actores eram os mesmos, as conclusões iguais e as palavras pouco diferentes. Com o filme de Syberberg aconteceu, com raríssimas excepções, coisa semelhante, acrescendo só um pedantismo muito saloio que sempre se associa às pseudo manifestações “vanguardistas” dos sectores da burguesia bem-pensante. Aqui, até os “idiotas úteis” deixaram de o ser, perante a sua histeria descontrolada, que detecta “fáchismo”, em toda a parte, desde “o gabinete do dr. Caligari" até aos romances de Soljenytsin. Há limites...
Mas toda esta agitação pressupõe a existência de uma preocupação: quer a “esquerda” do regime quer as outras áreas “comprometidas”, sentem difusamente que algo poderá vir a acontecer, a nível institucional “mas não só”, como consequência dos sucessivos tropeções do Estado de Abril. E tal realidade nova poderá ter pouco a ver com a actual ordem de coisas, ou seja, não será talvez, apenas, um estádio quantitativamente superior de uma situação “reaccionária” em relação ao 25 de Abril.
Na impreparação teórica e na ambiguidade semântica de grande parte da intelectualidade comprometida com o regime reside a dificuldade em situar e designar certos problemas. Até há pouco, o “fascismo" e as suas variantes terminológicas mais divulgadas, eram tudo o que não fosse uma certa ideia de «esquerda», eram o mundo inimigo, sem distinções. Hoje, num período em que até os mais cegos têm de cair em si, já se fala de “fascismo” para representar, embora num traço primitivo, uma realidade que se pressente diferente “do que está”, diferente mesmo (e sobretudo) dos inimigos indistintos de ontem que, bem ou mal, incarnavam afinal também uma certa ideia do sistema. (Como hoje, com a “filtragem” do tempo, se acabou por compreender).
E se um certo pensamento tradicional, de raiz cristã, sobretudo mais profundo que o habitual Maritain, já consegue reconhecer, com Del Noce, a originalidade de certas formas e movimentos políticos (rigorosamente, como observaria Nolte, “transpolíticos”), fora das análises moralizantes tão vistas nessas áreas, também uma esquerda mais adulta, se bem que essencialmente pouco menos dogmática que as suas variantes “doenças infantis”, acaba por admitir novos campos de enquadramento do fenómeno “fascismo”, fora da demasiado esquemática interpretação do “exército branco da burguesia” ou da ambígua referência à “psicose colectiva”, à “demência satânica” (meios termos entre um moralismo profano indisfarçado e um cientismo muito débil, irremediavelmente reduccionista e indemonstrável).
Sinal desta mudança numa esquerda em busca de respeitabilidade intelectual, está por exemplo nas palavras de Baran e Sweezy, dois marxistas (como eles próprios se gostam de situar), bem longe das fábulas de um certo antifascismo roncante e demagógico, ainda dominante entre nós:
“Em geral, porém, as oligarquias financeiras preferem os Governos democráticos aos autoritários. A estabilidade do sistema é consolidada por ratificações periódicas da dominação oligárquica - este, e não qualquer outro, é o significado normal das eleições parlamentares e presidenciais democráticas -, que poupam à oligarquia certos riscos muito reais de ditadura pessoal ou militar.
(...) Com tais métodos... a democracia é capaz de servir os interesses da oligarquia muito mais eficaz e duradouramente do que um regime autoritário.” (“Le Capital Monopoliste”)
Esta mudança relativa verifica-se também em certo pensamento socialista, como em Rosselli e, de outra forma, em Nenni, e em dissidentes do comunismo oficial, de Pierre Fougeyrollas a Gilles Martinet, que em última análise acabam por confirmar as precoces observações de Henri de Man, sobre os movimentos nascentes nos anos 30: surgia algo de radicalmente novo perante os principais sistemas existentes, uma “vingança dos factores extra-económicos sobre os factores económicos" (na expressão do jesuíta Henri Chambre), e no fundo a visão de um novo universo, de uma “Revolução Proibida”.
De facto, decorridos mais de trinta anos sobre Hiroshima, com o Mundo novamente à beira de uma época de sobressaltos nas convicções vigentes, de nada serve já manter os velhos mitos, as fábulas boas para esconder as realidades que, de uma forma ou de outra, vão aparecendo sob vários impulsos.
Uma certa esquerda, mais atenta ou mais desprendida, compreendeu que tinha de reformular tudo para assegurar a continuidade: teria sobretudo de largar os mitos gastos e inúteis, por serem já pouco atraentes e de fraco poder mobilizador. Nisto há também uma intenção “maquiavélica” de perpetuação, pela submissão tempestiva às leis da realidade.
As trevas, o desconhecimento feliz e a miopia política, ficam com os submundos que, no presente, perdem já a batalha cultural do futuro.
Mas reconheça-se que muita confusão sobre o “fascismo” se repercute também na chamada “direita”, que procura libertar-se de fantasmas de um passado que nem sequer conhece com rigor, confundindo a História com os mitos temporais fabricados pela escolástica política. A “direita” do sistema, plutocrática, parlamentar, neocapitalista, mais ou menos letrada, procura exorcizar a ideia “fascista”, os traumas que esta lhe provoca, não se preocupando sequer em saber se tem, em termos históricos, algo a ver com a revolução dos “arditi”. A outra “direita”, esclerosada, fora do tempo, metafísicamente reaccionária, saudosista (saudosista do Poder personalizado, das formas, das estruturas) olha para o “fascismo-movimento” como algo de sacrílego, perigoso e completamente estranho ao seu velho mundo (que se esforça por recuperar sem saber que já não existe).
Há ainda os que, por cegueira, doentio romantismo e incapacidade de enquadramento histórico, não se apercebem que, a surgir qualquer realidade diferente e contestatária dos actuais sistemas de organização, ela nunca poderá adquirir um morfismo passadista. Porque é, por definição, nova e de concepção humana, não podendo pois comandar a história, e por uma intervenção “deus ex machina”, fazê-la retrogredir.
As revoluções são-no, precisamente porque sabem cortar com o passado, em nome de uma nova ordem: podem respeitar a tradição, mas isso só significa renovação e caminho, como observava Ortega. A reprodução mórbida do passado pode ser simples “folclore”, alarido reaccionário, atitude de uma casta frágil e irrealista. Não é, de certeza, a verdadeira revolução.
Esta a contradição em que podem cair os “históricos” de todos os quadrantes, “incondicionais” e apressados: pensando trazer um sopro novo de vida, estão já, sem o saberem, na morada dos mortos, mimando o Nada.
NUNO ROGEIRO
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AUGUSTO DEL NOCE, “L'época della secolarizzione”
Uma certa parte, não tão escassa como isso, da “soi disante” esquerda portuguesa, sempre se contentou em referir sublimes banalidades de cartilha, quando se lhe deparava o problema do “fascismo”, essa hidra obscura que servia para tudo e estava veladamente omnipresente em qualquer desgraça das hostes “democráticas”.
Com a euforia embriagada dos primeiros momentos do 25 de Abril, ganharam grande sucesso as pseudo-explicações do mundo fascista com base em todo um sistema folclórico, que não hesitava em alinhar a PIDE com Mussolini, em ver no CDS um epifenómeno nazi, e não cessava de contar mortos, estropiados, feridos e gaseados, câmaras secretas e ossadas sinistras, chegando até a lembrar gravemente ao dr. Sá Carneiro e aos seus antigos pares da ANP “liberal”, a sua cumplicidade em todo um rol de “crimes contra a Humanidade”. Era a época em que a esquerda festiva dava largas à sua sinceridade intelectual, o tempo alegre em que, parafraseando Bardèche, “cada um tinha o seu fascista”.
Claro que havia aquela “intelligentzia” mais sisuda, a que procurava fugir à vulgaridade e, com a solenidade própria de quem contempla o seu umbigo, avançava teses palavrosas sobre a psiquiatria de massa do fascismo, estudando-o como fenómeno clínico, aberração mental com vestígios esquizofrénicos e sado-masoquistas, caso típico de sublimação de toda a espécie de animalismo, próprio de mentalidades atrasadas e do subdesenvolvimento cultural. Hitler era um “gangster”, um chefe de bucaneiros, um homenzinho perverso, em suma; Salazar, um campónio tacanho e meditabundo, admirado apenas pelos simples e sustentado pela boçalidade policial; Mussolini não passava de um comediante frustrado, admirador da “soap-opera”, “avant la lettre”, um primário sanguíneo “doublé” de demagogo. Não se referia mais ninguém, ou quase, porque se desconhecia tudo o mais: “era paisagem”...
De referir que estas penetrantes análises se faziam acompanhar de bastas alusões culturais, citando-se de uma assentada Brecht, Wilhelm Reich, Marcuse, Lukács e muitos outros “inevitáveis”, como Althusser e Politzer, num “cocktail” vistoso mas sempre confuso, em que se ia desde o defeito (humano) de pronúncia à citação pretensiosa simplista, de preferência colhida em qualquer manual de vulgarização.
As poucas figuras que, na “esquerda” que tínhamos e ainda resta, tentavam romper timidamente a cortina obscurantista que misturava a ignorância e a doce satisfação das “simples verdades”, e punham algumas interrogações pertinentes, ousando perguntar se o Estado de Salazar tinha alguma coisa a ver com o incêndio do Reichstag, esses poucos ou eram marginalizados pelos “mecenas culturais” da época ou caíam também em tentativas de explicação que lembravam logo um “dejá vu”.
Foi preciso a Esquerda oficial e periférica perder terreno e enforcar-se nas suas contradições, para hoje aparecerem mais vozes a interessarem-se pelo problema do “Fascismo”, procurando rever axiomas e teses aparentemente indestrutíveis, reflectindo sobre “o que é que falhou”.
Mas o que pareceu poder mudar permaneceu pouco alterado: numa desprestigiada “Faculdade de Letras” proferiram-se as banalidades do costume, prevaleceram antigas birras e recalcamentos pouco disfarçados sobre qualquer tentativa de estudo científico. Os actores eram os mesmos, as conclusões iguais e as palavras pouco diferentes. Com o filme de Syberberg aconteceu, com raríssimas excepções, coisa semelhante, acrescendo só um pedantismo muito saloio que sempre se associa às pseudo manifestações “vanguardistas” dos sectores da burguesia bem-pensante. Aqui, até os “idiotas úteis” deixaram de o ser, perante a sua histeria descontrolada, que detecta “fáchismo”, em toda a parte, desde “o gabinete do dr. Caligari" até aos romances de Soljenytsin. Há limites...
Mas toda esta agitação pressupõe a existência de uma preocupação: quer a “esquerda” do regime quer as outras áreas “comprometidas”, sentem difusamente que algo poderá vir a acontecer, a nível institucional “mas não só”, como consequência dos sucessivos tropeções do Estado de Abril. E tal realidade nova poderá ter pouco a ver com a actual ordem de coisas, ou seja, não será talvez, apenas, um estádio quantitativamente superior de uma situação “reaccionária” em relação ao 25 de Abril.
Na impreparação teórica e na ambiguidade semântica de grande parte da intelectualidade comprometida com o regime reside a dificuldade em situar e designar certos problemas. Até há pouco, o “fascismo" e as suas variantes terminológicas mais divulgadas, eram tudo o que não fosse uma certa ideia de «esquerda», eram o mundo inimigo, sem distinções. Hoje, num período em que até os mais cegos têm de cair em si, já se fala de “fascismo” para representar, embora num traço primitivo, uma realidade que se pressente diferente “do que está”, diferente mesmo (e sobretudo) dos inimigos indistintos de ontem que, bem ou mal, incarnavam afinal também uma certa ideia do sistema. (Como hoje, com a “filtragem” do tempo, se acabou por compreender).
E se um certo pensamento tradicional, de raiz cristã, sobretudo mais profundo que o habitual Maritain, já consegue reconhecer, com Del Noce, a originalidade de certas formas e movimentos políticos (rigorosamente, como observaria Nolte, “transpolíticos”), fora das análises moralizantes tão vistas nessas áreas, também uma esquerda mais adulta, se bem que essencialmente pouco menos dogmática que as suas variantes “doenças infantis”, acaba por admitir novos campos de enquadramento do fenómeno “fascismo”, fora da demasiado esquemática interpretação do “exército branco da burguesia” ou da ambígua referência à “psicose colectiva”, à “demência satânica” (meios termos entre um moralismo profano indisfarçado e um cientismo muito débil, irremediavelmente reduccionista e indemonstrável).
Sinal desta mudança numa esquerda em busca de respeitabilidade intelectual, está por exemplo nas palavras de Baran e Sweezy, dois marxistas (como eles próprios se gostam de situar), bem longe das fábulas de um certo antifascismo roncante e demagógico, ainda dominante entre nós:
“Em geral, porém, as oligarquias financeiras preferem os Governos democráticos aos autoritários. A estabilidade do sistema é consolidada por ratificações periódicas da dominação oligárquica - este, e não qualquer outro, é o significado normal das eleições parlamentares e presidenciais democráticas -, que poupam à oligarquia certos riscos muito reais de ditadura pessoal ou militar.
(...) Com tais métodos... a democracia é capaz de servir os interesses da oligarquia muito mais eficaz e duradouramente do que um regime autoritário.” (“Le Capital Monopoliste”)
Esta mudança relativa verifica-se também em certo pensamento socialista, como em Rosselli e, de outra forma, em Nenni, e em dissidentes do comunismo oficial, de Pierre Fougeyrollas a Gilles Martinet, que em última análise acabam por confirmar as precoces observações de Henri de Man, sobre os movimentos nascentes nos anos 30: surgia algo de radicalmente novo perante os principais sistemas existentes, uma “vingança dos factores extra-económicos sobre os factores económicos" (na expressão do jesuíta Henri Chambre), e no fundo a visão de um novo universo, de uma “Revolução Proibida”.
De facto, decorridos mais de trinta anos sobre Hiroshima, com o Mundo novamente à beira de uma época de sobressaltos nas convicções vigentes, de nada serve já manter os velhos mitos, as fábulas boas para esconder as realidades que, de uma forma ou de outra, vão aparecendo sob vários impulsos.
Uma certa esquerda, mais atenta ou mais desprendida, compreendeu que tinha de reformular tudo para assegurar a continuidade: teria sobretudo de largar os mitos gastos e inúteis, por serem já pouco atraentes e de fraco poder mobilizador. Nisto há também uma intenção “maquiavélica” de perpetuação, pela submissão tempestiva às leis da realidade.
As trevas, o desconhecimento feliz e a miopia política, ficam com os submundos que, no presente, perdem já a batalha cultural do futuro.
Mas reconheça-se que muita confusão sobre o “fascismo” se repercute também na chamada “direita”, que procura libertar-se de fantasmas de um passado que nem sequer conhece com rigor, confundindo a História com os mitos temporais fabricados pela escolástica política. A “direita” do sistema, plutocrática, parlamentar, neocapitalista, mais ou menos letrada, procura exorcizar a ideia “fascista”, os traumas que esta lhe provoca, não se preocupando sequer em saber se tem, em termos históricos, algo a ver com a revolução dos “arditi”. A outra “direita”, esclerosada, fora do tempo, metafísicamente reaccionária, saudosista (saudosista do Poder personalizado, das formas, das estruturas) olha para o “fascismo-movimento” como algo de sacrílego, perigoso e completamente estranho ao seu velho mundo (que se esforça por recuperar sem saber que já não existe).
Há ainda os que, por cegueira, doentio romantismo e incapacidade de enquadramento histórico, não se apercebem que, a surgir qualquer realidade diferente e contestatária dos actuais sistemas de organização, ela nunca poderá adquirir um morfismo passadista. Porque é, por definição, nova e de concepção humana, não podendo pois comandar a história, e por uma intervenção “deus ex machina”, fazê-la retrogredir.
As revoluções são-no, precisamente porque sabem cortar com o passado, em nome de uma nova ordem: podem respeitar a tradição, mas isso só significa renovação e caminho, como observava Ortega. A reprodução mórbida do passado pode ser simples “folclore”, alarido reaccionário, atitude de uma casta frágil e irrealista. Não é, de certeza, a verdadeira revolução.
Esta a contradição em que podem cair os “históricos” de todos os quadrantes, “incondicionais” e apressados: pensando trazer um sopro novo de vida, estão já, sem o saberem, na morada dos mortos, mimando o Nada.
NUNO ROGEIRO
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sábado, janeiro 29, 2005
PERMANECER PARA CRIAR
Seja onde for que se manifeste qualquer maioria abdicando ou abandonando as atitudes e as ideias justas, nunca renegaremos os nossos princípios nem nos desviaremos das nossas convicções. Entendemos que o cumprimento do dever possui uma importância primordial e que é indispensável manter um testemunho inteiro da verdade. Desdenhamos do relativismo, tão corrente e crescente onde seria de estranhar que ele se instalasse. Recusamo-nos ao extraordinário acervo de contradições, de desnecessários e duvidosos realismos, de pressurosas adaptações.
Consideramos que certas posições representam uma forma de fatalismo, uma submissão a quanto nomeiam de irreversível (com extensões e funduras espantosas). Assim, praticam uma justificação de tudo aquilo e contribuem, afinal, para solidificar o que seria desejável que não se tivesse instalado e que seria meritório fazer todo o possível para abalar e - quem sabe? - derrubar. Por falta de intransigência, de constância, de acorrer aos postos de combate e aí permanecer, cada um de vários ou de muitos instaura um clima de deserção, de tibieza, de abastardamento; em vez de, pelo contrário, aumentar, intensificar e expandir a firmeza, a fé e o espirito de sacrifício. No meio da descrença geral, vão desaparecendo e renunciando os que deviam ser inamovíveis focos de resistência e luta.
Queremos apelar aos nacionalistas, para que reflictam e mergulhem bem no íntimo propulsor dos actos maiores. Quem se corrige pauta-se pela regra; quem se pauta pela regra regula-se; quem se regula torna-se semelhante ao rei e propriamente um rei.
Confessar um erro e emendar-se dele é nobre. Perseverar no erro é diabólico. Quando o espirito está afectado, a epidemia grassa: eis a porta aberta à morte e à possessão.
Em lugar do pequeno maquiavelismo, do jogo da alta-baixa política, preferimos a irredutibilidade dos que querem permanecer na honra, iguais a si mesmos e ao que os ultrapassa, ao que foi timbre e herança do passado e que cumpre transmitir ao futuro; como depositários, guardando as sementes e, na medida total das nossas capacidades, deitando-as à terra que laborarmos.
Afirmamos ainda que esta atitude de idealismo e de pretenso "irrealismo" tem uma função vital e decisiva na construção da realidade (que não se limita a mero dado), assumindo, pois, um carácter também realista.
Não nos remetemos à condição de resignados. Não nos curvamos ao jugo e à desculpa duma condenação. Acompanhando e confirmando a declaração de outros, não julgamos ser apenas os últimos de hoje; "afrontosamente", sustentamos ser os primeiros de amanhã.
As nossas recusas provêm do irrecusável, da aceitação de responsabilidades incómodas. As nossas rejeições traduzem um modo de assumir. Dizemos não, pelo imperativo sim a que estamos ligados. Não nos movemos no indiferentismo, nem com a interesseira prudência, nem por simples negativismo, mas sim na vivência da profunda afirmação.
GOULART NOGUEIRA
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Consideramos que certas posições representam uma forma de fatalismo, uma submissão a quanto nomeiam de irreversível (com extensões e funduras espantosas). Assim, praticam uma justificação de tudo aquilo e contribuem, afinal, para solidificar o que seria desejável que não se tivesse instalado e que seria meritório fazer todo o possível para abalar e - quem sabe? - derrubar. Por falta de intransigência, de constância, de acorrer aos postos de combate e aí permanecer, cada um de vários ou de muitos instaura um clima de deserção, de tibieza, de abastardamento; em vez de, pelo contrário, aumentar, intensificar e expandir a firmeza, a fé e o espirito de sacrifício. No meio da descrença geral, vão desaparecendo e renunciando os que deviam ser inamovíveis focos de resistência e luta.
Queremos apelar aos nacionalistas, para que reflictam e mergulhem bem no íntimo propulsor dos actos maiores. Quem se corrige pauta-se pela regra; quem se pauta pela regra regula-se; quem se regula torna-se semelhante ao rei e propriamente um rei.
Confessar um erro e emendar-se dele é nobre. Perseverar no erro é diabólico. Quando o espirito está afectado, a epidemia grassa: eis a porta aberta à morte e à possessão.
Em lugar do pequeno maquiavelismo, do jogo da alta-baixa política, preferimos a irredutibilidade dos que querem permanecer na honra, iguais a si mesmos e ao que os ultrapassa, ao que foi timbre e herança do passado e que cumpre transmitir ao futuro; como depositários, guardando as sementes e, na medida total das nossas capacidades, deitando-as à terra que laborarmos.
Afirmamos ainda que esta atitude de idealismo e de pretenso "irrealismo" tem uma função vital e decisiva na construção da realidade (que não se limita a mero dado), assumindo, pois, um carácter também realista.
Não nos remetemos à condição de resignados. Não nos curvamos ao jugo e à desculpa duma condenação. Acompanhando e confirmando a declaração de outros, não julgamos ser apenas os últimos de hoje; "afrontosamente", sustentamos ser os primeiros de amanhã.
As nossas recusas provêm do irrecusável, da aceitação de responsabilidades incómodas. As nossas rejeições traduzem um modo de assumir. Dizemos não, pelo imperativo sim a que estamos ligados. Não nos movemos no indiferentismo, nem com a interesseira prudência, nem por simples negativismo, mas sim na vivência da profunda afirmação.
GOULART NOGUEIRA
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A PERSPECTIVA INTEGRAL
O homem nasce primeiro como um herdeiro. Ele não nasce em série, ele nasce dentro de um povo, dentro de uma cultura, dentro de uma dada era, e é desta particular posição em que está que ele será levado a emitir juízos de valor e juízos de facto; (é tão necessário aspirar à objectividade, como quanto teremos que nos resignar que sempre será impossível alcançar uma objectividade total. É impossível considerar “objectivamente” todos os aspectos de um problema, assim como o é olhar a terra de dois pólos ao mesmo tempo).
Nesta relação, as leis que governam as sociedades humanas não diferem muito das leis da microfísica: a posição do observador determina em parte o esboço da “paisagem” estudada.
O que é certo, por outro lado, é que as ideologias, isto é, os modos de ver e conceber o mundo, ainda quando não se associam como tal, não foram sempre conscientes de si próprias como o são hoje, numa era em que já foram grandemente acumuladas e formalizadas numa multidão de sistemas. Esta “súbita preocupação ideológica” é, obviamente, uma consequência directa ou indirecta da revolução de 1789. De facto, logo que o princípio de autoridade que naturalmente governava as sociedades da pré-revolução foi posto em dúvida na sua legitimidade e nos seus fundamentos, tudo o que antes “was going with saying”, tudo o que era espontaneamente considerado como posição integrante de uma “ordem natural”, apareceu como convenção, isto é, como uma criação humana subjectiva, e, em consequência, deparou-se com uma grande quantidade de facções político-ideológicas, pretendendo todas, sucessivamente, possuir uma “nova verdade” e procurando os meios de assegurar o poder para si próprias.
Paralelamente, desde que o Estado se colocou na posição de ser questionado pelas diversas facções, as quais estão aptas a uma tomada do poder de um dia para o outro (como é hoje sabido), vimos, enquanto todo um edifício de contra-poderes era levantado frente ao poder estabelecido, simultaneamente surgir toda uma multiplicação e expansão de pólos de pressão ideológica.
Alain de Benoist
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Nesta relação, as leis que governam as sociedades humanas não diferem muito das leis da microfísica: a posição do observador determina em parte o esboço da “paisagem” estudada.
O que é certo, por outro lado, é que as ideologias, isto é, os modos de ver e conceber o mundo, ainda quando não se associam como tal, não foram sempre conscientes de si próprias como o são hoje, numa era em que já foram grandemente acumuladas e formalizadas numa multidão de sistemas. Esta “súbita preocupação ideológica” é, obviamente, uma consequência directa ou indirecta da revolução de 1789. De facto, logo que o princípio de autoridade que naturalmente governava as sociedades da pré-revolução foi posto em dúvida na sua legitimidade e nos seus fundamentos, tudo o que antes “was going with saying”, tudo o que era espontaneamente considerado como posição integrante de uma “ordem natural”, apareceu como convenção, isto é, como uma criação humana subjectiva, e, em consequência, deparou-se com uma grande quantidade de facções político-ideológicas, pretendendo todas, sucessivamente, possuir uma “nova verdade” e procurando os meios de assegurar o poder para si próprias.
Paralelamente, desde que o Estado se colocou na posição de ser questionado pelas diversas facções, as quais estão aptas a uma tomada do poder de um dia para o outro (como é hoje sabido), vimos, enquanto todo um edifício de contra-poderes era levantado frente ao poder estabelecido, simultaneamente surgir toda uma multiplicação e expansão de pólos de pressão ideológica.
Alain de Benoist
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PARA UMA ALTERNATIVA
A insistência nas causas profundas da crise ou decadência nacional contemporânea - o espírito do arrivismo, oportunismo e amoralismo sistemáticos, de uma classe dirigente sem princípios nem objectivos comunitários - leva à consideração de uma alternativa consubstanciada na restauração, numa perspectiva metapolítica, de uma ética e de uma concepção do mundo, do Estado, da Sociedade, como corpo de valores anterior â formulação pragmática das soluções. Mas esta ética ou concepção metapolítica não pode ser confundida nem com uma ideologia - uma mundivisão com tendência para o reducionismo e para o receituário programático geral - e ainda menos com uma cartilha de postulados preceituais, que encerram, magicamente, a verdade das verdades. A vivência ética do Estado e da Política não se corporiza nem espartilha em dogmas ou vademecuns, mas realiza-se na pesquisa e na realização existencial dos Valores, admitindo a prova contraditória e aceitando o juízo e a sanção da comunidade.
A reforma (ou revolução) intelectual e moral do País é, pois, a condição sine qua non, da restauração nacional. Assim como as falsas concepções e os pseudovalores trouxeram a dependência e a decadência, assim as perspectivas de uma política do real hão-de trazer o quadro mental para as soluções.
Tendo uma opção de teoria e valor, a sua dinamização social e comunitária depende dos seus suportes humanos, entendidos como os núcleos de intelectuais, de quadros, de militantes, de cidadãos activos e capazes de entrega e de serviço. Nesta pista haverá que procurar naqueles grupos que fizeram a prova de fogo da generosidade e da dádiva cívicas - como os combatentes - ou que por condição geracional estão libertos da teia manipuladora e paralisante das dependências e interesses criados - como os jovens - a massa crítica de recrutamento dos elementos para uma acção política renovadora. Os núcleos de mobilização e aglutinação de tais forças - ligas, núcleos universitários, movimentos - deverão ser dinamizados e projectada a sua acção numa perspectiva independente mas de convergência unitária, com base num projecto que seja em princípios, em valores e em estilo frontalmente distinto e alternativo à classe política.
A crise nacional tem também, na sua raiz, uma «traição dos intelectuais». Muitos dos mandarins e literatos empenharam-se,, no contrapoder e no grupo de pressão marxizante e, no seio do actual regime, constituíram lobbies que se anicham nos media, nos institutos e nos centros de poder e intoxicação da mediocracia partidocrática, contribuindo para manutenção do statu quo onde, ao lado de tecnocratas e burocratas do sector público e da direcção político-económica do sistema, participam na classe política. Que os intelectuais patriotas e independentes, dentro e fora da Universidade, constituam o contrapoder e a contracultura do sistema, contribuindo para revolução cultural nacional, eis a resposta ao sistema e o seu modo ideal de servir. E numa época propícia, já que, por todo o mundo euro-americano (e entre nós por reflexo) se observa uma decadência do modelo evolutivo e das suas várias versões, que só têm servido para aprisionar ou empobrecer os povos, e uma expectativa de regresso ou instauração das grandes certezas e valores comunitários.
O tempo é escasso e os perigos múltiplos nesta década e meia que nos separa do milénio. Entregues a uma alternativa diabólica dentro do regime - entre os moderados thermidorianos que, cada vez mais isolados ocupam o poder, e os maximalistas radicais que já entraram nos caminhos da desestabilização e da conspiração para o assalto ao Estado - todos os portugueses, patriotas e independentes, que cuidam do bem da Pátria, da continuidade da Família, da defesa das liberdades reais, têm de intervir, com disciplina, com lucidez e com coragem na vida pública, sacrificando os seus gostos e as suas repugnâncias circunstanciais, para cumprir o seu dever.
Só assim sobreviveremos como Nação; só assim podemos continuar como homens livres.
Jaime Nogueira Pinto (em 1985)
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A reforma (ou revolução) intelectual e moral do País é, pois, a condição sine qua non, da restauração nacional. Assim como as falsas concepções e os pseudovalores trouxeram a dependência e a decadência, assim as perspectivas de uma política do real hão-de trazer o quadro mental para as soluções.
Tendo uma opção de teoria e valor, a sua dinamização social e comunitária depende dos seus suportes humanos, entendidos como os núcleos de intelectuais, de quadros, de militantes, de cidadãos activos e capazes de entrega e de serviço. Nesta pista haverá que procurar naqueles grupos que fizeram a prova de fogo da generosidade e da dádiva cívicas - como os combatentes - ou que por condição geracional estão libertos da teia manipuladora e paralisante das dependências e interesses criados - como os jovens - a massa crítica de recrutamento dos elementos para uma acção política renovadora. Os núcleos de mobilização e aglutinação de tais forças - ligas, núcleos universitários, movimentos - deverão ser dinamizados e projectada a sua acção numa perspectiva independente mas de convergência unitária, com base num projecto que seja em princípios, em valores e em estilo frontalmente distinto e alternativo à classe política.
A crise nacional tem também, na sua raiz, uma «traição dos intelectuais». Muitos dos mandarins e literatos empenharam-se,, no contrapoder e no grupo de pressão marxizante e, no seio do actual regime, constituíram lobbies que se anicham nos media, nos institutos e nos centros de poder e intoxicação da mediocracia partidocrática, contribuindo para manutenção do statu quo onde, ao lado de tecnocratas e burocratas do sector público e da direcção político-económica do sistema, participam na classe política. Que os intelectuais patriotas e independentes, dentro e fora da Universidade, constituam o contrapoder e a contracultura do sistema, contribuindo para revolução cultural nacional, eis a resposta ao sistema e o seu modo ideal de servir. E numa época propícia, já que, por todo o mundo euro-americano (e entre nós por reflexo) se observa uma decadência do modelo evolutivo e das suas várias versões, que só têm servido para aprisionar ou empobrecer os povos, e uma expectativa de regresso ou instauração das grandes certezas e valores comunitários.
O tempo é escasso e os perigos múltiplos nesta década e meia que nos separa do milénio. Entregues a uma alternativa diabólica dentro do regime - entre os moderados thermidorianos que, cada vez mais isolados ocupam o poder, e os maximalistas radicais que já entraram nos caminhos da desestabilização e da conspiração para o assalto ao Estado - todos os portugueses, patriotas e independentes, que cuidam do bem da Pátria, da continuidade da Família, da defesa das liberdades reais, têm de intervir, com disciplina, com lucidez e com coragem na vida pública, sacrificando os seus gostos e as suas repugnâncias circunstanciais, para cumprir o seu dever.
Só assim sobreviveremos como Nação; só assim podemos continuar como homens livres.
Jaime Nogueira Pinto (em 1985)
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sexta-feira, janeiro 28, 2005
A escola e a política
"Penso que aquela corrente a que geralmente chamamos Esquerda ou Extrema-Esquerda, teve o mérito de ter sido a primeira a tomar consciência da realidade estrutural da inter-conexão de todos os sectores da mente e da actividade e, consequentemente, da realidade da impregnação ideológica destes sectores. A chamada Direita, pelo contrário, conservou-se durante bastante tempo prisioneira da ideia ilusória de que havia sectores “neutros” - ou (de um modo ligeiramente diferente) de que era possível voltar à situação anterior, na qual um consenso implícito era alcançável nestes sectores. Temos em França um bom exemplo dessa diferença de atitudes no campo da educação. Enquanto a extrema-esquerda se vai apossando de um importante número de posições-chave na educação secundária e universitária, a direita nada mais faz do que lastimar a “politização da escola”, que aparece de facto como irreversível (e que está hoje especialmente aberta ao criticismo porque é unilateral).
Aquilo que, no debate intelectual, fez a superioridade metodológica do esquerdista, foi ele ter sabido (e continuar a saber) o que cada um tem que pensar, do seu ponto de vista, em tópicos que são, à primeira vista tão diferentes como as relações de produção na Idade Média, a pintura abstracta, a invenção do cinema, o “Design” de “Mass Housing”, a genética molecular ou a teoria “Quantum” (ou pelo menos ele sabia que neste, como em qualquer outro tópico, a doutrina que ele tinha como sua, tinha uma palavra a dizer). A Direita pelo contrário não entendeu que não havia “verdades da ala direita” e “verdades da ala esquerda”, mas sim, caminhos de direita e de esquerda (para mais uma vez utilizar expressões convencionais) com o fim de calcular os factos admitidos, adquiridos pela mudança de conhecimento, organizando-os, colocando-os numa perspectiva particular que lhes dará igualmente um significado particular.
E é provavelmente a razão porque a esquerda e extrema-esquerda acertaram sempre mais sistematicamente na teorização, na formalização do seu “Approach” epistemológico e doutrinário, na criação de um corpus ideológico, útil para ser usado como referência em discussões posteriores.
Quer isto dizer que não há “ideologia da ala direita”? Claro que não. Mas em muitos casos, poderíamos afirmar que esta ideologia apenas existe por dentro, de uma maneira implícita. A direita ignora muitas vezes as suas potencialidades; muito raramente teve noção de todas as implicações das suas próprias aspirações. A sua “mensagem” está presente mas não explícita. Todo o trabalho, agora, consiste em trazê-la à superfície."
ALAIN DE BENOIST
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Aquilo que, no debate intelectual, fez a superioridade metodológica do esquerdista, foi ele ter sabido (e continuar a saber) o que cada um tem que pensar, do seu ponto de vista, em tópicos que são, à primeira vista tão diferentes como as relações de produção na Idade Média, a pintura abstracta, a invenção do cinema, o “Design” de “Mass Housing”, a genética molecular ou a teoria “Quantum” (ou pelo menos ele sabia que neste, como em qualquer outro tópico, a doutrina que ele tinha como sua, tinha uma palavra a dizer). A Direita pelo contrário não entendeu que não havia “verdades da ala direita” e “verdades da ala esquerda”, mas sim, caminhos de direita e de esquerda (para mais uma vez utilizar expressões convencionais) com o fim de calcular os factos admitidos, adquiridos pela mudança de conhecimento, organizando-os, colocando-os numa perspectiva particular que lhes dará igualmente um significado particular.
E é provavelmente a razão porque a esquerda e extrema-esquerda acertaram sempre mais sistematicamente na teorização, na formalização do seu “Approach” epistemológico e doutrinário, na criação de um corpus ideológico, útil para ser usado como referência em discussões posteriores.
Quer isto dizer que não há “ideologia da ala direita”? Claro que não. Mas em muitos casos, poderíamos afirmar que esta ideologia apenas existe por dentro, de uma maneira implícita. A direita ignora muitas vezes as suas potencialidades; muito raramente teve noção de todas as implicações das suas próprias aspirações. A sua “mensagem” está presente mas não explícita. Todo o trabalho, agora, consiste em trazê-la à superfície."
ALAIN DE BENOIST
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NOVA DIREITA - OS NÓS DA QUESTÃO
"Nova Direita" é uma designação inventada pela esquerda francesa. Mas que foi aceite, ao menos como bandeira provocadora. A realidade das ideias é mais complexa e deve ser situada com mais rigor.
Se me perguntassem sobre o que entendia como Nova Direita, diria muito simplesmente - e não há como ousar definições para a gente entender-se de uma vez para sempre - que poderemos defini-la como a Direita que avançando para um diálogo com a Ciência e incorporando novas áreas de preocupação, veio a confirmar cientificamente noções que já eram património da Direita tout-court. Ou seja: a “Nova Direita” trouxe à Direita a confirmação científica das suas principais noções. Pela atenção dada aos novos ramos de investigação, os autores que se reclamam da Nova Direita vêm dizer à Direita que as novas descobertas da Ciência confirmam os seus princípios fundamentais e que não há nada a temer - antes pelo contrário - do que se vai descobrindo no campo científico.
As noções de território, hierarquia, pessimismo sobre a natureza humana, desigualdade, totalidade, unidade orgânica, ganharam nova confirmação através dos trabalhos desenvolvidos pelas Ciências que se situam na vanguarda da investigação, desde a Etologia e a Genética das Populações, à Física Teórica e à Teoria Geral dos Sistemas.
“Diálogo com a Ciência” não quer dizer “cientismo” e é importante distinguir-se para poder responder a algumas observações que justificadamente se têm feito e a que não se tem dado a resposta pertinente.
Não se trata de culto da Ciência pela Ciência pois, a ser assim, cairíamos num reducionismo e num relativismo que levariam a erigir a descoberta de cada momento na verdade absoluta, passível, também a todo o instante, de ser revogada. Dar-se-ia o caso de haver descobertas que hoje postulam ou confirmam princípios da Direita, e amanhã logo as impugnam, porque novos dados contestariam o que hoje se tinha como certo e irrefutável.
Trata-se, tão só - ao contrário do que tem sido comum às teorias políticas tanto da esquerda como da direita - de dar atenção ao universo científico, recolhendo - por parte da Direita - a decantação que se vai fazendo e registando dos eixos fundamentais da investigação que se processa.
É sabido - ou deveria sê-lo - como a Mecânica Analítica, teorizada no século XVIII, repercutiu em todo o pensamento que se lhe seguiu, da Ciência à Política, e como a noção de substância fundou todo o conhecimento posterior. Postas em causa uma e outra, surgida a noção de campo, implementada desde a Teoria do Campo Electromagnético até à do Campo Unificado, que a Física Teórica mais avançada desenvolve, é lógico que a sua repercussão nos vários ramos do Saber terá de se sentir. E isto é verdade para uma série de outras noções que o património científico vai adquirindo e que também inevitavelmente acarretará sequências no plano doutrinário.
Divulgar e sintetizar
Quando Konrad Lorenz formulou os princípios fundamentais da Etologia partiu da recolha prévia de dados fornecidos por variados investigadores que trabalhavam, cada um, no seu campo particular de pesquisa. Um dedicava-se ao estudo dos macacos lemures. Outro a certa espécie de pássaro, aquele mais além virava-se para o estudo dos gorilas no Jardim Zoológico de Londres, e por aí adiante. A difusão destes conhecimentos, a sua divulgação feita por Lorenz, levou a criar--se uma corrente muito forte de interesse pela investigação do comportamento animal, de que nasceria uma nova síntese, pois a divulgação feita por Lorenz eclodiria necessariamente num novo enquadramento uma vez que a perspectiva com que esses trabalhos eram apresentados eram só uma e a mesma.
Como se sabe, não há divulgação atomística; há sempre uma ordenação prévia que acaba por hierarquizar os dados fornecidos dando-lhes, mais tarde ou mais cedo, nova animação.
Foi exactamente isto que sucedeu com os trabalhos de Alain de Benoist e é desde esta perspectiva que tem de ser analisada a sua “Antologia das Ideias Contemporâneas”, vista desde o ponto de vista da Direita. Não quero dizer com isto que desses trabalhos saia toda uma nova ciência ou uma nova filosofia; o que eu quero dizer é que está subjacente uma visão e uma ordenação que permitem estabelecer o trânsito da simples divulgação para a teoria, para o pensamento, que vem integrar novos dados num fundo que é permanente.
É neste plano que deve ser analisada a sua obra, e não noutro. E é neste plano que a minha geração lhe deve um serviço inestimável, eliminando certos preconceitos e evitando que caíssemos na perniciosa e tradicional alergia da Direita à Ciência, provando, pelo contrário, que nada temos a ver com o campo arqueológico vastíssimo que ainda é o pensamento político institucionalizado e vigente.
José Valle de Figueiredo
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Se me perguntassem sobre o que entendia como Nova Direita, diria muito simplesmente - e não há como ousar definições para a gente entender-se de uma vez para sempre - que poderemos defini-la como a Direita que avançando para um diálogo com a Ciência e incorporando novas áreas de preocupação, veio a confirmar cientificamente noções que já eram património da Direita tout-court. Ou seja: a “Nova Direita” trouxe à Direita a confirmação científica das suas principais noções. Pela atenção dada aos novos ramos de investigação, os autores que se reclamam da Nova Direita vêm dizer à Direita que as novas descobertas da Ciência confirmam os seus princípios fundamentais e que não há nada a temer - antes pelo contrário - do que se vai descobrindo no campo científico.
As noções de território, hierarquia, pessimismo sobre a natureza humana, desigualdade, totalidade, unidade orgânica, ganharam nova confirmação através dos trabalhos desenvolvidos pelas Ciências que se situam na vanguarda da investigação, desde a Etologia e a Genética das Populações, à Física Teórica e à Teoria Geral dos Sistemas.
“Diálogo com a Ciência” não quer dizer “cientismo” e é importante distinguir-se para poder responder a algumas observações que justificadamente se têm feito e a que não se tem dado a resposta pertinente.
Não se trata de culto da Ciência pela Ciência pois, a ser assim, cairíamos num reducionismo e num relativismo que levariam a erigir a descoberta de cada momento na verdade absoluta, passível, também a todo o instante, de ser revogada. Dar-se-ia o caso de haver descobertas que hoje postulam ou confirmam princípios da Direita, e amanhã logo as impugnam, porque novos dados contestariam o que hoje se tinha como certo e irrefutável.
Trata-se, tão só - ao contrário do que tem sido comum às teorias políticas tanto da esquerda como da direita - de dar atenção ao universo científico, recolhendo - por parte da Direita - a decantação que se vai fazendo e registando dos eixos fundamentais da investigação que se processa.
É sabido - ou deveria sê-lo - como a Mecânica Analítica, teorizada no século XVIII, repercutiu em todo o pensamento que se lhe seguiu, da Ciência à Política, e como a noção de substância fundou todo o conhecimento posterior. Postas em causa uma e outra, surgida a noção de campo, implementada desde a Teoria do Campo Electromagnético até à do Campo Unificado, que a Física Teórica mais avançada desenvolve, é lógico que a sua repercussão nos vários ramos do Saber terá de se sentir. E isto é verdade para uma série de outras noções que o património científico vai adquirindo e que também inevitavelmente acarretará sequências no plano doutrinário.
Divulgar e sintetizar
Quando Konrad Lorenz formulou os princípios fundamentais da Etologia partiu da recolha prévia de dados fornecidos por variados investigadores que trabalhavam, cada um, no seu campo particular de pesquisa. Um dedicava-se ao estudo dos macacos lemures. Outro a certa espécie de pássaro, aquele mais além virava-se para o estudo dos gorilas no Jardim Zoológico de Londres, e por aí adiante. A difusão destes conhecimentos, a sua divulgação feita por Lorenz, levou a criar--se uma corrente muito forte de interesse pela investigação do comportamento animal, de que nasceria uma nova síntese, pois a divulgação feita por Lorenz eclodiria necessariamente num novo enquadramento uma vez que a perspectiva com que esses trabalhos eram apresentados eram só uma e a mesma.
Como se sabe, não há divulgação atomística; há sempre uma ordenação prévia que acaba por hierarquizar os dados fornecidos dando-lhes, mais tarde ou mais cedo, nova animação.
Foi exactamente isto que sucedeu com os trabalhos de Alain de Benoist e é desde esta perspectiva que tem de ser analisada a sua “Antologia das Ideias Contemporâneas”, vista desde o ponto de vista da Direita. Não quero dizer com isto que desses trabalhos saia toda uma nova ciência ou uma nova filosofia; o que eu quero dizer é que está subjacente uma visão e uma ordenação que permitem estabelecer o trânsito da simples divulgação para a teoria, para o pensamento, que vem integrar novos dados num fundo que é permanente.
É neste plano que deve ser analisada a sua obra, e não noutro. E é neste plano que a minha geração lhe deve um serviço inestimável, eliminando certos preconceitos e evitando que caíssemos na perniciosa e tradicional alergia da Direita à Ciência, provando, pelo contrário, que nada temos a ver com o campo arqueológico vastíssimo que ainda é o pensamento político institucionalizado e vigente.
José Valle de Figueiredo
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O Problema da Filosofia Portuguesa
«Tudo depende não de aclimatar, não de continuar, mas de recomeçar uma tradição; tudo depende da eleição de um ponto de partida e da acção de um escol que venha a revelar em actual expressão ontológica o pensamento implícito nos documentos teológicos, políticos e literários que assinalam os decisivos passos da vida do nosso povo, e que venha a formular em sistema ou sistemas a filosofia própria da fisionomia nacional.»
(Álvaro Ribeiro, 1943)
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(Álvaro Ribeiro, 1943)
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quinta-feira, janeiro 27, 2005
Memória-Pamiat
Conheça um sítio inteiramente dedicado à denúncia dos crimes do comunismo. Informe-se! Visite e divulgue Memória-Pamiat.
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REFLEXÃO SOBRE A ELITE
A desigualdade individual origina no plano social uma divisão entre fortes e fracos, já constatada por Duguit. Os fortes capturam os poderes sociais (político, ideológico, económico) e governam a maioria da população. É o fenómeno das elites dirigentes e dominantes, da hierarquia, que tão bem evidencia a análise da sociedade animal. A reflexão mais desapaixonada sobre esta matéria foi efectuada pela escola sociológica italiana, com Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Roberto Michels. Estes autores provaram a perenidade da minoria, a minoria poderosa, que impõe a sua vontade sobre a maioria dando-lhe a impressão de ser ela a decidir e a governar.
Analisando a sociedade e o homem tal como eles são, estes autores anteciparam-se de quase meio século às realidades científicas do nosso tempo. Identificaram correctamente os detentores do poder real e formularam as leis segundo as quais decorre a disputa da força. Identificaram igualmente as justificações mais ou menos elaboradas que a minoria criou para o seu poderio e chamaram-lhe fórmula política. Dizer que o poder lhe vem de Deus, ou do Povo, ou que é do autocrata a título de conquista, são tudo razões óptimas desde que operem e cumpram a sua função justificativa. Acontece que hoje as fórmulas políticas são as ideologias e nelas não há, como se viu, o menor grão de credibilidade. Está por nascer a fórmula política do nosso tempo, que reduza democracia e socialismo, social-democracia e marxismo, a meros trastes velhos da história da pulhice do homo sapiens.
Os autores que situam correctamente estes problemas numa análise neomaquiavelista são poucos. Todos ainda preferem as visões românticas e penetradas pela ideologia, justificativas em última análise do poder da minoria actuante ou da minoria que aspira ao poder. Contudo, com o desaparecimento desses grandes vultos do pensamento político, não é menos certo que ficaram certos autores que importa conhecer e que reflectem, na Teoria Política, a revolução intelectual a que se assiste noutros campos do saber. Carl Schmitt, o velho professor alemão, James Burnham, Wright Mills e Julien Freund, chegam para assegurar um exercício impecável em matéria de realismo político e transparência de concepção.
As minorias, portanto, longe de se confundirem com a multidão, são pela sua organização e coerência o único fermento social de mudança e poder. Só caem para ceder o lugar a outras, de modo que a História não passa de um velho e enorme cemitério de oligarquias. A lei de ferro da oligarquia, formulada por Michels, apenas se faz eco desta constatação empírica, tão desagradável aos doentes do igualitarismo acéfalo, fervorosos crentes no alibi da tábua rasa.
António Marques Bessa (in "Ensaio sobre o Fim da Nossa Idade")
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Analisando a sociedade e o homem tal como eles são, estes autores anteciparam-se de quase meio século às realidades científicas do nosso tempo. Identificaram correctamente os detentores do poder real e formularam as leis segundo as quais decorre a disputa da força. Identificaram igualmente as justificações mais ou menos elaboradas que a minoria criou para o seu poderio e chamaram-lhe fórmula política. Dizer que o poder lhe vem de Deus, ou do Povo, ou que é do autocrata a título de conquista, são tudo razões óptimas desde que operem e cumpram a sua função justificativa. Acontece que hoje as fórmulas políticas são as ideologias e nelas não há, como se viu, o menor grão de credibilidade. Está por nascer a fórmula política do nosso tempo, que reduza democracia e socialismo, social-democracia e marxismo, a meros trastes velhos da história da pulhice do homo sapiens.
Os autores que situam correctamente estes problemas numa análise neomaquiavelista são poucos. Todos ainda preferem as visões românticas e penetradas pela ideologia, justificativas em última análise do poder da minoria actuante ou da minoria que aspira ao poder. Contudo, com o desaparecimento desses grandes vultos do pensamento político, não é menos certo que ficaram certos autores que importa conhecer e que reflectem, na Teoria Política, a revolução intelectual a que se assiste noutros campos do saber. Carl Schmitt, o velho professor alemão, James Burnham, Wright Mills e Julien Freund, chegam para assegurar um exercício impecável em matéria de realismo político e transparência de concepção.
As minorias, portanto, longe de se confundirem com a multidão, são pela sua organização e coerência o único fermento social de mudança e poder. Só caem para ceder o lugar a outras, de modo que a História não passa de um velho e enorme cemitério de oligarquias. A lei de ferro da oligarquia, formulada por Michels, apenas se faz eco desta constatação empírica, tão desagradável aos doentes do igualitarismo acéfalo, fervorosos crentes no alibi da tábua rasa.
António Marques Bessa (in "Ensaio sobre o Fim da Nossa Idade")
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Portugal Sempre!
Surgiu também actualizado com novos textos o Portal Nacionalista, um lugar onde se compreendeu que a batalha das ideias é um combate de longo prazo - onde se semeia hoje para colher amanhã.
Longe dos imediatismos e das pequenas vaidades, o nacionalismo do futuro é aquele que for capaz de ir doutrinando e mentalizando os que farão a sociedade de amanhã, num trabalho todo feito de persistência e continuidade.
Para aguentar e ultrapassar as contrariedades do presente é preciso olhar sempre para o essencial, para as grandes causas e para as metas a atingir, sem perder tempo e energias em escaramuças e questiúnculas insignificantes que só têm relevo na brevidade fugaz do momento que passa.
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Longe dos imediatismos e das pequenas vaidades, o nacionalismo do futuro é aquele que for capaz de ir doutrinando e mentalizando os que farão a sociedade de amanhã, num trabalho todo feito de persistência e continuidade.
Para aguentar e ultrapassar as contrariedades do presente é preciso olhar sempre para o essencial, para as grandes causas e para as metas a atingir, sem perder tempo e energias em escaramuças e questiúnculas insignificantes que só têm relevo na brevidade fugaz do momento que passa.
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ECONAC
Surgiu actualizado e enriquecido com mais textos o Portal ECONAC.
É assim mesmo, temos que continuar, trabalhar mais e mais, sem desfalecimentos nem hesitações, nem cedências a estados de espírito momentâneos.
Com os olhos no futuro, e não em mesquinhices do presente.
E quando digo trabalhar quero dizer naturalmente que se impõe trabalhar usando a cabeça - concretamente, a parte de dentro dela.
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É assim mesmo, temos que continuar, trabalhar mais e mais, sem desfalecimentos nem hesitações, nem cedências a estados de espírito momentâneos.
Com os olhos no futuro, e não em mesquinhices do presente.
E quando digo trabalhar quero dizer naturalmente que se impõe trabalhar usando a cabeça - concretamente, a parte de dentro dela.
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quarta-feira, janeiro 26, 2005
Apontamento breve sobre acção política na net e fora dela
Estive a dar uma volta pelos blogues, portais e sítios de orientação nacionalista que conheço.
Sabem todos como sempre defendi a necessidade premente da sua criação, e como insisti na prioridade da internet como espaço e meio de afirmação das forças nacionais.
Consequentemente, alegro-me com o aparecimento de mais e mais locais mantidos por gente que se situa nessa área política.
Mas deste exame breve não posso deixar de registar de imediato uma observação negativa: com grande frequência, com espantosa frequência, dado que o problema era conhecido de antemão, muitos dos responsáveis estão a deixar-se cair no vício usual de falar para dentro. De falar exclusivamente para dentro. Fecham o círculo e estão a trabalhar como quem dialoga entre os seu pequeno grupo. Há blogues cujo conteúdo na sua totalidade é quase só compreensível pelos conhecidos do autor.
E esta armadilha era perfeitamente conhecida, como já disse; como explicar que tantos ainda assim não resistam à tentação, e caiam na esparrela de se dedicar inteiramente a conversas em família, por vezes até a lavagem de roupa suja, entrem em diálogos particulares em ritmo de pingue-pongue, acabem por resumir os seus blogues a conversa entre compadres, quando não a conversa de comadres?
Não estou a criticar este ou aquele (se fosse esse o caso comunicava por mensagem privada), mas faço questão de fazer desde já este reparo, para a geral, a algo que me parece grave.
Com efeito, deste modo todo o trabalho será um exercício inútil e dispensável.
Naturalmente que cada um faz o que melhor entende; mas pela minha parte não posso em consciência deixar de consignar aqui que política não é isso, e que por esse caminho ninguém chegará a lado nenhum.
O que se precisava era de falar para fora, de alargar o universo atingido, de comunicar e dialogar com os outros (os que não são nada, ou simplesmente não são dos nossos, ou são mesmo dos outros).
Visar o conjunto da sociedade, criar e solidificar raízes nela, e não alimentar uma cultura de guetto fechado e virado para dentro.
E chega. Parece-me tudo isto tão evidente e elementar que até deveria ser dispensável repetir. Mas como se constata não é assim.
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Sabem todos como sempre defendi a necessidade premente da sua criação, e como insisti na prioridade da internet como espaço e meio de afirmação das forças nacionais.
Consequentemente, alegro-me com o aparecimento de mais e mais locais mantidos por gente que se situa nessa área política.
Mas deste exame breve não posso deixar de registar de imediato uma observação negativa: com grande frequência, com espantosa frequência, dado que o problema era conhecido de antemão, muitos dos responsáveis estão a deixar-se cair no vício usual de falar para dentro. De falar exclusivamente para dentro. Fecham o círculo e estão a trabalhar como quem dialoga entre os seu pequeno grupo. Há blogues cujo conteúdo na sua totalidade é quase só compreensível pelos conhecidos do autor.
E esta armadilha era perfeitamente conhecida, como já disse; como explicar que tantos ainda assim não resistam à tentação, e caiam na esparrela de se dedicar inteiramente a conversas em família, por vezes até a lavagem de roupa suja, entrem em diálogos particulares em ritmo de pingue-pongue, acabem por resumir os seus blogues a conversa entre compadres, quando não a conversa de comadres?
Não estou a criticar este ou aquele (se fosse esse o caso comunicava por mensagem privada), mas faço questão de fazer desde já este reparo, para a geral, a algo que me parece grave.
Com efeito, deste modo todo o trabalho será um exercício inútil e dispensável.
Naturalmente que cada um faz o que melhor entende; mas pela minha parte não posso em consciência deixar de consignar aqui que política não é isso, e que por esse caminho ninguém chegará a lado nenhum.
O que se precisava era de falar para fora, de alargar o universo atingido, de comunicar e dialogar com os outros (os que não são nada, ou simplesmente não são dos nossos, ou são mesmo dos outros).
Visar o conjunto da sociedade, criar e solidificar raízes nela, e não alimentar uma cultura de guetto fechado e virado para dentro.
E chega. Parece-me tudo isto tão evidente e elementar que até deveria ser dispensável repetir. Mas como se constata não é assim.
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Jantar-concerto dedicado a Rodrigo Emílio
No próximo sábado, 29 de Janeiro, pelas 20.30 horas, realiza-se um jantar-concerto com a presença do cantor e compositor José Campos e Sousa, dedicado à poesia e à personalidade de Rodrigo Emílio.
O evento decorrerá num restaurante de Lisboa, e as inscrições podem ser feitas para o Nova Frente, ou por mail para novafrente@clix.pt ou ainda através do tel. 961221530.
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O evento decorrerá num restaurante de Lisboa, e as inscrições podem ser feitas para o Nova Frente, ou por mail para novafrente@clix.pt ou ainda através do tel. 961221530.
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terça-feira, janeiro 25, 2005
Alarga-se a blogosfera nacional
Uma nova onda de blogues está a dar nova vida à zona nacional.
Só nestes últimos dias apareceram o PNR-Europa, nascido no âmbito da capanha da lista do círculo da Europa do PNR, e ainda O Prepotente, este com sede no Norte do país, e o Honra, Orgulho, Glória, que não sei onde é feito.
Mais três para acrescentar às vossas ligações.
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Só nestes últimos dias apareceram o PNR-Europa, nascido no âmbito da capanha da lista do círculo da Europa do PNR, e ainda O Prepotente, este com sede no Norte do país, e o Honra, Orgulho, Glória, que não sei onde é feito.
Mais três para acrescentar às vossas ligações.
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"ORIENTAMENTI"
Na tradução do Prof. António José de Brito, do seu livro "Para a compreensão do fascismo", editado na "Nova Arrancada", publico hoje as célebres directrizes de Julius Evola, ou "Orientamenti".
Aí fica para reprodução e impressão o texto do grande filósofo italiano.
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Aí fica para reprodução e impressão o texto do grande filósofo italiano.
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DIRECTRIZES
1. É inútil procurar iludir-se com as quimeras de qualquer optimismo: estamos hoje no final de um ciclo. Desde há séculos, insensivelmente primeiro, depois, como o movimento de uma massa que desaba, processos múltiplos destruíram no Ocidente todo o ordenamento normal e legítimo dos homens, falsearam toda a concepção elevada do viver, do agir, do conhecer e do combater. Ao movimento dessa queda, à sua velocidade, à sua vertigem, chamou-se “progresso”. Ao “progresso” foram dedicados hinos e supôs-se enganosamente que esta civilização — civilização de matéria e de máquinas — fosse a civilização por excelência, aquela a que toda a história do mundo estava pré-ordenada: até que as consequências últimas de todo o processo se manifestaram tais, que impuseram a alguns um despertar.
Sabe-se onde e sob que símbolos procuraram organizar-se as forças para uma possível resistência. De um lado, uma nação que, desde que se tornara una, só conheceu o clima medíocre do liberalismo, da democracia e da monarquia constitucional, ousou retomar o símbolo de Roma como base para uma nova concepção política e um novo ideal de virilidade e de dignidade. Forças análogas despertaram na nação que, na Idade Média, tinha tornado seu o símbolo romano do Imperium para reafirmar o princípio de autoridade e o primado de todos aqueles valores que no sangue, na raça, nos instintos mais profundos de uma estirpe, têm a sua raíz. E, enquanto noutras nações europeias se orientavam grupos no mesmo sentido, uma terceira força se juntava a essas fileiras no continente asiático, a nação dos Samurais, na qual a adopção das formas exteriores da civilização moderna não tinha afectado a fidelidade a uma tradição guerreira centrada no símbolo do império solar de direito divino.
Não pretendemos que nessas correntes houvesse uma distinção bem nítida entre o essencial e o acessório, que às ideias se fizessem corresponder adequadas convicções e qualificações nas pessoas, que fossem superadas influências várias provenientes das próprias forças que aquelas deviam combater. O processo de purificação ideológica teria tido lugar num segundo tempo, uma vez resolvidos alguns problemas políticos imediatos e improrrogáveis. Mas mesmo assim, era claro que estava a tomar forma uma concentração de forças que representava um desafio aberto à civilização “moderna”: a da democracia herdeira da revolução francesa e a outra, representando o limite extremo da degradação do homem ocidental: a civilização colectivista do Quarto Estado, a civilização proletária do homem-massa sem rosto. Os ritmos aceleraram-se, as tensões cresceram até ao choque armado das forças. Veio a prevalecer o poder bruto de uma coligação que não recuou perante o mais híbrido dos entendimentos e a mais hipócrita mobilização ideológica para esmagar o novo mundo que estava a erguer-se e que pretendia afirmar o seu direito. Se os nossos homens estiveram ou não à altura da tarefa que lhes competia, se foram cometidos erros no plano da oportunidade, da preparação completa, da medida do risco, isso deixa-se de parte, não é coisa que prejudique o significado interno da luta travada. Igualmente, não nos interessa sublinhar que a história se vinga hoje dos vencedores que, por uma justiça imanente, as potências democráticas, depois de se coligarem com as forças da subversão vermelha para conduzirem a guerra até o extremo insensato da rendição sem condições e da destruição total, vêm actualmente voltar-se contra si, com perigosidade bem mais temível que a que queriam esconjurar, os aliados de ontem.
O que unicamente importa é o seguinte: estamos perante um mundo em ruínas. E o problema a pôr é este: há ainda homens de pé no meio dessas ruínas? E que coisa devem, que coisa podem eles fazer ainda?
2. Aqui, será necessário restringir os horizontes, isto é, limitarmo-nos ao que diz respeito à nossa nação. Antes de mais, deve reconhecer-se claramente que as destruições que nos cercam hoje em dia são mais de carácter moral e espiritual que de carácter material, económico ou social. Não há nada que se não pague: o destino relativamente melhor — se confrontado com o de outras nações vencidas — que a traição e a deserção nos asseguraram, tem a sua contrapartida numa maior decomposição interna, marasmo ideológico, abaixamento do carácter e de toda a espécie de dignidade. Reconhecer isto, significa reconhecer também que o primeiro problema, base de qualquer outro, é de índole interna: reerguer-se, ressurgir interiormente, tomar forma, criar em nós mesmos ordem e aprumo. Quem se ilude àcerca da possibilidade de uma luta puramente política e sobre o poder de uma ou outra forma ou sistema que não tenha contrapartida precisa numa nova qualidade humana, nada aprendeu das lições do recente passado. Eis um princípio que, mais que nunca, deveria ter evidência absoluta: se um Estado possuísse um sistema político ou social que, em teoria, se apresentasse como o mais perfeito mas cuja substância humana fosse degenerada, então esse Estado desceria mais tarde ou mais cedo ao nível das mais baixas sociedades, ao passo que um povo, uma raça capaz de produzir homens verdadeiros, homens de recto sentir e seguro instinto, atingiria um alto nível de civilização e manter-se-ia de pé perante as provações mais calamitosas, mesmo que o seu sistema político fosse insuficiente e imperfeito. Devemos tomar uma posição firme contra aquele falso “realismo político” que pensa apenas em termos de programas, de problemas de organização partidária, de receitas sociais e económicas. Tudo isso pertence ao contingente, não ao essencial. A medida do que pode ser ainda salvo depende da existência ou inexistência de homens que se apresentem, não a pregar fórmulas, mas como exemplos, não pactuando com a demagogia e com o materialismo das massas, mas despertando formas diversas de sensibilidade e de interesses. Partindo daquilo que, apesar de tudo, subsiste entre as ruínas, reconstituir lentamente um homem novo caracterizado por um determinado espírito e uma adequada visão da vida, fortificado pela adesão férrea a certos princípios — eis o verdadeiro problema —.
3. Como espírito, há efectivamente algo que pode servir de padrão às nossas forças de resistência e de ressurgimento: o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher a via mais dura, de quem sabe combater mesmo não ignorando que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe convalidar as palavras da antiga saga “a fidelidade é mais forte que o fogo” e graças a quem se afirma a ideia tradicional que é o sentido da honra e da desonra — não meias medidas derivadas da pequena moral — que cria uma diferença existencial entre os seres, quase como que entre uma raça e outra.
Torna-se necessário agora separar esse espírito das fórmulas ideológicas mais ou menos problemáticas que foram esboçadas naquele período e que hoje alguns assumem erroneamente confundindo-as com o essencial e arvorando-as como bandeira; impõe-se assumi-lo no seu estado puro e estendê-lo do tempo de guerra ao tempo de paz, desta paz que é apenas e acima de tudo uma pausa e uma desordem mal contida até se determinar uma descriminação e uma nova ordem de combate. Isto deve ter lugar em termos muito mais essenciais que no “partido”, que pode ser apenas um instrumento contingente de determinadas lutas políticas; em termos mais essenciais, até do simples movimento, se por movimento se entende unicamente um fenómeno de massas e de agregação, fenómeno quantitativo mais que qualitativo e baseado predominantemente em factores emotivos, em vez da severa e clara adesão a uma ideia. Acima de tudo, é uma revolução silenciosa, em profundidade, que deve realizar-se, para que sejam criadas, primeiro interiormente e no indivíduo singular, as premissas daquela ordem que depois deverá afirmar-se também no exterior, suplantando fulminantemente no momento justo as formas e as forças de um mundo de decadência e de subversão. O “estilo” que deve tomar relevo é o de quem se mantém em posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia com uma intensidade total, com repulsa por qualquer compromisso, num empenhamento completo que se deve manifestar não apenas na luta política, mas em todas as manifestações da existência: nas oficinas, nos laboratórios, nas universidades, nas ruas, na própria vida pessoal e afectiva. Deve atingir-se o ponto em que o tipo de que falamos e que deve ser a substância celular do nosso ordenamento, seja bem reconhecível, inconfundível, diferenciado, e dele se possa dizer: “Trata-se de alguém que actua como um homem do Movimento”.
Quis fazê-lo já a revolução de ontem, mas, em vários aspectos, foi impedida por factores múltiplos. Hoje, ao fim e ao cabo, as condições são melhores por não existirem equívocos, basta olhar em volta das praças até ao parlamento para as vocações serem postas à prova e se vislumbre nítida a medida daquilo que não devemos ser. Perante um mundo de cobardia cujo princípio é: “Quem te mandou fazer isso?” ou “primeiro o estômago, a pele (a malapartiana pele!) e depois a moral” ou ainda “nestes tempos, não podemos dar-nos ao luxo de ter carácter” ou, finalmente, “tenho família”, é preciso saber opor um claro e firme “não podemos agir de outro modo, este é o nosso caminho, este é o nosso ser”. O que de positivo poderá ser atingido hoje ou amanhã, não será por meio de habilidades de agitadores ou de politicantes, antes por meio do prestígio natural reconhecido a homens que, seja de ontem, seja mais ainda da nova geração, tenham capacidade para tal e assim dêm garantias à Ideia.
4. É, pois, uma substância nova que deve colocar-se no lugar daquela podre e desviada, criada pelo clima da traição e da derrota num lento avanço para além dos quadros das linhas e das posições sociais do passado. É uma figura nova que importa ter diante dos olhos para medir a própria força e a própria vocação. Importante, fundamental, é reconhecer precisamente que essa figura não tem nada a ver com as classes, com as categorias sociais económicas e com as antíteses que lhes dizem respeito. Tal figura poderá manifestar-se sob a veste do rico como do pobre, do trabalhador como do aristocrata, do empresário como do explorador, do técnico, do teólogo, do agricultor, do homem político em sentido estricto. Mas esta substância nova conhecerá uma diferenciação interna que será perfeita quando, de novo, não existirem dúvidas àcerca da vocação e da função de seguir e de comandar. Quando o símbolo restaurado da autoridade absoluta dominar no centro das novas estruturas hierárquicas.
Isto define uma directriz que pode classificar-se tanto de anti-burguesa, quanto de anti-proletária, uma directriz livre de todo das contaminações democráticas e das obsessões sociais, porque conduz a um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e de chefes de homens. Desprezo do mito burguês da segurança, da vida medíocre, estandardizada, conformista, domesticada e “moralizada”.
Desprezo pelo vínculo anódino inerente a todo o sistema colectivista e mecanicista e a todas as ideologias que atribuem a confusos valores “sociais” o primado sobre os valores heróicos e espirituais, com os quais se deve definir para nós, em todo o domínio, o tipo do homem verdadeiro, da pessoa absoluta. E qualquer coisa de essencial será conseguido quando se restaurar o amor por um estilo de impersonalidade activa para a qual o que importa é a obra e não o indivíduo, pela qual sejamos capazes de não nos considerarmos a nós próprios algo de importante, importante sendo, ao invés, a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, o fim visado. Aí, onde esse espírito se afirme, simplificar-se-ão muitos problemas, inclusivé de ordem económica e social, que, de outra forma, permaneceriam insolúveis se afrontados do exterior sem a eliminação das infecções ideológicas que, já à partida, impedem todo o retorno à normalidade e até à percepção mesma do que significa normalidade.
5. Assim, não só como orientação doutrinária mas também no que toca ao mundo de acção, é capital que os homens da nova milícia reconheçam com exactidão a concatenação das causas e efeitos e a continuidade essencial da corrente que deu vida às várias formas políticas que hoje se debatem no caos dos partidos.
Liberalismo, depois democracia, depois socialismo, depois radicalismo, finalmente comunismo ou bolchevismo, aparecem historicamente como graus do mesmo mal, como estádios que prepararam sucessivamente o complexo processo de decadência. O início desse processo está no momento em que o homem ocidental cortou os vínculos com a tradição, desconheceu todo o símbolo superior de autoridade e soberania, reivindicou para si próprio como indivíduo uma liberdade vã e ilusória, se tornou átomo em vez de parte consciente da unidade orgânica e hierárquica de um todo. E o átomo, finalmente, devia encontrar contra si a massa dos outros átomos, dos outros indivíduos, e ser arrastado pelo despontar do reino da quantidade, do puro número, das massas materializadas, que não têm outro deus que a economia soberana. Neste processo, não se pára a meio caminho. Sem a revolução francesa, sem o liberalismo e sem a revolução burguesa, não se teria chegado ao constitucionalismo, sem a democracia não se teria chegado ao socialismo e ao nacionalismo demagógico, sem a preparação do socialismo não teríamos o radicalismo e, finalmente, o comunismo. O facto dessas várias formas se apresentarem hoje umas ao lado das outras ou em recíproco antagonismo, não deve impedir o olhar que sabe ver verdadeiramente de reconhecer que estão solidárias, se concatenam, se condicionam reciprocamente e exprimem apenas os graus diversos da mesma corrente, da mesma subversão de todo o ordenamento social normal e legítimo. Assim, a grande ilusão dos nossos dias é que democracia e liberalismo sejam antítese do comunismo e tenham o poder de bloquear a maré das forças inferiores, daquilo que no calão das câmaras de trabalho se chama o movimento “progressista”. Ilusão: é como dizer que o crepúsculo é a antítese da noite, que o grau incipiente de um mal é a antítese da sua forma aguda e endémica, que um veneno diluído é a antítese desse veneno no seu estado puro e concentrado. Os homens do governo desta Itália “libertada” nada aprenderam da história mais recente, cujas lições se repetem em toda a parte até à monotonia, e continuam o seu comovente malabarismo com concepções políticas decaídas e inanes no carnaval parlamentar, quase dança macabra sobre a cratera de um vulcão latente. Nós, pelo contrário, devemos ter a coragem do radicalismo, o não! dito à decadência política em todas as suas formas, seja de esquerda, seja da pretensa direita. E, sobretudo, devemos estar conscientes de que não se pactua com a subversão, que fazer concessões hoje, significa condenar-se a ser esmagado amanhã. Intransigência nas ideias, portanto, prontidão em avançar com forças puras quando o momento oportuno for atingido.
Isto implica, naturalmente, desembaraçar-se ainda da distorção ideológica, bastante difundida também numa parte da nossa juventude, por via da qual se concedem alibis às destruições que já tiveram lugar, iludindo com o pensamento de que, apesar de tudo, eram necessárias e serviam o “progresso”; que se deve combater por qualquer coisa de “novo” situado num futuro indeterminado e não pelas verdades que já possuímos, já que essas, ainda que em formas diversas de aplicação, foram sempre e em toda a parte a base de todo o tipo correcto de organização política e social. Rechassemos essas extravagâncias e saibamos rir de quem nos acusa de sermos “anti-históricos” e “reaccionários”. A história, entidade misteriosa escrita com letra maiúscula, não existe. São os homens, na medida em que são verdadeiros homens, que fazem e desfazem a história; o chamado “historicismo” é mais ou menos a mesma coisa que o que nos ambientes de esquerda se chama “progressismo” e só quer uma coisa hoje: fomentar a passividade face à corrente que engrossa e arrasta sempre mais e mais. Quanto ao “reaccionarismo”, perguntai: quereis que enquanto agis, destruindo e profanando, nós não reajamos, nos limitemos a olhar ou até a dizer: bravo, continuai?
Só não somos “reaccionários” porque a palavra não é suficientemente forte e, sobretudo, porque partimos do positivo, representamos o positivo, valores reais e originários, que não necessitam da luz de nenhum “sol do futuro”. Frente ao nosso radicalismo, surge em particular, como irrelevante, a antítese entre “Oriente” vermelho e “Ocidente” democrático, aparece-nos mesmo como tragicamente irrelevante o eventual conflito armado entre esses dois blocos. A olhar apenas ao imediato, subsiste por certo a escolha do mal menor, já que a vitória militar do “Oriente” implicaria a destruição física imediata dos últimos expoentes de resistência. No plano da ideia, a Rússia e a América do Norte são como os dois braços da mesma tenaz a caminho de se encontrarem para esmagar definitivamente a Europa. Nessas duas formas diversas e convergentes, actua a mesma força estranha e inimiga. As formas de estandardização, de conformismo, de nivelamento democrático, de frenesi produtivo, de mais ou menos prepotentes e explícitos brains trusts, de materialismo redutor, do americanismo, podem servir para abrir caminho à fase ulterior representada dentro da mesma direcção pelo ideal puramente comunista do homem-massa. O carácter distintivo do americanismo é que o ataque contra a qualidade e a personalidade não se faz mediante a coacção brutal da ditadura proletária e do pensamento de Estado, é quase espontaneamente imposto ao longo dos caminhos de uma civilização que não conhece ideais mais altos que riqueza, rendimento, produção ilimitada, ou seja, por uma exasperação e uma redução ao absurdo daquilo que a própria Europa elegeu — os mesmos motivos tomaram aí forma ou estão a tomar forma —. Mas, primitivismo, mecanicismo e brutalidade encontram-se tanto num lado como no outro. Em certo sentido, o americanismo é mais perigoso que o bolchevismo: por ser uma espécie de cavalo de Tróia. Quando o ataque contra os valores que ainda restam da tradição europeia se efectua na forma directa e nua da ideologia bolchevista e do estalinismo, erguem-se ainda reacções e algumas linhas de resistência, ainda que débeis, podem ser mantidas. As coisas sucedem diversamente quando o mesmo mal actua de modo mais subtil e as transformações acontecem insensivelmente no plano dos costumes e da visão geral da vida, como é o caso do americanismo. Suportando com inteira boa vontade este último sob o signo das liberdades democráticas, a Europa predispõe-se às últimas abdicações, de tal modo que pode acontecer que nem sequer seja necessária uma catástrofe militar e que, por via progressiva, se atinja mais ou menos o mesmo ponto depois de uma última crise social. Diremos de novo, a meio caminho não se fica. O americanismo, querendo ou não, trabalha a favor do seu aparente inimigo, o colectivismo.
6. Não sem relação com isto, o nosso radicalismo de reconstrução exige que não se transija só com qualquer variedade da ideologia marxista ou socialista, mas também com aquilo que em geral se pode chamar a alucinação ou o demonismo da economia. Trata-se aqui da ideia que o factor económico é na vida individual ou colectiva o importante, o real, o decisivo; que a concentração de todo o valor e interesse no plano económico e produtivo não é aberração sem precedentes do homem ocidental moderno, antes qualquer coisa de normal, não uma necessidade eventual brutal, mas algo que é desejado e exaltado. Nesse círculo fechado e cinzento, estão encerrados o capitalismo e o marxismo. Devemos romper esse círculo. Enquanto não se souber falar senão de classes económicas, de trabalho, de salários, de produção, quando se cria a ilusão de que o verdadeiro progresso humano, a verdadeira elevação do homem singular é condicionada apenas por um particular sistema da distribuição da riqueza e dos bens relacionados com a pobreza ou com a riqueza, com o Estado da prosperity U.S.A. ou com o socialismo utópico, ficamos sempre num plano idêntico ao que pretendemos combater. Devemos afirmar isto: que tudo o que é economia e interesse económico como mera satisfação das necessidades animais teve, tem, terá sempre, uma função subordinada numa unidade normal; que, para além dessa esfera, deve diferenciar uma ordem de valores superiores, políticos, espirituais e heróicos, uma ordem que — como já dissemos — não conhece e muito menos admite “proletários” ou “capitalistas” e em função da qual devemos definir as coisas pelas quais vale a pena viver e morrer. Deve estabelecer-se a hierarquia verdadeira, devem diferenciar-se novas dignidades e, no vértice, deve estar entronizada a superior função de comando, de Imperium.
Assim, serão erradicadas muitas ervas daninhas que brotaram aqui e além no nosso campo. Que significa de facto aludir ao “Estado do trabalho”, ao “socialismo nacional”, ao “humanismo do trabalho” e a coisas semelhantes? O que é isso senão uma aberta involução da política na economia, quase um retomar daquelas tendências problemáticas para um “corporativismo integral” e no fundo acéfalo que, no Fascismo, encontraram felizmente o caminho fechado? Que coisa é essa considerar a fórmula da “socialização” uma espécie de remédio universal e elevar a “ideia social” a símbolo de uma nova civilização que, como se sabe, deveria estar para além do “Oriente” e do “Ocidente”?
São esses — importa reconhecê-lo — os lados sombrios presentes em alguns espíritos que, todavia, se encontram ao nosso lado noutros aspectos. Com isso, pensam ser fiéis a uma ordem revolucionária, ao passo que obedecem apenas a sugestões mais fortes que eles mesmos de que está saturado o degradado ambiente político. Entre tais soluções, encontra-se a própria “questão social”. Quando se apreenderá a verdade, isto é, que o marxismo não apareceu porque existia uma “questão social” real, mas que a “questão social” surge — em infinitos casos — apenas porque existe marxismo, ou seja, artificialmente, e em termos quase insolúveis, por obra de agitadores, dos famosos “restauradores da consciência de classe”, sobre os quais Lenine se exprimiu claramente ao refutar o carácter espontâneo do movimento revolucionário proletário?
Partindo desta premissa, será necessário agir no sentido da desproletarização ideológica, da desinfecção do vírus político socialista nas partes ainda sãs do povo. Só então poderá ser estudada e efectuada sem perigo outra reforma, segundo uma justiça autêntica.
Assim, como caso particular, ver-se-á de acordo com que espírito a ideia corporativa poderá ser de novo uma das bases de reconstrução: corporativismo, não tanto como sistema geral de harmonização estatal e quase burocrática que mantenha a ideia deletéria de opostas posições de classe, antes como exigência que no próprio interior da empresa seja reconstruída aquela unidade, a solidariedade de forças diferenciadas que a prevaricação capitalista (com o tipo parasitário do especulador e do capitalista financeiro) de um lado, a agitação marxista, do outro, prejudicaram e destruíram. Impõe-se fazer voltar a empresa à forma de unidade quase militar na qual, ao espírito de responsabilidade, energia e competência de quem dirige, corresponde a solidariedade e a fidelidade das forças trabalhadoras a si associadas no labor comum. Entendido neste seu lado positivo e legítimo, é este o sentido próprio da “socialização”: designação pouco adequada, no entanto, já que aquilo de que se devia falar se trata antes da reconstrução orgânica da economia na empresa, ao passo que, com o uso daquela fórmula, nos devíamos preservar de intuitos puramente propagandísticos, de adulação do espírito de sedição das massas disfarçado em “justiça social” proletária. Em princípio, impõe-se retomar o estilo de impersonalidade activa, de dignidade, de solidariedade no produzir, característico das antigas corporações artesanais e profissionais. Mas, repitamo-lo, isso deve atingir-se no interior. O importante é que, contra toda a forma de ressentimento e de competição social, cada um saiba reconhecer e amar o seu próprio posto, o que, na verdade, está conforme com a sua própria natureza, reconhecendo deste modo os limites entre os quais pode desenvolver as suas possibilidades e alcançar a perfeição; um operário que desempenha perfeitamente a sua função, é indubitavelmente superior a um rei que recusa cumprir o seu dever e não está à altura da sua dignidade.
Em especial, podemos admitir um sistema de competências técnicas e de representação corporativa que suplante o parlamentarismo dos partidos; mas deve ter-se presente que as hierarquias técnicas no conjunto não podem significar mais que um grau na hierarquia integral: dizem respeito à ordem dos meios a serem subordinados à ordem dos fins, à qual corresponde então a parte propriamente política e espiritual do Estado. Na verdade, falar de um “Estado do trabalho” ou de produção, equivale a tomar a parte pelo todo, a reduzir um organismo humano a funções meramente físico-vitais. Coisa tão obtusa e obscura não pode ser a nossa insígnia nem ideia social. A verdadeira antítese frente, quer ao “Oriente”, quer ao “Ocidente”, não é o “ideal social”. É antes a ideia hierárquica integral. A respeito disso, nenhuma incerteza é tolerável.
7. Se a ideia de unidade política viril e orgânica foi já parte essencial no mundo que se derrubou — por isso, foi reevocado por nós o símbolo romano — devemos todavia apontar os casos em que tal exigência sofreu um desvio e quase abortou, dirigindo-se para a errada direcção do “totalitarismo”. Eis, novamente, um ponto que é preciso ver com clareza, a fim da diferenciação entre as frentes ser rigorosa e não serem fornecidas armas aos que querem intencionalmente confundir as coisas. Hierarquia não é hierarquismo (mal que hoje reaparece demasiadamente, embora em tom menor) e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora. No tocante aos indivíduos singulares, a verdadeira superação do individualismo e do colectivismo tem apenas lugar quando há homens que estão frente a homens na diversidade natural do seu ser e da sua dignidade, merecendo o máximo destaque a antiga máxima segundo a qual “a suprema nobreza dos chefes não é serem patrões de servos, mas chefes que amam a liberdade até naqueles que lhes obedecem”. No que diz respeito à unidade, que, por princípio, deve impedir toda a forma de dissociação e de absolutização do particular, deve ser essencialmente espiritual, deve ser uma influência central orientadora, um impulso que, conforme os domínios, assuma as mais diferenciadas formas de expressão. É essa a verdadeira essência da concepção “orgânica” oposta ao tipo de relações rígidas e extrínsecas próprias do “totalitarismo”. É nesses quadros que a exigência da liberdade e da dignidade da pessoa humana (que o liberalismo só sabe conceber em termos individualistas, igualitaristas e privatísticos) se pode realizar integralmente. É com esse espírito que as filas das novas milícias devem estar ordenadas e que as estruturas de um novo ordenamento político-social serão estabelecidas em articulações firmes e claras.
Tais estruturas, porém, necessitam de um centro, de um ponto de referência supremo. É indispensável um novo símbolo de soberania e de autoridade absolutas. A tal respeito, a palavra de ordem deve ser nítida, não podem ser admitidas tergiversações ideológicas. Convém dizer claramente que não se trata aqui do chamado problema institucional; trata-se, sobretudo, do que é necessário a um clima específico, do fluido que deve animar toda a relação de fidelidade, de dedicação, de serviço, de acção desindividual, de tal forma que seja autenticamente superado o cinzento, mecânico e oblíquo mundo político actual. Encontrar-nos-emos num caminho sem saída se não formos capazes de uma espécie de ascese da ideia pura. Alguns antecedentes pouco felizes das nossas tradições nacionais como, em grau ainda maior, as trágicas contingências de ontem, prejudicam em muitos dos nossos a percepção clara da direcção justa. Podemos declarar-nos incompatíveis com a directriz monárquica se temos em vista aqueles que actualmente nada mais sabem que defender o resíduo da ideia, símbolo esvaziado e desvirilizado, da monarquia constitucional e parlamentar. Mas também, de modo igualmente decidido, devemos declarar a nossa incompatibilidade face à ideia republicana. Ser anti-democrata, por um lado, e, por outro, defender “ferozmente” (é esta, predominantemente, a terminologia de certos expoentes da falsa intransigência) a ideia republicana, é um absurdo abertamente palpável: a república (referimo-nos às repúblicas actuais: as repúblicas antigas eram aristocracias — como Roma — ou oligarquias, estas com carácter de tirania muitas vezes) pertence essencialmente ao mundo que veio à vida através do jacobinismo e da subversão anti-tradicional e anti-hierárquica do século XIX. Deixemo-la a esse mundo, que não é o nosso. Não se jogue com equívocos em nome da fidelidade ao fascismo de Saló; se, por tal razão, se devesse seguir a falsa via republicana, imediatamente estaríamos a ser infiéis a qualquer coisa de maior e de melhor, a abandonar o núcleo central da ideologia do Ventennio, isto é, a sua doutrina do Estado em função da autoridade, do poder, do Imperium. Impõe-se que só a essa doutrina sejamos fiéis, não consentindo em descidas de nível e não fazendo o jogo de algum grupo. A concretização do símbolo acima referido deixa-se por agora indeterminada. Diga-se apenas: Chefe, Chefe de Estado. Para além disso, a tarefa essencial é preparar silenciosamente o ambiente espiritual adequado a que o símbolo da autoridade intangível seja sentido e readquira a plenitude do seu significado: ao qual não pode corresponder a estatura de qualquer mutável “presidente” de república e muito menos de um tribuno ou dirigente popular detentor de um simples poder individual informe desprovido de qualquer carisma superior, assentando o prestígio precário por ele exercido nas forças irracionais das massas. É a isso que alguns deram o nome de “bonapartismo”, justamente reconhecido, não como significando a antítese da democracia demagógica ou popular, mas, em vez disso, a lógica conclusão da mesma: um dos obscuros aparecimentos da decadência do Ocidente de que falava Spengler. Eis a nova pedra de toque para os nossos: a sensibilidade perante tudo isto. Já Carlyle falava do mundo dos servos que quer ser governado pelo pseudo-herói — não por um Senhor —.
8. Dentro de uma ordem de ideias análoga, deve ser acentuado um outro ponto. Trata-se da posição a assumir face ao nacionalismo e à ideia genérica de Pátria. Isto é tanto mais oportuno quanto acontece que, hoje em dia, muitos, para procurarem salvar o salvável, querem fazer valer acima de tudo uma concepção romântica, sentimental e, ao mesmo tempo, naturalística da nação, noção alheia à mais alta tradição política europeia e pouco conciliável com a ideia de Estado de que temos falado. Nestes tempos, em que é necessário formar um grande ordenamento internacional definido por uma ideia e se insiste na fórmula da pietística “pacificação nacional” e de “solidariedade dos filhos da mesma terra” enquanto se vê a ideia de Pátria ser invocada retorica e hipocritamente pelos partidos mais opostos e até por aqueles que estão a soldo da subversão vermelha — eis o que não se compreende. Mas o mais essencial é a questão de princípio. O plano político, enquanto tal, é de uma unidade superior às unidades definidas em termos naturalísticos como são aquelas a que correspondem as noções genéricas de nação, de pátria, de povo. Nesse plano superior, o que une e divide é a Ideia, uma ideia de que é portadora uma determinada elite e que tende a concretizar-se no Estado. Por isso, a doutrina fascista — que em tal ponto se manteve fiel à melhor tradição política europeia — deu à Ideia e ao Estado o primado relativamente à nação e ao povo e entendeu que nação e povo só adquirem significado e forma dentro do Estado, participando num grau superior de existência. Precisamente em períodos de crise como o actual, precisamos de manter-nos firmes nesta doutrina. Na Ideia se reconhece a nossa verdadeira Pátria. O que hoje conta, não é ser da mesma terra ou falar a mesma língua, mas pertencer à mesma Ideia. Esta é a base, o ponto de partida. À unidade colectivística da nação — les enfants de la patrie — que predomina desde a revolução jacobina, opomos em todas as circunstâncias algo como uma Ordem, homens fiéis a princípios, representantes de uma autoridade e legitimidade superiores procedentes, exactamente, da Ideia. Ainda que para fins práticos seja desejável atingir uma nova solidariedade nacional, não se desça a compromissos para a atingir; o pressuposto sem o qual todo o resultado seria ilusório, é saber separar-se e dar forma a um ordenamento definitivo da Ideia como ideia política e visão da vida. Não há outro caminho, é preciso que dentre as ruínas se renove o processo das origens, processo que, em função das elites e de um símbolo de soberania e autoridade, uniu os povos em grandes Estados tradicionais, que surgiram do informe. Não entender este realismo da Ideia, significa limitarmo-nos a um plano no fundo subpolítico: ao naturalismo e sentimentalismo, senão mesmo à retórica patrioteira. Estejamos bem atentos na altura em que apoiamos a nossa ideia nas tradições nacionais: há uma história pátria de inspiração maçónica e anti-tradicional especializada em atribuir carácter italiano aos lados mais problemáticos da nossa história: a partir da revolta das comunas apoiada no guelfismo. Com ela, toma relevo uma “italianidade” tendenciosa na qual nós, que escolhemos o símbolo romano, não podemos nem queremos reconhecer-nos. Deixamo-la de boa vontade aos italianos que celebraram o “segundo Risorgimento” com a “libertação” e com o “partigianismo”
Ideia, Ordem, Elite, Estado, Homens da Ordem — enquanto for possível, são estas as linhas a manter.
9. Diga-se qualquer coisa sobre o problema da cultura. Não demasiado. De facto, não supervaloramos a cultura. Aquilo a que chamamos “visão do mundo” não se baseia em livros; é uma forma interior que pode ser mais rigorosa num ser sem cultura especial, que num “intelectual” ou num escritor. Deve inscrever-se entre os malefícios da “cultura livre” ao alcance de todos o facto do indivíduo singular ficar aberto a influências de qualquer género quando, por natureza, não tem capacidade reactiva face a elas para saber discriminar e julgar adequadamente.
Temos de limitar as nossas considerações a dizer como estão actualmente as coisas: há determinadas correntes das quais se deve defender interiormente a juventude que hoje se quer unir a nós. Falámos atrás de um estilo de rectidão e de disciplina interior. Esse estilo implica um justo saber e os jovens, em especial, devem aperceber-se da intoxicação exercida sobre toda uma geração pelas várias mas concordantes visões distorcidas e falsas da vida que incidiram sobre as forças interiores precisamente no ponto em que a sua integridade seria maximamente necessária. De uma maneira ou de outra, esses tóxicos continuam a agir hoje sobre a cultura, sobre a ciência, sobre a sociologia, sobre a literatura, como outros tantos focos de infecção que importa assinalar e atacar. Além do materialismo histórico e do economicismo, o darwinismo, a psicanálise, o existencialismo, o neo-realismo estão entre esses principais focos de infecção.
Contra o darwinismo, reivindicamos a dignidade fundamental da pessoa humana, reconhecendo que o seu verdadeiro lugar não é o de uma espécie animal particular mais ou menos evoluída junto de tantas outras e diferenciada pela “selecção natural”, sempre ligada a origens animais e primitivistas. O seu lugar situa-se além do plano biológico e eleva-a acima deste. Se hoje não se fala tanto de darwinismo, a sua substância permanece. Numa ou noutra variante, o mito biologístico darwiniano vale como dogma defendido pelas excomunhões da “ciência” no materialismo da civilização marxista e da americana. O homem moderno habituou-se a essa concepção degradante, reconhece-se tranquilamente nela hoje em dia, julga-a natural.
Contra a psicanálise, deve erguer-se o ideal de um Eu que não abdica, que quer continuar consciente, autónomo e soberano face à parte nocturna e subterrânea da sua alma e ao demonismo da sensualidade; um Eu que não se sente “reprimido” nem psicoticamente dividido, antes realiza o equilíbrio de todas as suas faculdades ordenadas a um objectivo superior do viver e do agir. Pode ser apontada uma convergência evidente: à desautorização do princípio consciente da pessoa, ao relevo dado pela psicanálise e por escolas análogas ao subconsciente, ao irracional, ao “inconsciente colectivo” e a coisas semelhantes, correspondem no indivíduo exactamente o que no mundo social e histórico moderno representam a emergência e o movimento vindo de baixo, a subversão, a substituição revolucionária do inferior pelo superior e o desprezo por todo o princípio de autoridade. Nesses dois planos diversos actua a mesma tendência e os dois efeitos não podem deixar de se completarem reciprocamente.
Quanto ao existencialismo, distinguindo o que nele é propriamente filosofia — uma filosofia confusa — e que até agora era pertença de um círculo restrito de especialistas, importa reconhecê-lo como o estado de ânimo de uma crise tornada sistema e adulada, a verdade de um tipo humano dividido e contraditório que sofre como angústia, tragicidade e absurdo uma liberdade para a qual não se sente digno, antes se sente condenado sem salvação e sem responsabilidade no meio de um mundo desprovido de valor e significação. Tudo isto, mesmo quando já um Nietzsche tinha indicado um caminho para atribuirmos sentido à existência face ao mais exasperado nihilismo, o caminho de quem, para além de todas estas complicações e dilacerações, sabe dar a si mesmo uma lei e um valor absoluto.
Finalmente, deve tomar-se posição contra o chamado neo-realismo, cuja característica é identificar a existência em geral com os seus graus mais baixos e irracionais, comprazendo-se numa espécie de auto-sadismo. Há quem sinta nisso uma espécie de “libertação”: na verdade, semelhante à libertação política, traduzida, não na elevação, mas na postração e degradação geral. Contra isto, deve manter-se vivo o sentido de que a realidade verdadeira da existência está em que esta se subordine a qualquer coisa que vá além dela, à vontade de atingir um “mais além”, deixando para trás o que apenas se vincula ao humano.
Tais são as linhas de superação, que não devem ser intelectualistas e dialécticas, mas vividas, realizadas no seu directo significado da própria conduta e da vida interior de cada um. Salvar-se não é possível se se permanece de alguma maneira sob a influência de formas de pensamento falso e desviado. Desintoxicados, podemos conseguir clareza, rectidão, força.
10. Na zona situada entre a cultura e os costumes, é necessário precisar posteriormente uma certa posição. Foi lançada pelo comunismo a palavra de ordem do anti-burguesismo, acolhida também no campo da cultura por certos ambientes intelectuais de “vanguarda”. Há aqui um equívoco. Como a burguesia social é qualquer coisa de intermédio, há uma dupla possibilidade de superar a burguesia, de dizer não ao tipo burguês, à civilização burguesa, ao espírito e aos valores burgueses. Uma, corresponde à direcção que conduz ainda mais abaixo de tudo isso, à sub-humanidade colectivizada e materializada com o seu “realismo” marxista: valores sociais e proletários contra a “decadência burguesa” e “imperialista”. Outra é a direcção de quem combate a burguesia e se ergue, efectivamente, acima da mesma. Os homens do novo posicionamento serão, sim, anti-burgueses, mas em função da já referida concepção superior, heróica e aristocrática da existência; serão anti-burgueses porque desdenham a vida cómoda; anti-burgueses porque seguirão, não os que prometem vantagens materiais mas os que exigem tudo de si mesmos; anti-burgueses, finalmente, porque não têm a preocupação da segurança, amam a união essencial entre a vida e o risco em todos os planos, tornando próprias a inexorabilidade da ideia pura e da acção estricta. Outro aspecto pelo qual o homem novo, substância celular do movimento de ressurreição, será anti-burguês e se diferenciará das gerações precedentes, é a sua impaciência perante toda a forma retórica e todo o falso idealismo, por todas aquelas grandes palavras escritas com letra maiúscula, por tudo o que é apenas gesto, frase teatral, cenografia. Ao invés, essencialidade, novo realismo no enfrentar exactamente os problemas que se impõem, no fazer o que importa e não na mera exterioridade, antes o ser, não o falar, no realizar de modo silencioso e exacto, em sintonia com as forças afins e aderindo ao imperativo vindo do alto.
Quem, contra as forças da esquerda, só sabe reagir em nome dos ídolos, do estilo de vida, da moralidade medíocre e conformista do mundo burguês, perdeu antecipadamente a batalha. Não é o caso do homem da nossa revolução, que está em pé depois de ter passado pelo fogo purificador das destruições externas e internas. Esse homem, do mesmo modo que politicamente não é o instrumento de uma pseudo-reacção burguesa, também de modo geral retoma forças e ideais anteriores e superiores ao mundo burguês e à era económica, e é com tais forças que cria as linhas de defesa e consolida as posições donde, no momento oportuno, surgirá fulgurante a acção reconstrutora.
Igualmente a tal respeito, julgamos retomar uma palavra de ordem não cumprida: como se sabe, houve no período fascista uma tendência anti-burguesa que quis manifestar-se de modo efectivo. No entanto, também aqui a substância humana não esteve à altura da tarefa proposta. E assim, da anti-retórica soube fazer-se retórica.
11. Consideremos brevemente um último ponto, o das relações entre as forças ainda não despedaçadas e a religião dominante. Para nós, o Estado laico, quaisquer que sejam as suas formas, pertence ao passado. Em particular, combatemos o seu disfarce, que em certos ambientes se apresentou como “Estado ético” produto de uma pretensiosa, espúrea, vazia filosofia “idealista” que aderiu ao Fascismo mas que, pela sua natureza, é capaz, graças a um simples jogo “dialético” de dados, de dar idêntico aval ao antifascismo de um Croce. Tal filosofia é apenas um produto da burguesia laica e humanista presumida do “livre pensamento” próprio de um reitor de liceu, ao celebrar a infinitude do “espírito absoluto” e do “acto puro”. Nada aí há de real, de claro, de duro.
Se combatemos tais ideologias e o Estado laico, do mesmo modo o Estado clerical ou quase clerical é inaceitável. O facto religioso é necessário como alicerce de uma verdadeira concepção heróica da vida, essencial na nossa posição. É preciso sentir em nós mesmos que, para além desta vida terrena, há uma vida mais alta, já que só quem assim sente possui uma força inquebrantável e insuperável; só esse será capaz do ímpeto absoluto — faltando este, desafiar a morte sem ter em conta a própria vida, só é possível em momentos esporádicos de exaltação ou no desencadear de forças irracionais; então, não há disciplina com significado superior e autónomo que possa legitimar-se para o indivíduo. Essa espiritualidade deve estar viva entre os nossos, não necessita de formulações dogmáticas obrigatórias; o estilo de vida que daí se pode extrair não é o do moralismo católico que pouco mais visa que domesticar virtuísticamente o animal humano; politicamente, tal espiritualidade não pode deixar de nutrir desconfiança em relação ao humanitarismo, ao jusnaturalismo, à igualdade, ao ideal do amor e do perdão — em vez do ideal da honra e da justiça — e a tudo o que se pode deduzir de certos aspectos da concepção cristã. Claro, se o catolicismo fosse capaz de se afastar do plano contingente e politicante, se fosse capaz de assumir uma atitude de alta ascese e, nessa base, retomando o espírito da melhor Idade Média — a das cruzadas — tornar-se uma espécie de nova ordem templária compacta e inexorável contra a corrente do caos, da abdicação, da subversão e do materialismo prático do mundo moderno, em tal caso não haveria um instante de dúvida na nossa escolha. Mas, como as coisas estão, isto é, dado o nível medíocre, no fundo burguês e paroquial, a que desceu hoje tudo o que é religião, para os nossos homens poderá bastar a pura referência ao espírito como evidência de uma realidade transcendente a invocar, não para evasões místicas ou alibis humanitários, mas para inserir na nossa força uma outra força, para fazer pressentir que a nossa luta não é apenas luta política, para atrair uma consagração invisível num mundo novo de homens e de chefes.
* * *
Eis algumas orientações essenciais para a batalha a travar, especialmente dirigidas à juventude, para que retome a chama e a palavra de ordem de quem não caiu, extraindo a lição dos erros do passado, sabendo discriminar e rever tudo o que ontem e hoje em dia tem a marca da contingência. Essencial é não descer ao nível dos adversários, não se reduzir à agitação de simples palavras de ordem, não insistir desmedidamente naquilo que no passado, ainda que digno de ser recordado, não tem valor actual e impessoal de ideia-força, não ceder às sugestões do falso realismo politicante, tara de todos os “partidos”. Na verdade, a fim de poderem criar todo o espaço possível na situação actual, é necessário que as nossas forças actuem também na luta corpo-a-corpo, política e polémica. Além disso, é importante, é essencial, que se constitua uma elite que defina a Ideia, em função da qual nos devemos unir, com intensidade firme, rigor intelectual e absoluta intransigência e que afirme essa ideia sobretudo sob a forma de um homem novo, do homem da resistência, do homem de pé entre as ruínas. Se é possível ultrapassar este período de crise e de ordem ilusória, apenas a esse homem pertencerá o futuro; se, porventura, não puder ser detido o destino que o mundo moderno deu a si próprio e que agora o arruina, em tal situação as nossas posições internas serão mantidas: suceda o que suceder, o que deve ser feito será feito, pois pertencemos àquela pátria que nenhum inimigo conseguirá ocupar ou destruir.
Julius Evola
(Directrizes (Orientamenti), Milão, Il Ghibellino, a cura del Centro Ordine Nuovo, Kalendis Januariis MMDCCXII, A. U. C. – 1958.)
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Sabe-se onde e sob que símbolos procuraram organizar-se as forças para uma possível resistência. De um lado, uma nação que, desde que se tornara una, só conheceu o clima medíocre do liberalismo, da democracia e da monarquia constitucional, ousou retomar o símbolo de Roma como base para uma nova concepção política e um novo ideal de virilidade e de dignidade. Forças análogas despertaram na nação que, na Idade Média, tinha tornado seu o símbolo romano do Imperium para reafirmar o princípio de autoridade e o primado de todos aqueles valores que no sangue, na raça, nos instintos mais profundos de uma estirpe, têm a sua raíz. E, enquanto noutras nações europeias se orientavam grupos no mesmo sentido, uma terceira força se juntava a essas fileiras no continente asiático, a nação dos Samurais, na qual a adopção das formas exteriores da civilização moderna não tinha afectado a fidelidade a uma tradição guerreira centrada no símbolo do império solar de direito divino.
Não pretendemos que nessas correntes houvesse uma distinção bem nítida entre o essencial e o acessório, que às ideias se fizessem corresponder adequadas convicções e qualificações nas pessoas, que fossem superadas influências várias provenientes das próprias forças que aquelas deviam combater. O processo de purificação ideológica teria tido lugar num segundo tempo, uma vez resolvidos alguns problemas políticos imediatos e improrrogáveis. Mas mesmo assim, era claro que estava a tomar forma uma concentração de forças que representava um desafio aberto à civilização “moderna”: a da democracia herdeira da revolução francesa e a outra, representando o limite extremo da degradação do homem ocidental: a civilização colectivista do Quarto Estado, a civilização proletária do homem-massa sem rosto. Os ritmos aceleraram-se, as tensões cresceram até ao choque armado das forças. Veio a prevalecer o poder bruto de uma coligação que não recuou perante o mais híbrido dos entendimentos e a mais hipócrita mobilização ideológica para esmagar o novo mundo que estava a erguer-se e que pretendia afirmar o seu direito. Se os nossos homens estiveram ou não à altura da tarefa que lhes competia, se foram cometidos erros no plano da oportunidade, da preparação completa, da medida do risco, isso deixa-se de parte, não é coisa que prejudique o significado interno da luta travada. Igualmente, não nos interessa sublinhar que a história se vinga hoje dos vencedores que, por uma justiça imanente, as potências democráticas, depois de se coligarem com as forças da subversão vermelha para conduzirem a guerra até o extremo insensato da rendição sem condições e da destruição total, vêm actualmente voltar-se contra si, com perigosidade bem mais temível que a que queriam esconjurar, os aliados de ontem.
O que unicamente importa é o seguinte: estamos perante um mundo em ruínas. E o problema a pôr é este: há ainda homens de pé no meio dessas ruínas? E que coisa devem, que coisa podem eles fazer ainda?
2. Aqui, será necessário restringir os horizontes, isto é, limitarmo-nos ao que diz respeito à nossa nação. Antes de mais, deve reconhecer-se claramente que as destruições que nos cercam hoje em dia são mais de carácter moral e espiritual que de carácter material, económico ou social. Não há nada que se não pague: o destino relativamente melhor — se confrontado com o de outras nações vencidas — que a traição e a deserção nos asseguraram, tem a sua contrapartida numa maior decomposição interna, marasmo ideológico, abaixamento do carácter e de toda a espécie de dignidade. Reconhecer isto, significa reconhecer também que o primeiro problema, base de qualquer outro, é de índole interna: reerguer-se, ressurgir interiormente, tomar forma, criar em nós mesmos ordem e aprumo. Quem se ilude àcerca da possibilidade de uma luta puramente política e sobre o poder de uma ou outra forma ou sistema que não tenha contrapartida precisa numa nova qualidade humana, nada aprendeu das lições do recente passado. Eis um princípio que, mais que nunca, deveria ter evidência absoluta: se um Estado possuísse um sistema político ou social que, em teoria, se apresentasse como o mais perfeito mas cuja substância humana fosse degenerada, então esse Estado desceria mais tarde ou mais cedo ao nível das mais baixas sociedades, ao passo que um povo, uma raça capaz de produzir homens verdadeiros, homens de recto sentir e seguro instinto, atingiria um alto nível de civilização e manter-se-ia de pé perante as provações mais calamitosas, mesmo que o seu sistema político fosse insuficiente e imperfeito. Devemos tomar uma posição firme contra aquele falso “realismo político” que pensa apenas em termos de programas, de problemas de organização partidária, de receitas sociais e económicas. Tudo isso pertence ao contingente, não ao essencial. A medida do que pode ser ainda salvo depende da existência ou inexistência de homens que se apresentem, não a pregar fórmulas, mas como exemplos, não pactuando com a demagogia e com o materialismo das massas, mas despertando formas diversas de sensibilidade e de interesses. Partindo daquilo que, apesar de tudo, subsiste entre as ruínas, reconstituir lentamente um homem novo caracterizado por um determinado espírito e uma adequada visão da vida, fortificado pela adesão férrea a certos princípios — eis o verdadeiro problema —.
3. Como espírito, há efectivamente algo que pode servir de padrão às nossas forças de resistência e de ressurgimento: o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher a via mais dura, de quem sabe combater mesmo não ignorando que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe convalidar as palavras da antiga saga “a fidelidade é mais forte que o fogo” e graças a quem se afirma a ideia tradicional que é o sentido da honra e da desonra — não meias medidas derivadas da pequena moral — que cria uma diferença existencial entre os seres, quase como que entre uma raça e outra.
Torna-se necessário agora separar esse espírito das fórmulas ideológicas mais ou menos problemáticas que foram esboçadas naquele período e que hoje alguns assumem erroneamente confundindo-as com o essencial e arvorando-as como bandeira; impõe-se assumi-lo no seu estado puro e estendê-lo do tempo de guerra ao tempo de paz, desta paz que é apenas e acima de tudo uma pausa e uma desordem mal contida até se determinar uma descriminação e uma nova ordem de combate. Isto deve ter lugar em termos muito mais essenciais que no “partido”, que pode ser apenas um instrumento contingente de determinadas lutas políticas; em termos mais essenciais, até do simples movimento, se por movimento se entende unicamente um fenómeno de massas e de agregação, fenómeno quantitativo mais que qualitativo e baseado predominantemente em factores emotivos, em vez da severa e clara adesão a uma ideia. Acima de tudo, é uma revolução silenciosa, em profundidade, que deve realizar-se, para que sejam criadas, primeiro interiormente e no indivíduo singular, as premissas daquela ordem que depois deverá afirmar-se também no exterior, suplantando fulminantemente no momento justo as formas e as forças de um mundo de decadência e de subversão. O “estilo” que deve tomar relevo é o de quem se mantém em posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia com uma intensidade total, com repulsa por qualquer compromisso, num empenhamento completo que se deve manifestar não apenas na luta política, mas em todas as manifestações da existência: nas oficinas, nos laboratórios, nas universidades, nas ruas, na própria vida pessoal e afectiva. Deve atingir-se o ponto em que o tipo de que falamos e que deve ser a substância celular do nosso ordenamento, seja bem reconhecível, inconfundível, diferenciado, e dele se possa dizer: “Trata-se de alguém que actua como um homem do Movimento”.
Quis fazê-lo já a revolução de ontem, mas, em vários aspectos, foi impedida por factores múltiplos. Hoje, ao fim e ao cabo, as condições são melhores por não existirem equívocos, basta olhar em volta das praças até ao parlamento para as vocações serem postas à prova e se vislumbre nítida a medida daquilo que não devemos ser. Perante um mundo de cobardia cujo princípio é: “Quem te mandou fazer isso?” ou “primeiro o estômago, a pele (a malapartiana pele!) e depois a moral” ou ainda “nestes tempos, não podemos dar-nos ao luxo de ter carácter” ou, finalmente, “tenho família”, é preciso saber opor um claro e firme “não podemos agir de outro modo, este é o nosso caminho, este é o nosso ser”. O que de positivo poderá ser atingido hoje ou amanhã, não será por meio de habilidades de agitadores ou de politicantes, antes por meio do prestígio natural reconhecido a homens que, seja de ontem, seja mais ainda da nova geração, tenham capacidade para tal e assim dêm garantias à Ideia.
4. É, pois, uma substância nova que deve colocar-se no lugar daquela podre e desviada, criada pelo clima da traição e da derrota num lento avanço para além dos quadros das linhas e das posições sociais do passado. É uma figura nova que importa ter diante dos olhos para medir a própria força e a própria vocação. Importante, fundamental, é reconhecer precisamente que essa figura não tem nada a ver com as classes, com as categorias sociais económicas e com as antíteses que lhes dizem respeito. Tal figura poderá manifestar-se sob a veste do rico como do pobre, do trabalhador como do aristocrata, do empresário como do explorador, do técnico, do teólogo, do agricultor, do homem político em sentido estricto. Mas esta substância nova conhecerá uma diferenciação interna que será perfeita quando, de novo, não existirem dúvidas àcerca da vocação e da função de seguir e de comandar. Quando o símbolo restaurado da autoridade absoluta dominar no centro das novas estruturas hierárquicas.
Isto define uma directriz que pode classificar-se tanto de anti-burguesa, quanto de anti-proletária, uma directriz livre de todo das contaminações democráticas e das obsessões sociais, porque conduz a um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e de chefes de homens. Desprezo do mito burguês da segurança, da vida medíocre, estandardizada, conformista, domesticada e “moralizada”.
Desprezo pelo vínculo anódino inerente a todo o sistema colectivista e mecanicista e a todas as ideologias que atribuem a confusos valores “sociais” o primado sobre os valores heróicos e espirituais, com os quais se deve definir para nós, em todo o domínio, o tipo do homem verdadeiro, da pessoa absoluta. E qualquer coisa de essencial será conseguido quando se restaurar o amor por um estilo de impersonalidade activa para a qual o que importa é a obra e não o indivíduo, pela qual sejamos capazes de não nos considerarmos a nós próprios algo de importante, importante sendo, ao invés, a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, o fim visado. Aí, onde esse espírito se afirme, simplificar-se-ão muitos problemas, inclusivé de ordem económica e social, que, de outra forma, permaneceriam insolúveis se afrontados do exterior sem a eliminação das infecções ideológicas que, já à partida, impedem todo o retorno à normalidade e até à percepção mesma do que significa normalidade.
5. Assim, não só como orientação doutrinária mas também no que toca ao mundo de acção, é capital que os homens da nova milícia reconheçam com exactidão a concatenação das causas e efeitos e a continuidade essencial da corrente que deu vida às várias formas políticas que hoje se debatem no caos dos partidos.
Liberalismo, depois democracia, depois socialismo, depois radicalismo, finalmente comunismo ou bolchevismo, aparecem historicamente como graus do mesmo mal, como estádios que prepararam sucessivamente o complexo processo de decadência. O início desse processo está no momento em que o homem ocidental cortou os vínculos com a tradição, desconheceu todo o símbolo superior de autoridade e soberania, reivindicou para si próprio como indivíduo uma liberdade vã e ilusória, se tornou átomo em vez de parte consciente da unidade orgânica e hierárquica de um todo. E o átomo, finalmente, devia encontrar contra si a massa dos outros átomos, dos outros indivíduos, e ser arrastado pelo despontar do reino da quantidade, do puro número, das massas materializadas, que não têm outro deus que a economia soberana. Neste processo, não se pára a meio caminho. Sem a revolução francesa, sem o liberalismo e sem a revolução burguesa, não se teria chegado ao constitucionalismo, sem a democracia não se teria chegado ao socialismo e ao nacionalismo demagógico, sem a preparação do socialismo não teríamos o radicalismo e, finalmente, o comunismo. O facto dessas várias formas se apresentarem hoje umas ao lado das outras ou em recíproco antagonismo, não deve impedir o olhar que sabe ver verdadeiramente de reconhecer que estão solidárias, se concatenam, se condicionam reciprocamente e exprimem apenas os graus diversos da mesma corrente, da mesma subversão de todo o ordenamento social normal e legítimo. Assim, a grande ilusão dos nossos dias é que democracia e liberalismo sejam antítese do comunismo e tenham o poder de bloquear a maré das forças inferiores, daquilo que no calão das câmaras de trabalho se chama o movimento “progressista”. Ilusão: é como dizer que o crepúsculo é a antítese da noite, que o grau incipiente de um mal é a antítese da sua forma aguda e endémica, que um veneno diluído é a antítese desse veneno no seu estado puro e concentrado. Os homens do governo desta Itália “libertada” nada aprenderam da história mais recente, cujas lições se repetem em toda a parte até à monotonia, e continuam o seu comovente malabarismo com concepções políticas decaídas e inanes no carnaval parlamentar, quase dança macabra sobre a cratera de um vulcão latente. Nós, pelo contrário, devemos ter a coragem do radicalismo, o não! dito à decadência política em todas as suas formas, seja de esquerda, seja da pretensa direita. E, sobretudo, devemos estar conscientes de que não se pactua com a subversão, que fazer concessões hoje, significa condenar-se a ser esmagado amanhã. Intransigência nas ideias, portanto, prontidão em avançar com forças puras quando o momento oportuno for atingido.
Isto implica, naturalmente, desembaraçar-se ainda da distorção ideológica, bastante difundida também numa parte da nossa juventude, por via da qual se concedem alibis às destruições que já tiveram lugar, iludindo com o pensamento de que, apesar de tudo, eram necessárias e serviam o “progresso”; que se deve combater por qualquer coisa de “novo” situado num futuro indeterminado e não pelas verdades que já possuímos, já que essas, ainda que em formas diversas de aplicação, foram sempre e em toda a parte a base de todo o tipo correcto de organização política e social. Rechassemos essas extravagâncias e saibamos rir de quem nos acusa de sermos “anti-históricos” e “reaccionários”. A história, entidade misteriosa escrita com letra maiúscula, não existe. São os homens, na medida em que são verdadeiros homens, que fazem e desfazem a história; o chamado “historicismo” é mais ou menos a mesma coisa que o que nos ambientes de esquerda se chama “progressismo” e só quer uma coisa hoje: fomentar a passividade face à corrente que engrossa e arrasta sempre mais e mais. Quanto ao “reaccionarismo”, perguntai: quereis que enquanto agis, destruindo e profanando, nós não reajamos, nos limitemos a olhar ou até a dizer: bravo, continuai?
Só não somos “reaccionários” porque a palavra não é suficientemente forte e, sobretudo, porque partimos do positivo, representamos o positivo, valores reais e originários, que não necessitam da luz de nenhum “sol do futuro”. Frente ao nosso radicalismo, surge em particular, como irrelevante, a antítese entre “Oriente” vermelho e “Ocidente” democrático, aparece-nos mesmo como tragicamente irrelevante o eventual conflito armado entre esses dois blocos. A olhar apenas ao imediato, subsiste por certo a escolha do mal menor, já que a vitória militar do “Oriente” implicaria a destruição física imediata dos últimos expoentes de resistência. No plano da ideia, a Rússia e a América do Norte são como os dois braços da mesma tenaz a caminho de se encontrarem para esmagar definitivamente a Europa. Nessas duas formas diversas e convergentes, actua a mesma força estranha e inimiga. As formas de estandardização, de conformismo, de nivelamento democrático, de frenesi produtivo, de mais ou menos prepotentes e explícitos brains trusts, de materialismo redutor, do americanismo, podem servir para abrir caminho à fase ulterior representada dentro da mesma direcção pelo ideal puramente comunista do homem-massa. O carácter distintivo do americanismo é que o ataque contra a qualidade e a personalidade não se faz mediante a coacção brutal da ditadura proletária e do pensamento de Estado, é quase espontaneamente imposto ao longo dos caminhos de uma civilização que não conhece ideais mais altos que riqueza, rendimento, produção ilimitada, ou seja, por uma exasperação e uma redução ao absurdo daquilo que a própria Europa elegeu — os mesmos motivos tomaram aí forma ou estão a tomar forma —. Mas, primitivismo, mecanicismo e brutalidade encontram-se tanto num lado como no outro. Em certo sentido, o americanismo é mais perigoso que o bolchevismo: por ser uma espécie de cavalo de Tróia. Quando o ataque contra os valores que ainda restam da tradição europeia se efectua na forma directa e nua da ideologia bolchevista e do estalinismo, erguem-se ainda reacções e algumas linhas de resistência, ainda que débeis, podem ser mantidas. As coisas sucedem diversamente quando o mesmo mal actua de modo mais subtil e as transformações acontecem insensivelmente no plano dos costumes e da visão geral da vida, como é o caso do americanismo. Suportando com inteira boa vontade este último sob o signo das liberdades democráticas, a Europa predispõe-se às últimas abdicações, de tal modo que pode acontecer que nem sequer seja necessária uma catástrofe militar e que, por via progressiva, se atinja mais ou menos o mesmo ponto depois de uma última crise social. Diremos de novo, a meio caminho não se fica. O americanismo, querendo ou não, trabalha a favor do seu aparente inimigo, o colectivismo.
6. Não sem relação com isto, o nosso radicalismo de reconstrução exige que não se transija só com qualquer variedade da ideologia marxista ou socialista, mas também com aquilo que em geral se pode chamar a alucinação ou o demonismo da economia. Trata-se aqui da ideia que o factor económico é na vida individual ou colectiva o importante, o real, o decisivo; que a concentração de todo o valor e interesse no plano económico e produtivo não é aberração sem precedentes do homem ocidental moderno, antes qualquer coisa de normal, não uma necessidade eventual brutal, mas algo que é desejado e exaltado. Nesse círculo fechado e cinzento, estão encerrados o capitalismo e o marxismo. Devemos romper esse círculo. Enquanto não se souber falar senão de classes económicas, de trabalho, de salários, de produção, quando se cria a ilusão de que o verdadeiro progresso humano, a verdadeira elevação do homem singular é condicionada apenas por um particular sistema da distribuição da riqueza e dos bens relacionados com a pobreza ou com a riqueza, com o Estado da prosperity U.S.A. ou com o socialismo utópico, ficamos sempre num plano idêntico ao que pretendemos combater. Devemos afirmar isto: que tudo o que é economia e interesse económico como mera satisfação das necessidades animais teve, tem, terá sempre, uma função subordinada numa unidade normal; que, para além dessa esfera, deve diferenciar uma ordem de valores superiores, políticos, espirituais e heróicos, uma ordem que — como já dissemos — não conhece e muito menos admite “proletários” ou “capitalistas” e em função da qual devemos definir as coisas pelas quais vale a pena viver e morrer. Deve estabelecer-se a hierarquia verdadeira, devem diferenciar-se novas dignidades e, no vértice, deve estar entronizada a superior função de comando, de Imperium.
Assim, serão erradicadas muitas ervas daninhas que brotaram aqui e além no nosso campo. Que significa de facto aludir ao “Estado do trabalho”, ao “socialismo nacional”, ao “humanismo do trabalho” e a coisas semelhantes? O que é isso senão uma aberta involução da política na economia, quase um retomar daquelas tendências problemáticas para um “corporativismo integral” e no fundo acéfalo que, no Fascismo, encontraram felizmente o caminho fechado? Que coisa é essa considerar a fórmula da “socialização” uma espécie de remédio universal e elevar a “ideia social” a símbolo de uma nova civilização que, como se sabe, deveria estar para além do “Oriente” e do “Ocidente”?
São esses — importa reconhecê-lo — os lados sombrios presentes em alguns espíritos que, todavia, se encontram ao nosso lado noutros aspectos. Com isso, pensam ser fiéis a uma ordem revolucionária, ao passo que obedecem apenas a sugestões mais fortes que eles mesmos de que está saturado o degradado ambiente político. Entre tais soluções, encontra-se a própria “questão social”. Quando se apreenderá a verdade, isto é, que o marxismo não apareceu porque existia uma “questão social” real, mas que a “questão social” surge — em infinitos casos — apenas porque existe marxismo, ou seja, artificialmente, e em termos quase insolúveis, por obra de agitadores, dos famosos “restauradores da consciência de classe”, sobre os quais Lenine se exprimiu claramente ao refutar o carácter espontâneo do movimento revolucionário proletário?
Partindo desta premissa, será necessário agir no sentido da desproletarização ideológica, da desinfecção do vírus político socialista nas partes ainda sãs do povo. Só então poderá ser estudada e efectuada sem perigo outra reforma, segundo uma justiça autêntica.
Assim, como caso particular, ver-se-á de acordo com que espírito a ideia corporativa poderá ser de novo uma das bases de reconstrução: corporativismo, não tanto como sistema geral de harmonização estatal e quase burocrática que mantenha a ideia deletéria de opostas posições de classe, antes como exigência que no próprio interior da empresa seja reconstruída aquela unidade, a solidariedade de forças diferenciadas que a prevaricação capitalista (com o tipo parasitário do especulador e do capitalista financeiro) de um lado, a agitação marxista, do outro, prejudicaram e destruíram. Impõe-se fazer voltar a empresa à forma de unidade quase militar na qual, ao espírito de responsabilidade, energia e competência de quem dirige, corresponde a solidariedade e a fidelidade das forças trabalhadoras a si associadas no labor comum. Entendido neste seu lado positivo e legítimo, é este o sentido próprio da “socialização”: designação pouco adequada, no entanto, já que aquilo de que se devia falar se trata antes da reconstrução orgânica da economia na empresa, ao passo que, com o uso daquela fórmula, nos devíamos preservar de intuitos puramente propagandísticos, de adulação do espírito de sedição das massas disfarçado em “justiça social” proletária. Em princípio, impõe-se retomar o estilo de impersonalidade activa, de dignidade, de solidariedade no produzir, característico das antigas corporações artesanais e profissionais. Mas, repitamo-lo, isso deve atingir-se no interior. O importante é que, contra toda a forma de ressentimento e de competição social, cada um saiba reconhecer e amar o seu próprio posto, o que, na verdade, está conforme com a sua própria natureza, reconhecendo deste modo os limites entre os quais pode desenvolver as suas possibilidades e alcançar a perfeição; um operário que desempenha perfeitamente a sua função, é indubitavelmente superior a um rei que recusa cumprir o seu dever e não está à altura da sua dignidade.
Em especial, podemos admitir um sistema de competências técnicas e de representação corporativa que suplante o parlamentarismo dos partidos; mas deve ter-se presente que as hierarquias técnicas no conjunto não podem significar mais que um grau na hierarquia integral: dizem respeito à ordem dos meios a serem subordinados à ordem dos fins, à qual corresponde então a parte propriamente política e espiritual do Estado. Na verdade, falar de um “Estado do trabalho” ou de produção, equivale a tomar a parte pelo todo, a reduzir um organismo humano a funções meramente físico-vitais. Coisa tão obtusa e obscura não pode ser a nossa insígnia nem ideia social. A verdadeira antítese frente, quer ao “Oriente”, quer ao “Ocidente”, não é o “ideal social”. É antes a ideia hierárquica integral. A respeito disso, nenhuma incerteza é tolerável.
7. Se a ideia de unidade política viril e orgânica foi já parte essencial no mundo que se derrubou — por isso, foi reevocado por nós o símbolo romano — devemos todavia apontar os casos em que tal exigência sofreu um desvio e quase abortou, dirigindo-se para a errada direcção do “totalitarismo”. Eis, novamente, um ponto que é preciso ver com clareza, a fim da diferenciação entre as frentes ser rigorosa e não serem fornecidas armas aos que querem intencionalmente confundir as coisas. Hierarquia não é hierarquismo (mal que hoje reaparece demasiadamente, embora em tom menor) e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora. No tocante aos indivíduos singulares, a verdadeira superação do individualismo e do colectivismo tem apenas lugar quando há homens que estão frente a homens na diversidade natural do seu ser e da sua dignidade, merecendo o máximo destaque a antiga máxima segundo a qual “a suprema nobreza dos chefes não é serem patrões de servos, mas chefes que amam a liberdade até naqueles que lhes obedecem”. No que diz respeito à unidade, que, por princípio, deve impedir toda a forma de dissociação e de absolutização do particular, deve ser essencialmente espiritual, deve ser uma influência central orientadora, um impulso que, conforme os domínios, assuma as mais diferenciadas formas de expressão. É essa a verdadeira essência da concepção “orgânica” oposta ao tipo de relações rígidas e extrínsecas próprias do “totalitarismo”. É nesses quadros que a exigência da liberdade e da dignidade da pessoa humana (que o liberalismo só sabe conceber em termos individualistas, igualitaristas e privatísticos) se pode realizar integralmente. É com esse espírito que as filas das novas milícias devem estar ordenadas e que as estruturas de um novo ordenamento político-social serão estabelecidas em articulações firmes e claras.
Tais estruturas, porém, necessitam de um centro, de um ponto de referência supremo. É indispensável um novo símbolo de soberania e de autoridade absolutas. A tal respeito, a palavra de ordem deve ser nítida, não podem ser admitidas tergiversações ideológicas. Convém dizer claramente que não se trata aqui do chamado problema institucional; trata-se, sobretudo, do que é necessário a um clima específico, do fluido que deve animar toda a relação de fidelidade, de dedicação, de serviço, de acção desindividual, de tal forma que seja autenticamente superado o cinzento, mecânico e oblíquo mundo político actual. Encontrar-nos-emos num caminho sem saída se não formos capazes de uma espécie de ascese da ideia pura. Alguns antecedentes pouco felizes das nossas tradições nacionais como, em grau ainda maior, as trágicas contingências de ontem, prejudicam em muitos dos nossos a percepção clara da direcção justa. Podemos declarar-nos incompatíveis com a directriz monárquica se temos em vista aqueles que actualmente nada mais sabem que defender o resíduo da ideia, símbolo esvaziado e desvirilizado, da monarquia constitucional e parlamentar. Mas também, de modo igualmente decidido, devemos declarar a nossa incompatibilidade face à ideia republicana. Ser anti-democrata, por um lado, e, por outro, defender “ferozmente” (é esta, predominantemente, a terminologia de certos expoentes da falsa intransigência) a ideia republicana, é um absurdo abertamente palpável: a república (referimo-nos às repúblicas actuais: as repúblicas antigas eram aristocracias — como Roma — ou oligarquias, estas com carácter de tirania muitas vezes) pertence essencialmente ao mundo que veio à vida através do jacobinismo e da subversão anti-tradicional e anti-hierárquica do século XIX. Deixemo-la a esse mundo, que não é o nosso. Não se jogue com equívocos em nome da fidelidade ao fascismo de Saló; se, por tal razão, se devesse seguir a falsa via republicana, imediatamente estaríamos a ser infiéis a qualquer coisa de maior e de melhor, a abandonar o núcleo central da ideologia do Ventennio, isto é, a sua doutrina do Estado em função da autoridade, do poder, do Imperium. Impõe-se que só a essa doutrina sejamos fiéis, não consentindo em descidas de nível e não fazendo o jogo de algum grupo. A concretização do símbolo acima referido deixa-se por agora indeterminada. Diga-se apenas: Chefe, Chefe de Estado. Para além disso, a tarefa essencial é preparar silenciosamente o ambiente espiritual adequado a que o símbolo da autoridade intangível seja sentido e readquira a plenitude do seu significado: ao qual não pode corresponder a estatura de qualquer mutável “presidente” de república e muito menos de um tribuno ou dirigente popular detentor de um simples poder individual informe desprovido de qualquer carisma superior, assentando o prestígio precário por ele exercido nas forças irracionais das massas. É a isso que alguns deram o nome de “bonapartismo”, justamente reconhecido, não como significando a antítese da democracia demagógica ou popular, mas, em vez disso, a lógica conclusão da mesma: um dos obscuros aparecimentos da decadência do Ocidente de que falava Spengler. Eis a nova pedra de toque para os nossos: a sensibilidade perante tudo isto. Já Carlyle falava do mundo dos servos que quer ser governado pelo pseudo-herói — não por um Senhor —.
8. Dentro de uma ordem de ideias análoga, deve ser acentuado um outro ponto. Trata-se da posição a assumir face ao nacionalismo e à ideia genérica de Pátria. Isto é tanto mais oportuno quanto acontece que, hoje em dia, muitos, para procurarem salvar o salvável, querem fazer valer acima de tudo uma concepção romântica, sentimental e, ao mesmo tempo, naturalística da nação, noção alheia à mais alta tradição política europeia e pouco conciliável com a ideia de Estado de que temos falado. Nestes tempos, em que é necessário formar um grande ordenamento internacional definido por uma ideia e se insiste na fórmula da pietística “pacificação nacional” e de “solidariedade dos filhos da mesma terra” enquanto se vê a ideia de Pátria ser invocada retorica e hipocritamente pelos partidos mais opostos e até por aqueles que estão a soldo da subversão vermelha — eis o que não se compreende. Mas o mais essencial é a questão de princípio. O plano político, enquanto tal, é de uma unidade superior às unidades definidas em termos naturalísticos como são aquelas a que correspondem as noções genéricas de nação, de pátria, de povo. Nesse plano superior, o que une e divide é a Ideia, uma ideia de que é portadora uma determinada elite e que tende a concretizar-se no Estado. Por isso, a doutrina fascista — que em tal ponto se manteve fiel à melhor tradição política europeia — deu à Ideia e ao Estado o primado relativamente à nação e ao povo e entendeu que nação e povo só adquirem significado e forma dentro do Estado, participando num grau superior de existência. Precisamente em períodos de crise como o actual, precisamos de manter-nos firmes nesta doutrina. Na Ideia se reconhece a nossa verdadeira Pátria. O que hoje conta, não é ser da mesma terra ou falar a mesma língua, mas pertencer à mesma Ideia. Esta é a base, o ponto de partida. À unidade colectivística da nação — les enfants de la patrie — que predomina desde a revolução jacobina, opomos em todas as circunstâncias algo como uma Ordem, homens fiéis a princípios, representantes de uma autoridade e legitimidade superiores procedentes, exactamente, da Ideia. Ainda que para fins práticos seja desejável atingir uma nova solidariedade nacional, não se desça a compromissos para a atingir; o pressuposto sem o qual todo o resultado seria ilusório, é saber separar-se e dar forma a um ordenamento definitivo da Ideia como ideia política e visão da vida. Não há outro caminho, é preciso que dentre as ruínas se renove o processo das origens, processo que, em função das elites e de um símbolo de soberania e autoridade, uniu os povos em grandes Estados tradicionais, que surgiram do informe. Não entender este realismo da Ideia, significa limitarmo-nos a um plano no fundo subpolítico: ao naturalismo e sentimentalismo, senão mesmo à retórica patrioteira. Estejamos bem atentos na altura em que apoiamos a nossa ideia nas tradições nacionais: há uma história pátria de inspiração maçónica e anti-tradicional especializada em atribuir carácter italiano aos lados mais problemáticos da nossa história: a partir da revolta das comunas apoiada no guelfismo. Com ela, toma relevo uma “italianidade” tendenciosa na qual nós, que escolhemos o símbolo romano, não podemos nem queremos reconhecer-nos. Deixamo-la de boa vontade aos italianos que celebraram o “segundo Risorgimento” com a “libertação” e com o “partigianismo”
Ideia, Ordem, Elite, Estado, Homens da Ordem — enquanto for possível, são estas as linhas a manter.
9. Diga-se qualquer coisa sobre o problema da cultura. Não demasiado. De facto, não supervaloramos a cultura. Aquilo a que chamamos “visão do mundo” não se baseia em livros; é uma forma interior que pode ser mais rigorosa num ser sem cultura especial, que num “intelectual” ou num escritor. Deve inscrever-se entre os malefícios da “cultura livre” ao alcance de todos o facto do indivíduo singular ficar aberto a influências de qualquer género quando, por natureza, não tem capacidade reactiva face a elas para saber discriminar e julgar adequadamente.
Temos de limitar as nossas considerações a dizer como estão actualmente as coisas: há determinadas correntes das quais se deve defender interiormente a juventude que hoje se quer unir a nós. Falámos atrás de um estilo de rectidão e de disciplina interior. Esse estilo implica um justo saber e os jovens, em especial, devem aperceber-se da intoxicação exercida sobre toda uma geração pelas várias mas concordantes visões distorcidas e falsas da vida que incidiram sobre as forças interiores precisamente no ponto em que a sua integridade seria maximamente necessária. De uma maneira ou de outra, esses tóxicos continuam a agir hoje sobre a cultura, sobre a ciência, sobre a sociologia, sobre a literatura, como outros tantos focos de infecção que importa assinalar e atacar. Além do materialismo histórico e do economicismo, o darwinismo, a psicanálise, o existencialismo, o neo-realismo estão entre esses principais focos de infecção.
Contra o darwinismo, reivindicamos a dignidade fundamental da pessoa humana, reconhecendo que o seu verdadeiro lugar não é o de uma espécie animal particular mais ou menos evoluída junto de tantas outras e diferenciada pela “selecção natural”, sempre ligada a origens animais e primitivistas. O seu lugar situa-se além do plano biológico e eleva-a acima deste. Se hoje não se fala tanto de darwinismo, a sua substância permanece. Numa ou noutra variante, o mito biologístico darwiniano vale como dogma defendido pelas excomunhões da “ciência” no materialismo da civilização marxista e da americana. O homem moderno habituou-se a essa concepção degradante, reconhece-se tranquilamente nela hoje em dia, julga-a natural.
Contra a psicanálise, deve erguer-se o ideal de um Eu que não abdica, que quer continuar consciente, autónomo e soberano face à parte nocturna e subterrânea da sua alma e ao demonismo da sensualidade; um Eu que não se sente “reprimido” nem psicoticamente dividido, antes realiza o equilíbrio de todas as suas faculdades ordenadas a um objectivo superior do viver e do agir. Pode ser apontada uma convergência evidente: à desautorização do princípio consciente da pessoa, ao relevo dado pela psicanálise e por escolas análogas ao subconsciente, ao irracional, ao “inconsciente colectivo” e a coisas semelhantes, correspondem no indivíduo exactamente o que no mundo social e histórico moderno representam a emergência e o movimento vindo de baixo, a subversão, a substituição revolucionária do inferior pelo superior e o desprezo por todo o princípio de autoridade. Nesses dois planos diversos actua a mesma tendência e os dois efeitos não podem deixar de se completarem reciprocamente.
Quanto ao existencialismo, distinguindo o que nele é propriamente filosofia — uma filosofia confusa — e que até agora era pertença de um círculo restrito de especialistas, importa reconhecê-lo como o estado de ânimo de uma crise tornada sistema e adulada, a verdade de um tipo humano dividido e contraditório que sofre como angústia, tragicidade e absurdo uma liberdade para a qual não se sente digno, antes se sente condenado sem salvação e sem responsabilidade no meio de um mundo desprovido de valor e significação. Tudo isto, mesmo quando já um Nietzsche tinha indicado um caminho para atribuirmos sentido à existência face ao mais exasperado nihilismo, o caminho de quem, para além de todas estas complicações e dilacerações, sabe dar a si mesmo uma lei e um valor absoluto.
Finalmente, deve tomar-se posição contra o chamado neo-realismo, cuja característica é identificar a existência em geral com os seus graus mais baixos e irracionais, comprazendo-se numa espécie de auto-sadismo. Há quem sinta nisso uma espécie de “libertação”: na verdade, semelhante à libertação política, traduzida, não na elevação, mas na postração e degradação geral. Contra isto, deve manter-se vivo o sentido de que a realidade verdadeira da existência está em que esta se subordine a qualquer coisa que vá além dela, à vontade de atingir um “mais além”, deixando para trás o que apenas se vincula ao humano.
Tais são as linhas de superação, que não devem ser intelectualistas e dialécticas, mas vividas, realizadas no seu directo significado da própria conduta e da vida interior de cada um. Salvar-se não é possível se se permanece de alguma maneira sob a influência de formas de pensamento falso e desviado. Desintoxicados, podemos conseguir clareza, rectidão, força.
10. Na zona situada entre a cultura e os costumes, é necessário precisar posteriormente uma certa posição. Foi lançada pelo comunismo a palavra de ordem do anti-burguesismo, acolhida também no campo da cultura por certos ambientes intelectuais de “vanguarda”. Há aqui um equívoco. Como a burguesia social é qualquer coisa de intermédio, há uma dupla possibilidade de superar a burguesia, de dizer não ao tipo burguês, à civilização burguesa, ao espírito e aos valores burgueses. Uma, corresponde à direcção que conduz ainda mais abaixo de tudo isso, à sub-humanidade colectivizada e materializada com o seu “realismo” marxista: valores sociais e proletários contra a “decadência burguesa” e “imperialista”. Outra é a direcção de quem combate a burguesia e se ergue, efectivamente, acima da mesma. Os homens do novo posicionamento serão, sim, anti-burgueses, mas em função da já referida concepção superior, heróica e aristocrática da existência; serão anti-burgueses porque desdenham a vida cómoda; anti-burgueses porque seguirão, não os que prometem vantagens materiais mas os que exigem tudo de si mesmos; anti-burgueses, finalmente, porque não têm a preocupação da segurança, amam a união essencial entre a vida e o risco em todos os planos, tornando próprias a inexorabilidade da ideia pura e da acção estricta. Outro aspecto pelo qual o homem novo, substância celular do movimento de ressurreição, será anti-burguês e se diferenciará das gerações precedentes, é a sua impaciência perante toda a forma retórica e todo o falso idealismo, por todas aquelas grandes palavras escritas com letra maiúscula, por tudo o que é apenas gesto, frase teatral, cenografia. Ao invés, essencialidade, novo realismo no enfrentar exactamente os problemas que se impõem, no fazer o que importa e não na mera exterioridade, antes o ser, não o falar, no realizar de modo silencioso e exacto, em sintonia com as forças afins e aderindo ao imperativo vindo do alto.
Quem, contra as forças da esquerda, só sabe reagir em nome dos ídolos, do estilo de vida, da moralidade medíocre e conformista do mundo burguês, perdeu antecipadamente a batalha. Não é o caso do homem da nossa revolução, que está em pé depois de ter passado pelo fogo purificador das destruições externas e internas. Esse homem, do mesmo modo que politicamente não é o instrumento de uma pseudo-reacção burguesa, também de modo geral retoma forças e ideais anteriores e superiores ao mundo burguês e à era económica, e é com tais forças que cria as linhas de defesa e consolida as posições donde, no momento oportuno, surgirá fulgurante a acção reconstrutora.
Igualmente a tal respeito, julgamos retomar uma palavra de ordem não cumprida: como se sabe, houve no período fascista uma tendência anti-burguesa que quis manifestar-se de modo efectivo. No entanto, também aqui a substância humana não esteve à altura da tarefa proposta. E assim, da anti-retórica soube fazer-se retórica.
11. Consideremos brevemente um último ponto, o das relações entre as forças ainda não despedaçadas e a religião dominante. Para nós, o Estado laico, quaisquer que sejam as suas formas, pertence ao passado. Em particular, combatemos o seu disfarce, que em certos ambientes se apresentou como “Estado ético” produto de uma pretensiosa, espúrea, vazia filosofia “idealista” que aderiu ao Fascismo mas que, pela sua natureza, é capaz, graças a um simples jogo “dialético” de dados, de dar idêntico aval ao antifascismo de um Croce. Tal filosofia é apenas um produto da burguesia laica e humanista presumida do “livre pensamento” próprio de um reitor de liceu, ao celebrar a infinitude do “espírito absoluto” e do “acto puro”. Nada aí há de real, de claro, de duro.
Se combatemos tais ideologias e o Estado laico, do mesmo modo o Estado clerical ou quase clerical é inaceitável. O facto religioso é necessário como alicerce de uma verdadeira concepção heróica da vida, essencial na nossa posição. É preciso sentir em nós mesmos que, para além desta vida terrena, há uma vida mais alta, já que só quem assim sente possui uma força inquebrantável e insuperável; só esse será capaz do ímpeto absoluto — faltando este, desafiar a morte sem ter em conta a própria vida, só é possível em momentos esporádicos de exaltação ou no desencadear de forças irracionais; então, não há disciplina com significado superior e autónomo que possa legitimar-se para o indivíduo. Essa espiritualidade deve estar viva entre os nossos, não necessita de formulações dogmáticas obrigatórias; o estilo de vida que daí se pode extrair não é o do moralismo católico que pouco mais visa que domesticar virtuísticamente o animal humano; politicamente, tal espiritualidade não pode deixar de nutrir desconfiança em relação ao humanitarismo, ao jusnaturalismo, à igualdade, ao ideal do amor e do perdão — em vez do ideal da honra e da justiça — e a tudo o que se pode deduzir de certos aspectos da concepção cristã. Claro, se o catolicismo fosse capaz de se afastar do plano contingente e politicante, se fosse capaz de assumir uma atitude de alta ascese e, nessa base, retomando o espírito da melhor Idade Média — a das cruzadas — tornar-se uma espécie de nova ordem templária compacta e inexorável contra a corrente do caos, da abdicação, da subversão e do materialismo prático do mundo moderno, em tal caso não haveria um instante de dúvida na nossa escolha. Mas, como as coisas estão, isto é, dado o nível medíocre, no fundo burguês e paroquial, a que desceu hoje tudo o que é religião, para os nossos homens poderá bastar a pura referência ao espírito como evidência de uma realidade transcendente a invocar, não para evasões místicas ou alibis humanitários, mas para inserir na nossa força uma outra força, para fazer pressentir que a nossa luta não é apenas luta política, para atrair uma consagração invisível num mundo novo de homens e de chefes.
* * *
Eis algumas orientações essenciais para a batalha a travar, especialmente dirigidas à juventude, para que retome a chama e a palavra de ordem de quem não caiu, extraindo a lição dos erros do passado, sabendo discriminar e rever tudo o que ontem e hoje em dia tem a marca da contingência. Essencial é não descer ao nível dos adversários, não se reduzir à agitação de simples palavras de ordem, não insistir desmedidamente naquilo que no passado, ainda que digno de ser recordado, não tem valor actual e impessoal de ideia-força, não ceder às sugestões do falso realismo politicante, tara de todos os “partidos”. Na verdade, a fim de poderem criar todo o espaço possível na situação actual, é necessário que as nossas forças actuem também na luta corpo-a-corpo, política e polémica. Além disso, é importante, é essencial, que se constitua uma elite que defina a Ideia, em função da qual nos devemos unir, com intensidade firme, rigor intelectual e absoluta intransigência e que afirme essa ideia sobretudo sob a forma de um homem novo, do homem da resistência, do homem de pé entre as ruínas. Se é possível ultrapassar este período de crise e de ordem ilusória, apenas a esse homem pertencerá o futuro; se, porventura, não puder ser detido o destino que o mundo moderno deu a si próprio e que agora o arruina, em tal situação as nossas posições internas serão mantidas: suceda o que suceder, o que deve ser feito será feito, pois pertencemos àquela pátria que nenhum inimigo conseguirá ocupar ou destruir.
Julius Evola
(Directrizes (Orientamenti), Milão, Il Ghibellino, a cura del Centro Ordine Nuovo, Kalendis Januariis MMDCCXII, A. U. C. – 1958.)
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domingo, janeiro 23, 2005
Os desafios do futuro
Vou repetir uma reflexão que já tinha feito há uns tempos.
O futuro próximo traz uma fase de testes cruciais aos grupos que aqui e ali mantêm viva uma posição de tipo nacionalista-revolucionário.
Pode dizer-se que representa para alguns deles verdadeiras provas de vida. Se não ultrapassarem com êxito esses desafios fica em causa a sua própria sobrevivência. Mas pode acrescentar-se que para todos representa a entrada numa série de provas de maturidade. Ou as ultrapassam, demonstrando que souberam ascender a um plano real e efectivamente político da sua actividade e organização, devidamente ancorados na sociedade em que se inserem, ou permanecerão com o estatuto de franjas marginais, mais semelhantes a claques de futebol ou gangues de bairro do que a realidades verdadeiramente políticas.
Importa ter presente que frequentemente os movimentos de inspiração nacionalista, ou neofascista, ou lá o que se lhes queira chamar, não obstante momentos de inegável activismo e notoriedade, desaparecem de súbito sem que aparentemente deixem qualquer rasto - como se representassem tão só um fenómeno temporário do crescimento de uns grupos de jovens unidos mais por instintos gregários e excessos hormonais do que propriamente por qualquer ideia política estruturada. Passada a altura dos impulsos gregários, como as borbulhas, a rapaziada entra na vida a sério e esquece essas aventuras ainda meio adolescentes.
Esta a questão que queria colocar com a referência a provas de maturidade. Elas virão, estão aí à porta. Os que as enfrentam devem reflectir, porque só o pensamento, a análise fria e o auto-conhecimento podem fazer a diferença ente os que vieram para ficar e a agitação estéril dos que só duram a idade das borbulhas, como uma espécie de brotoeja passageira.
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O futuro próximo traz uma fase de testes cruciais aos grupos que aqui e ali mantêm viva uma posição de tipo nacionalista-revolucionário.
Pode dizer-se que representa para alguns deles verdadeiras provas de vida. Se não ultrapassarem com êxito esses desafios fica em causa a sua própria sobrevivência. Mas pode acrescentar-se que para todos representa a entrada numa série de provas de maturidade. Ou as ultrapassam, demonstrando que souberam ascender a um plano real e efectivamente político da sua actividade e organização, devidamente ancorados na sociedade em que se inserem, ou permanecerão com o estatuto de franjas marginais, mais semelhantes a claques de futebol ou gangues de bairro do que a realidades verdadeiramente políticas.
Importa ter presente que frequentemente os movimentos de inspiração nacionalista, ou neofascista, ou lá o que se lhes queira chamar, não obstante momentos de inegável activismo e notoriedade, desaparecem de súbito sem que aparentemente deixem qualquer rasto - como se representassem tão só um fenómeno temporário do crescimento de uns grupos de jovens unidos mais por instintos gregários e excessos hormonais do que propriamente por qualquer ideia política estruturada. Passada a altura dos impulsos gregários, como as borbulhas, a rapaziada entra na vida a sério e esquece essas aventuras ainda meio adolescentes.
Esta a questão que queria colocar com a referência a provas de maturidade. Elas virão, estão aí à porta. Os que as enfrentam devem reflectir, porque só o pensamento, a análise fria e o auto-conhecimento podem fazer a diferença ente os que vieram para ficar e a agitação estéril dos que só duram a idade das borbulhas, como uma espécie de brotoeja passageira.
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