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sábado, abril 30, 2005

Ajuda ao Absonante 

Em auxílio da memória do Absonante, reproduzo parte de uma notícia de "O Século" de 28 de Abril de 1974, referente aos acontecimentos da véspera no Porto:
"Cerca das 16 e 30, vários grupos de manifestantes dirigiram-se para a Rua da Boavista e na Rua Augusto Luso, 68, 1.º, assaltaram as instalações da Cooperativa de estudantes «Cidadela», dirigida por Amadeu de Vasconcelos e pelo dr. José Caetano (este sobrinho do ex-presidente do conselho).
Em curto espaço de tempo destruíram todo o mobiliário, arremessando para a rua, pelas janelas abertas, livros, publicações várias, objectos de escritório, documentação e móveis.
Algumas pessoas que na ocasião ali passavam, verificando que algumas cadeiras, mesas, candeeiros, etc., se encontravam funcionais não tiveram qualquer relutância em levá-los para suas casas.
Alegavam os assaltantes que aquela cooperativa era um coio da D.G.S., pois dali partiam informações que motivaram a prisão de inúmeros estudantes universitários, liceais, e até de professores.
No local juntou-se uma verdadeira mole humana a apreciar o cometimento, tecendo os mais variados comentários à acção dos manifestantes.
Todos os vidros do referido andar, assim como a caixilharia das janelas, portas, e paredes interiores foram também destruídos à pedrada.
Feita esta destruição, o mesmo grupo de manifestantes com vários jovens de todas as idades, dirigiu-se, cerca das 18 horas, para a sede da extinta Acção Nacional Popular, na Rua Alfredo Magalhães, tomando conta das referidas instalações.
Ali o mesmo numeroso grupo assaltante declarou que aquelas instalações e toda a aparelhagem ali existente eram do povo e se destinavam agora, ao Movimento Democrático, onde iria ficar instalada a sua sede provisória.
"

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DURANTE A VELADA DA MORTE 

13 de Outubro de 1945
Não bastava impedir-me de falar; era ainda preciso impedir-me de escrever. Porque me suprimem com tanta rapidez, se eu estou amordaçado e preso?
Nada impedirá, no entanto, os franceses, de compreenderem que se pretende esconder-lhes qualquer coisa.
Nada temia de um debate público. Tinha pedido ao «Diário do Governo», a publicação da acusação e das minhas respostas, para que os franceses fossem esclarecidos. Recusaram-mo.
Sabem agora que se quis esconder-lhes a verdade. A França não está libertada, visto querer-se que ela desconheça a verdade.
Nada temia: destruiria, reduzindo a nada, os agravos, perversos. Combateram-me sempre, com a mentira, e eu destruiria a mentira. Falseou-se a minha personalidade para incitar contra mim o ódio; essa falsa personalidade cederia o lugar ao homem que se apresenta de cara descoberta e que conhece bem os adversários. Foi desta segunda personalidade que se temeram e a quem se quis abafar a voz. Apresentaram-me como um ser pernicioso, como um astucioso, quando lutei sempre com a inteligência virgem e simples de um filho do povo.
Apresentaram-me sempre como um inimigo do povo, quando aqueles que me conhecem sabem bem que o defendi. Vou adormecer no sono eterno. A minha consciência está em paz. O remorso atormentará, talvez, aqueles que, não me conhecendo, me mancharam e torturaram. Ele oprimirá certamente, um dia, aqueles que mandaram assassinar-me. Lastimo-os mais do que os odeio, porque o ódio que os inspira nunca residiu na minha alma.
Choro pela minha família a quem faço sofrer.
Desejo para a minha pátria que tanto amo, a felicidade e a liberdade que lhe roubaram. Encontrá-las-á de novo, um dia, com uma outra moral e com outros guias.
Espero e receberei a morte com serenidade, porque a minha alma sobreviverá. Prefiro a morte às grilhetas.
Pierre Laval
(In «Laval Fala», Notas e Memórias redigidas na prisão de Fresnes de Agosto a Outubro de 1945. Ed. Parceria António Maria Pereira. Lisboa. s/d.)

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DE PIERRE LAVAL 

Aos meus advogados, para os informar
Aos meus carrascos para lhes responder


13 de Outubro de 1945
Não me resta a mínima dúvida sobre a sorte que me espera.
O general De Gaulle não hesita em mandar-me assassinar. Não é uma execução, visto que a sentença que me vitima não é um julgamento. Fecharam-me a boca na audiência; querem fazer calar a minha voz para sempre. Desta forma não temerão mais as minhas declarações. Não é preciso que a França conheça a sua história. Não se quer, sobretudo, que ela saiba quem foram os responsáveis das nossas desgraças.
Dirigi um supremo apelo a dois homens políticos a quem salvei a vida - a Léon Blum e a Paul Reynaud. Tudo em vão.
Não aceito a sentença, não aceito a desonra de uma execução, porque se trata de um assassínio. Quero morrer à minha maneira, pelo veneno, como os romanos. É o meu último acto para protestar contra a selvajeria. Vou utilizar-me do pacotinho de grãos que nenhuma busca pôde descobrir. Este veneno viajou - espero que não esteja adulterado - porque por diversas vezes mudou de esconderijo: a algibeira interior da minha peliça foi muitas vezes o seu refúgio, e a minha pasta, que sempre respeitaram, acolheu-o algumas vezes quando estava melhor empacotado.
Os soldados fuzilam por dever, mas hoje o seu dever é terrível: obriga-os a cometerem um assassínio.
Graças a mim, não serão eles os cúmplices involuntários daqueles que, mais alto, lhes ordenaram o meu assassínio. Não terão, pois, que atirar sobre um homem que morrerá por ter amado muito a sua pátria.
Peço que me deixem a minha faixa tricolor. Desejo levá-la para a minha grande viagem.
Conseguirão calar a minha voz para sempre, mas o meu espírito renascerá mais vivo e mais forte. Dirijo a minha última saudação à França que servi. O meu último pensamento é para ela.
Pierre Laval
(In «Laval Fala», Notas e Memórias redigidas na prisão de Fresnes de Agosto a Outubro de 1945. Ed. Parceria António Maria Pereira. Lisboa. s/d.)

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O INENARRÁVEL MARTÍRIO DE PIERRE LAVAL 

NUM LIVRO ESCALDANTE DE MAITRE ALBERT NAUD: «LES DÉFENDRE TOUS»
Na barra dos tribunais políticos franceses, a voz de Maitre Albert Naud — ombreando, na circunstância, com a de Jacques Isorni e com a de Jean Louis Tixier-Vignancourt — tem sido a legenda viva de um desassombro insoburnável. O prestígio unânimemente creditado à sua ingente actividade de causídico demanda referência expressa ao ano-pesadelo de 1945, quando por entre a euforia dos processos políticos que se sucederam em França ao termo da guerra, a sua argumentação se ergueu, num cerrado levantamento de razões, contra o desaforo de arbitrarismos e iniquidades.
Muito embora tivesse militado, como activista da meia-direita, nas por demais abrangentes e eufemísticas fileiras da mal-chamada Resistência, desde as primeiras horas da não menos mal-chamada Ocupação, Maitre Naud não teve, ao depois, qualquer relutância em chamar a si a defesa de homens de l`autre bord, como o eram Laval, Céline e Béraud...
Fazendo jus aos atributos morais e orais que cedo forjaram a sua reputação nos meios forenses e alardeando, em plenitude de estilo, toda a infinita gama de recursos dialécticos e outros predicados que presto lhe valeram o epíteto de tribuno das causas perdidas, por mais do que uma vez é o mesmo Albert Naud directamente confrontado com pleitos históricos de alto risco, e como tal chamado a depôr publicamente em favor de múltiplos patriotas que assim se encomendaram, em boa hora, ao fogo sagrado da sua eloquência, confiando à guarda desta alguns dos mais grados e mais nobilitantes testemunhos de hombridade de que há notícia e registo.
Ora, acontece que, da imparável intervenção que teve, nesses (e nem só nesses...) estentóreos debates, acabou por surdir esta obra humaníssima e escaldante («Les Défendre Tous»), em cujo perímetro se historiam, ao vivo, esse e alguns outros momentos políticos nevrálgicos, tão desprestigiantes para a nação francesa, e em que, sobretudo, se fixa e se estadeia, e, circunstanciadamente, se arquiva e compagina, à maneira de ilustrações concretas que são um libelo, o longo séquito das demandas judiciárias intentadas, na época, a torto e a direito, e movidas, por então, a eito e a esmo, um pouco por toda a Gália e redondezas...
Certo e bem ciente de que «o mais terrível dos juízes é o condenado à morte» — tão seguro, e ciente e consciente estava disso como o próprio Céline —, segue-se então que Maître Naud, sob a égide da sua palavra avisada, e a ardorosa voltagem do seu Verbo, conduz magistralmente cada caso que cai sob a sua alçada, sob a égide da sua palavra avisada e ardorosa voltagem do seu Verbo, no sempre reiterado intuito de subtrair a ditames e veredictos de condenação sumária, e unilateral, homens que antes deveriam ser enaltecedoramente glorificados (1). E, conquanto outras figuras modelares — outras figuras tutelares e igualmente exemplares — de antes e de depois da guerra (tais como, o velho Casimir Colonel Conte de La Rocque, ou o coronel Ahmed Dlimi, acusado, este, de ter assassinado Ben Barka), marquem comparência, elas também, e também elas perpassem, nas páginas justiceiras deste livro, a maior e a melhor fracção da obra prende-se, essencialmente, com esse hediondo histórico — esse negro, negrinho e negregado capítulo da História da França, que foi o seu imediato (e mortificado) após-guerra. A essa luz, atingem patetismo particularmente cruciante as laudas concernentes a Pierre Laval, cuja causa Maitre Naud não pôde advogar e defender até ao fim, já porque lhe foi discricionariamente coartado, e arbitrariamente interdito o acesso ao dossier de instrução (2), já porque o próprio Laval — acintosamente injuriado, logo no decurso da primeira audiência, pelo famigerado presidente Mongibeau, de la Haute Cour, e por esse procurador-geral de execrável memória, o sinistro Mornet («Malédiction à eux!») —, se dispensou de comparecer a qualquer outra sessão, não se prestando assim a colaborar na farsa do julgamento que lhe estava a ser visivelmente confeccionado, e cozinhado e preparadinho de antemão.
O resto sabe-se: na madrugada da execução, o presidente Laval ingere uma dose mortífera de cianeto, na sua cela de condenado, com o claro e declarado objectivo de partir deste mundo para melhor, sem ter de passar pelo vexame de «ser tocado por mãos sujas» (3) — já ao tempo imundas, e inundadas de sangue até aos côtos.
Menos bem sucedido do que Drieu La Rochelle, Laval vê gorar-se e malograr-se a tentativa de suicídio, em virtude de se achar, a substância por ele ingurgitada, algo deteriorada — não tendo produzido, por isso, o desejado efeito letal, e porque logo houve também (as alminhas caridosas são assim e assim mesmo...!) quem, prestante, prestimosa e diligentemente pegasse, e tratasse de salvar, sem demora, o estadista, da morte voluntária, recuperando-o à má-cara, a todo o transe, à viva força, para o mandar, de seguida, abater a tiro, logo de caminho. A salva do pelotão de fuzilamento visou, em cheio, um agonizante semi-ressuscitado e crivou-o, à queima-roupa, deixando-o prostrado para sempre. Caiu de pé, em todo o caso, o homem de Montoire.
Em suma e em síntese. Maitre Albert Naud, brandindo os tópicos de um código de honra lapidar; intuindo em profundidade e analisando com extrema perícia de processos, e incomparável sageza, os dados da circunstância e os quês e porquês da ocorrência; mais: agindo e operando em permanência com o vigor e rigor do jurista, que nele não excluem, todavia, espontânea vibração de sentimentos e o mais acrisolado calor humano; aqui, lançando inquisitorial o seu anátema e desferindo a sua violenta diatribe; acolá, tributando abertamente o seu louvor e rendendo homenagem, rasgadíssima, Albert Naud, aqui o tem a gente, em corpo inteiro, de uma só peça e de um só rosto, homem de uma só palavra, sempre igual a si próprio, esclarecido e esclarecedor, a pautar-se por critérios judicativos de invariável nobreza, talhados e tendidos na massa de um conhecimento assim de causa que de efeitos, e transpostos em bases de inapelável clarividência, — ele aqui está, sim, a transmitir-nos, de forma insofismável, a estupenda posição que fundou, firmou e arvorou como sua: a de um especialista de verdades como punhos, que fez da «pauvre vieille justice» a cruz e a cruzada de toda a sua vida.
Rodrigo Emílio
1 — O general De Gaulle possui um Képi glorioso «qu`il vient de poser sur la France. Eh bien, si je n`avais pas sauvé les tripes, les os, les nerfs, les machines et les richesses de la France» — alega Laval — «le général De Gaulle aurait posé son képi glorieux sur une France morte et il n`y aurait pas eu de France».
2 — Ler, de Albert Naud: «Porquoi je n`ai pas défendu Laval» (Fayard éditeur). Entretanto, ocorre notar por acréscimo, que, alguns anos mais tarde — precisamente, aquando «de l`affaire Ben Barka» —, há-de reportar-se, de novo Maitre Naud, ao papel que não chegou a desempenhar junto de Laval, nestes termos, repassados de mágoa e por demais concludentes: «Certa vez, estive ausente de um processo que prometia ter grandeza (passava-se tudo isso em 1945), mas que se saldou, ao fim e ao cabo, num mero e estrondoso assassinato judiciário. Estive ausente desse processo» — prossegue Naud — «por expressa vontade mesmo daquele — daquele mesmo — que, na pele de acusado, veio a ser, afinal, a maior vítima. A partir de então, solenemente jurei a mim mesmo, que, a menos que eu me sinta inteiramente incapacitado de deslindar em mim uma parte, que seja, daquele vivo feixe de forças para o qual é imperioso apelar, — a mim próprio, como disse, jurei então, que nunca mais estaria ausente, fosse de que processo fosse».
3 — «A mes avocats pour les éclairer à mes bourreaux pour les confondre.
Je refuse de tomber sous des balles françaises. Je ne veux pas que des soldats soient les complices d`un assassinat judiciaire.
J`ai choisi ma mort: le poison des Romains (...)» — adianta Pierre Laval na sua carta de suicida.

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sexta-feira, abril 29, 2005

UM DISCURSO DE MUSSOLINI 

Não registámos na devida ocasião um discurso feito há poucas semanas por Mussolini à grande multidão dos camaradas operários e camisas negras que em Milão o escutava fremente.
Não são indiferentes, nem devem passar despercebidas as afirmações de um estadista de tal envergadura sobre a questão social.
Como observou conceituosamente em breve, mas sugestivo comentário o ilustre diplomata e nosso querido amigo Marquês de Panlucci del Calboli Barone, na excelente revista Echi e Commenti, «o discurso aos operários de Milão marca nova etapa da Itália mussolínica na sua ascensão».
Depois de se referir ao carinhoso acolhimento recebido, ocupa-se o Duce da chamada crise actual:
«Não se trata de uma crise no sentido tradicional e histórico do vocábulo, mas da passagem de uma fase da civilização para outra. É a economia que, em vez de mirar ao proveito individual, se preocupa com o interesse colectivo».
Aponta o orador as duas soluções que podem disciplinar os fenómenos da produção:
«Consistiria a primeira, em estadificar toda a economia da Nação.
É solução que repelimos, porque, entre outras razões, não queremos decuplicar o número já imponente dos empregados públicos.
A outra é a que impõe a lógica e o desenvolvimento das coisas: é a solução corporativa; é a auto-disciplina da produção confiada aos produtores. E quando digo produtores, não me refiro só a industriais ou a dadores de trabalho; refiro-me também aos operários.
O Fascismo estabelece a igualdade verdadeira e profunda de todos os indivíduos perante o trabalho e a Nação. As diferenças provêm apenas de escala e amplitude das responsabilidades de cada um.»
Insiste então o Duce no objectivo, proclamado noutro discurso, da realização de mais alta justiça social para todo o povo italiano.
«Mas que significa essa mais alta justiça social? Significa o trabalho garantido, o salário equitativo, a casa decente, a possibilidade de progredir e melhorar.
Isso não basta; significa que os operários, os trabalhadores, devem entrar mais intimamente no conhecimento do processo de produção e tomar parte na sua necessária disciplina.»
Afirma o orador a identificação dos operários com o pensamento da revolução fascista, de modo que se o século 19 foi o do poder do capital, o século 20 será o do poder e glória do trabalho.
Após a resolução pela ciência do problema da possível multiplicação da riqueza, tem aquela que resolver o problema da distribuição equitativa.
Passa então o Duce ao rápido exame da política internacional.
Relanceia a vista pelos países vizinhos. Olhando para o Oriente e recordando o valor do exército italiano, afirma a possibilidade de leal entendimento, o propósito de defender a independência da república austríaca sem pruridos de protectorado, como é cavilosamente insinuado. Refere-se brevemente o discurso em tom conciliador às relações com a Alemanha, a Suíça e a França.
Depois de proclamar a conveniência de expor ao povo os grandes problemas da política externa e de crivar de ironias a Comissão do desarmamento, mostra-se Mussolini optimista, sem deixar de insistir pela preparação militar e integral do povo italiano.
Refere-se à preparação do futuro pela justiça social; declara-se convencido de que o Fascismo será o tipo da civilização europeia e italiana do século presente e proclama a sua fé e a sua vontade.
Eis a veemente peroração do discurso:
«Será a paz verdadeira, a paz fecunda, que não pode deixar de ter por companheira a justiça? Podemos adornar os canos das nossas espingardas com os ramos de oliveira?
Se não suceder assim, estejam certos de que nós, homens temperados no clima do Litório, ornaremos a ponta das nossas baionetas com o louro e o carvalho da Vitória.»
Ouçamos o comentário entusiástico de Panlucci Barone:
«A euritmia nacional com que as classes antitéticas do catastrófico marxismo se tornam ordens sociais, diversas mas harmonicamente congregadas na unidade moral da Pátria, aparece através da palavra do Duce, em plena e ressurgente luz cristã.»
Citaremos ainda uma lúcida apreciação do conceito social do discurso de Mussolini:
«A concepção mussolínica consiste na harmonia dos imperativos categóricos, isto é, na disciplina dos deveres, esfera mais alta que o estéril e negativo exercício da liberdade.
Por este modo o trabalho não tem só apenas a sanção material do alojamento cómodo e sadio e da remuneração adequada, mas tem outra mais digna na fraternidade social dos outros factores, que assim concorrem para produzir a riqueza e assegurar o bem estar e o poder.»
Com os seus veementes discursos, eloquente comentário da obra do estadista, consegue Mussolini a intensa vibração da alma popular, identificada com os seus planos de engrandecimento da Nação.
Que diferença entre este apelo à justiça e à harmonia social, pela fecunda cooperação no seio da civilização cristã, e a satânica pregação da guerra de classes do bolchevismo materialista e ateu, que escraviza a Rússia e pretende avassalar o Mundo num mar de sangue e na selvagem destruição de toda a estrutura social e dos gloriosos monumentos do Passado!
Fernando de Sousa
(In «A Voz», n.º 2768, pág. 1, 31.10.1934)

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COM MUSSOLINI 

Raros vão hoje a Roma que não tenham o vivo desejo de ver Mussolini, que, depois de salvar a Itália da anarquia comunista, reorganiza as finanças, reforma a administração e realiza uma grande obra de ordem material e moral e de patriotismo extreme.
Quanto caminho andado desde 1922! Adivinhavam-se ainda estão a inquietação e a desordem latentes. Os serviços de caminhos de ferro ressentiam-se das influências revolucionárias e eram desempenhados com grande irregularidade. A custo se evitou, graças à dedicação, à energia dos fascistas, a paralisação geral de serviços por 24 horas no dia 1 de Maio de 1922.
Que diferença hoje! A regularidade da marcha dos comboios, a limpeza do material, a boa apresentação dos empregados, solícitos e aprumados, a vigilância militar assegurando a boa ordem e disciplina, tudo nos revela uma profunda transformação, uma força poderosa que ordenou o caos.
Amiúde temos publicado dados estatísticos bem frisantes, que mostram como a Itália trabalha hoje em paz, livre de convulsões grevistas, de distúrbios comunistas e socialistas.
Ao mesmo tempo reparam-se pouco a pouco os males causados pelo nefasto maçonismo liberal e assegura-se à Religião e à Igreja o lugar e a influência que na vida social lhes pertencem.
O ensino religioso nas escolas, a restituição do Crucifixo ao lugar que lhe pertence, a solicitude pela equitativa dotação do Clero, a resistência enérgica às tentativas de introdução do divórcio, a guerra franca e decidida às sociedades secretas e especialmente à Maçonaria, a reivindicação dos direitos do poder perante as utopias parlamentaristas: tudo quanto caracteriza a obra de Mussolini mostra bem quão benéfica e sabiamente orientada é a sua acção política e governativa.
Na administração interna e nas relações externas o Duce norteia-se pelos altos ideais de uma Itália grande, próspera, respeitada e cônscia da sua força.
Tem Mussolini, trabalhador infatigável, uma plêiade de colaboradores dedicados, que noite e dia o ajudam na sua tarefa exaustiva.
Seja-me lícita uma especial menção do Marquês de Panlucci dei Calboli Barone, seu chefe de gabinete aliando a uma inteligência culta uma vontade enérgica e tenaz e extraordinárias faculdades de trabalho, no qual está consumindo abusivamente as suas forças.
A ele recorri para falar a Mussolini, o que é sobremodo difícil.
À hora aprazada estava num belo salão do Palácio Chigi e ali aguardei pacientemente que o Duce regressasse do Parlamento.
Introduzido no seu magnífico gabinete de trabalho, achei-me diante de um homem trajando sem pretensões, quase humildemente, lhano simples. A não ser a vivacidade do olhar e a expressão profundamente reflectida, poderíamos tomá-lo por um modesto funcionário seu.
- É jornalista?
— Sou, embora não venha aqui nessa qualidade. Queria apenas saudar V. Exa., testemunhar-lhe a minha admiração pela sua obra tão grande e patriótica, fazendo votos pelo êxito pleno da sua acção governativa. Faço-o com tanto mais entusiasmo, quanto vejo V. Exa. neste momento procurar contrastar a acção nefasta da Maçonaria. Há trinta anos que a combato na imprensa portuguesa, pois tem sido ela a causa dos maiores males que têm afligido o meu país.
Mussolini sorriu e agradeceu os votos formulados e atentando nos emblemas da peregrinação, que eu tinha ao peito, perguntou-me se a ela pertencia.
— Pertenço, embora tivesse vindo antes. E a esse propósito devo referir a V. Exa. que se passou um caso estranho que magoou os portugueses, a intimação policial, feita à chegada, a um dos seus directores, de se absterem de manifestações estranhas ao programa religioso sob pena de graves sanções.
Os meus compatriotas são incapazes de abusar da hospitalidade italiana para fazerem manifestações políticas, para mais sob um pretexto religioso. Nem a elas se prestaria a Família Real aqui presente.
Expliquei então as circunstâncias da visita Régia a Roma.
Mussolini conservou-se em discreto silêncio. Por outrem que não por ele soube depois que ao pedido do Governo português se devera aquela deprimente intervenção.
No seguimento da nossa breve conversação tive ensejo de fazer notar a Mussolini que boa parte da imprensa portuguesa lhe era hostil, o que não admirava em vista das infiltrações maçónicas que a inquinam.
Após algumas palavras amáveis de despedida pronunciadas pelo Duce retirei-me, penhorado com a lhaneza do seu acolhimento.
Deus lhe dê forças para continuar a sua grande obra.
Não são verdadeiras as notícias terroristas que a seu respeito se têm espalhado, mas vê-se bem quanto é esgotante a tarefa esmagadora que o grande patriota está desempenhando.
A despeito dos boatos que a judiaria maçónica e elementos protestantes espalharam para semear no mundo a desconfiança e afastar de Itália as multidões chamadas pelo Ano Santo, quantos ali vão, e são inúmeros, admiram a ordem, o bem-estar, a actividade económica, todas as demonstrações da vida sã duma grande nação. Todos ali se empenham em que os peregrinos do mundo inteiro se sintam bem para o desempenho do objectivo piedoso que a Roma os atrai.
Chegará Mussolini a encontrar a fórmula aceitável que ponha termo à questão romana por forma que a Santa Sé julgar compatível com os seus direitos?
Seria a corôa magnífica da sua grande obra. É esse o segredo da sua Providência.
Nemo
(J. Fernando de Sousa)

(In «A Época», n.º 2106, 09.06.1925, pág. 1/2)

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quinta-feira, abril 28, 2005

Contre la pensée unique 

Saiu há pouco um novo número da revista francesa Terre et Peuple.
Direcção de Piere Vial, colaboração de Guillaume Faye e de muitos outros autores de destaque, em nome do combate cultural e identitário.

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Drieu La Rochelle 

"Le capitalisme veut communiser la consommation,c'est-à-dire qu'il lui faut la rendre égalitaire; l'idée de standard ne veut pas dire autre chose."
Reencontrando Pierre Drieu La Rochelle, o europeu romântico, no sítio próprio.

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Desfiles do Primeiro de Maio 

Pelo menos em Madrid e em Paris os nacionalistas estarão na rua, a assinalar o Primeiro de Maio. Se estiverem por lá, contem depois aqui no blogue.

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Nuestra Revolución 

Um website, muito bem feito aliás, inteiramente dedicado a Ramiro Ledesma Ramos: Nuestra Revolución.

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quarta-feira, abril 27, 2005

28 de Abril 

No dia 28 de Abril passa o aniversário natalício do Presidente Salazar.
E por coincidência completam-se neste 28 de Abril os 60 anos sobre o selvagem assassinato de Benito Mussolini.
Para eles dois aqui fica a nossa recordação e a nossa homenagem.

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terça-feira, abril 26, 2005

Em Aveiro 

Um blogue de nacionalistas do distrito de Aveiro parece ter entrado em marcha: é o Aveiro Nacional.

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Para a História 

Não deixem de ler uma sequência notável de textos do Absonante.
É tempo de contar também a nossa história... no se os puede dejar sólos!

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segunda-feira, abril 25, 2005

OS PRESOS POLÍTICOS 

Já não sei quem foi que disse:
Quando ouço gritar: — Viva a Liberdade — volto-me logo a contar os presos...
Em Portugal, nestes últimos vinte meses tem sido rigorosamente assim: — temos passado a vida a contar os prisioneiros, por entre o estrondear dos vivas à liberdade...
No dia 26 de Abril de 1974, para reacender a luz da liberdade e da democracia escurecida pela longa noite do fascismo saíram da cadeia 150 pessoas — e entraram 2.000. Seis meses tornados, no 28 de Setembro, para assegurar melhor a liberdade e a democracia prenderam-se mais duas ou três centenas. Por volta do 11 de Março, o glorioso M.F.A., sempre no saudável intento de defender a liberdade e a democracia endemicamente periclitantes encarcerou outras tantas centenas de homens, até aí libérrimos. Um semestre passado, no 25 de Novembro, de novo para garantir a liberdade e a democracia agredidas violentamente pelas quadrilhas contra-revolucionárias, democraticidas e liberticidas que, até aí, as tinham defendido, detiveram-se cuidadosamente novos rores de gente. Fundadora das grandes penitenciárias e dos campos de concentração (os primeiros instituiram-nos os ingleses na guerra dos boers) a democracia clássica alimenta e vivifica com carinhos extremos uma já velha tradição carcereira...
Em Portugal, por junto e contado, o horroroso fascismo, em quase meio século de existência, nunca foi tão longe. O Marquês de Pombal revelou-se-nos muito mais modesto; miguelistas e liberais, em relação aos nossos dias, portaram-se com parcimónia; os velhos republicanos românticos, embora democratíssimos, não se podem comparar. A história de Portugal não regista em tempo algum tão grande fervor prisional; batemos agora todos os nossos antigos níveis de repressão policial. Nunca fomos tão livres — com tantos presos. O Pina Manique ao pé do ex-general Otelo é um anjinho com asas de tarlatana; o Teles Jordão(*) ao lado do comandente Xavier é um néné de nanar.
Eu dormia a bom levar quando, pelas 5,30 horas da manhã de 28 de Setembro de 1974, os intelectuais do COPCON me foram buscar a minha casa em S. João do Estoril. Naquela triste e leda madrugada, empunhando uma lindíssimo mandado de captura e as respectivas espingardas-metralhadoras, um grupinho de militares comboiado pelo polícia de giro, fez-me levantar da cama e, de sopetão, meteu-me num carro paisano e conduziu-me para o então RAL 1. Os meus captores simpaticíssimos (um deles está agora em Custóias...) anunciaram a minha estarrecida mulher que a operação da qual participavam se desenvolvia à escala nacional e que naquela noite, por todo o país, iriam malhar com os ossos na cadeia muitos bispos e padres, muitos militares e civis, suspeitos, como eu, de pertencerem a uma associação de malfeitores.
Metido no carro particular, sabendo que vários civis (militantes do P.C. mascarados de militares) tinham andado pelas redondezas a prender presumíveis adversários políticos, passou-me pela cabeça que me iam dar um tiro. Rezei o Acto de Contrição, e aconcheguei-me tranquilo a passar o terço pelos dedos. O automóvel seguiu Marginal fora, caminho de Lisboa; foi várias vezes interceptado por eficientes barreirinhas populares e rapidamente chegou a Sacavém. O dia despontava divertidíssimo. No ex-RAL 1 enfiaram-me numa enfermaria superlotada; antes, porém, alguém bem avisado foi dizendo, ao meu passar, de forma acintosamente audível, que eu era para limpar... Percebi na altura que não morreria nem de medo — nem de parto. O limpador em potência (soube-o depois pelas fotos dos jornais) era o Major eleito Diniz de Almeida...
Do RAL 1, onde permaneci umas horas a dormitar, embalaram-me numa ramona para o Reduto Norte do Forte de Caxias onde, logo no átrio, fui soezmente insultado por um anãozinho disfarçado de oficial de marinha. Durante sete longos meses habitei a prisão sinistra. Pelo 11 de Março, para acomodar novos hóspedes, passaram-me para Peniche, a ver o mar. De Peniche, após poucas semanas enlouquecedoras, devolveram-me a Caxias, para um isolamento terapêutico. De Caxias, para atender à explosão demográfica da população prisional portuguesa, pespegaram comigo na Penitenciária onde vegetei porcamente de 25 de Maio a 3 de Dezembro de 1975. Neste dia, passado ao foro civil pelo qual ansiava, fui ouvido na Polícia Judiciária por um juiz formalíssimo, legalíssimo e educadíssimo e posto em liberdade pelas onze e meia da noite. Tinham passado 14 meses e cinco dias. Louvado seja Deus!
Enquanto estive preso perdi (concerteza por descuido meu...) amigos de trinta anos; achei muitos outros das melhores pessoas possíveis de encontrar: — pides, legionários, comunistas, marxistas-leninistas, socialistas, anarquistas, luaristas, monárquicos, republicanos, pobretanas, oficiais do exército e da armada — criminosos de delito comum. Diverti-me e sofri horrores. Joguei desabaladamente o bridge — a vingança dos estúpidos. Aprendi a cozinhar. Fui interrogado cerca de dez vezes. Deram-me encontrões. Apontaram-me pistolas. Uns garotelhos quaisquer ameaçaram-me com horrendas sevícias. Ri-me por dentro e por fora com tudo o que se passava: — se a liberdade e a democracia eram aquilo, eram exactamente o que eu imaginara em muitos anos de compassada meditação política.
Admirei gulosamente durante meses alguns raros espécimes de antropóides. Vi morrer homens por incúria, indiferença e covardia. Observei como, pouco a pouco, uma pessoa se degrada psiquicamente até parecer um bicho. Eu próprio, a certa altura, possesso de neurose prisional, me rebolei pelo chão a gritar enraivecido, tomado de desespero. Tive inefáveis momentos de paz e tranquilidade. Em escuras noites de insónia e terror, voltei-me todo para mim e encontrei-me com Deus, vislumbrando ao longe reservas imensas de Fé, Esperança e Caridade.
Fiz greves de fome. Encarei a morte nos olhos espavoridos de quem me julgou a morrer. Amei apaixonadamente a vida, a minha mulher e os meus filhos. Li pachorrentamente Marcel Proust, incomensurável teia de intrigas, merdices e gulodices que a pederastia institucionalizada consagrou universalmente. Readmirei Proudhon, Bakunine, Kropotkine e Max Stirner. Repassei o olho por cima de Marx. Chorei impotente a destruição da Pátria. Desprezei. Revoltei-me. Envergonhei-me desta minha biológica condição de português rectangularizado. Em pesadelos torvos o cortejo dos mortos deixados assassinar em África e na Oceânia, angolanos e moçambicanos, presos comigo pelo único crime de quererem ser portugueses. Orgulhei-me deles. Os meus carcereiros deram-me tempo para reformular com pausa muitas ideias políticas.
Não perdi um dia. Mais — ganhei todos os que vivi. Não me acho derrotado: — vou continuar.
***
Diz-se para aí que só a verdade é revolucionária. A frase é bonita. Se não for só uma blague dos políticos, sempre me atreverei a dizê-la. Já agora estou velho para começar a mentir; suficientemente jovem ainda, porém, para distinguir uma revolução duma substituição — e dizê-lo.
No pensamento político português pouco especulado e comentado, a primeira missão do poder é fazer justiça. E fazer justiça é, no melhor pensamento político português, defender o fraco do forte, distribuir equitativamente a riqueza, recriando-a e aumentando-a, garantir as liberdades, não abusar do poder, nem da autoridade, julgar sensatamente. De Garcia de Resende ao Padre António Vieira, passando por João de Barros e por Bernardes, a teoria do poder político em Portugal resume-se em fazer justiça. Daí que se não possa fazer política — sem fazer justiça. O que se passa neste momento em Portugal, nesse transcendente plano, deve ser considerado como uma infâmia que nos emporcalha a todos, portugueses, livres e presos.
Não quero falar, por agora, dos perseguidos, dos exilados, dos desalojados, dos espoliados, dos desempregados, dos arruinados — de tantos milhões de portugueses que o deixaram de ser por simples decisão do poder político. Não. Quero limitar-me aos presos, aos meus camaradas de tantos meses, vítimas inocentes do ódio demo-comunista que nos sufoca ainda. Quero referir-me só a esses porque talvez sofrendo menos que a maioria acompanhei doloridamente o seu espantoso calvário. Não queria esquecer nenhum: — tenho-os todos na alma. Homens de quase oitenta anos com a genica e a coragem de jovenzitos de vinte; sempre impecáveis, sempre sorridentes, com a dignidade de quem não deve nem teme. Rapazelhos de dezasseis e dezassete anos a comportarem-se com a maturidade e a força de quem já sofreu muito. Lembro-os a todos: — milhares de lições de coragem.
Às vezes, durante este longo ano, esparramado no meu catre de Caxias ou na minha cela da Penitenciária entretido a contar percevejos (tive a subida honra de oferecer um ao Vice-Presidente da Cruz Vermelha Internacional que, amavelmente, me visitou pour rien...) — a minha situação parecia-me completamente irreal. Ainda estou para saber porque fui preso — e naqueles momentos, embora a curiosidade me não matasse, o sentir-me personagem de Kafka dava-me um certo gozo intelectual. Depois, mirando os meus companheiros (um pide, um arquitecto, um lubrificador de ascensores, um contínuo, um electricista, um tenente-coronel, dois estudantes, um banheiro, tantas e tantas centenas...) sentia agudamente o que sofriam. E revoltava-me. E perguntava. Como é possível?
Como é possível estarmos nós aqui — e o país a ruir lá fora? Como é possível, estando eu preso aqui com mais duas mil pessoas — haver um Ministro da Justiça com o desplante de declarar que, em Portugal, não há presos políticos? Como é possível?
***
Nos primeiros tempos do meu sequestro estive cuidadosamente separado dos pides. Depois, à medida que se reenchiam as prisões com novas vítimas de novas inventonas, foram-me ajuntando com os antigos funcionários da D.G.S. Em Caxias, em Peniche e na Penitenciária (eu fiz o tour quase completo das prisões portuguesas) convivi com a maioria — desde o director-geral até aos agentes de 3.ª, com poucos meses de fileiras e muitos meses de prisão. E convivi com os chamados informadores, colaboradores e com os utilizadores — milhares de homens.
Durante a longa noite dava-me pouco com o pessoal da António Maria Cardoso. Não calhava: conhecia dois ou três (dos quais aliás era e sou amigo) e não conhecia mais ninguém. Portuguezinho valente de certa telha anarquista — nunca fui grande apreciador de polícias; foram necessários catorze meses de prisão para valorizar no meu espírito a vantagem de haver profissionais do desgostoso ofício: — o contacto quase diário com os meus carcereiros e inquiridores, os mais reles amadores do género, licenciados em Direito com banca em Lisboa, uns sádicos, outros estúpidos, quase todos analfabetos, levaram-me às saudades de quantos cívicos fardados ou à paisana, públicos e secretos, povoam, para vergonha nossa, este mundo de Cristo. Quando, trocado por um recibo à porta da Penitenciária, me vi entregue nas mãos de um agente da Judiciária, — quase pulei de contente: caíra nas mãos da estrita lei na pessoa daquele senhor bem educado, vestido de cinzento, exactamente igual aos pides, que, por mais de um ano, tinham sido os meus companheiros de angústia, admiráveis de coragem, bom senso e determinação, antigos soldados d`África, a maior parte deles, camaradas de armas dos próprios carcereiros.
Embora seja amigo de muitos dos pides presos, se alguns cometeram crimes — não posso, porque não devo, ser solidário com eles. Exijo, todavia, o conhecimento provado das suas ilicitudes. Até lá, como todo os portugueses de boa fé, reservo-me o direito, não só de continuar a considerá-los como gente honrada, mas a duvidar também das acusações que lhes são imputadas. Sei o que aconteceu comigo: estive catorze meses sequestrado sem culpa formada. Os pides e os outros (informadores, colaboradores, e utilizadores) que se mantêm nessa absurda e vergonhosa situação vão ser julgados à luz duma lei celerada — só por serem pides, o que é, juridicamente, a maior infâmia da História do Direito que já consagrou bem muitas outras infâmias menores. Esta é da inspiração do dr. Álvaro Cunhal, licenciado em Direito, como nem podia deixar de ser — e informou quem a publicou.
Os pides têm de ser julgados pelos crimes que acaso cometeram — como têm de ser julgados os responsáveis pela minha prisão injustificada, como têm de ser julgados os responsáveis do COPCON, culpados de tantas e tão tremendas arbitrariedades; como têm de ser julgados os comandos da P.M. que, em cárcere privado, tem dezenas de pessoas presas que torturou, vexou e traumatizou psiquicamente para o resto da vida.
Não se trata de fazer política; trata-se de fazer Justiça — e, segundo andam pr`aí a dizer, nós vivemos num Estado de Direito, numa Democracia onde são respeitados os Direitos do Homem — como o não foram em quarenta e oito anos de ominosa ditadura que (provada, provadamente) nunca fez nada de parecido, no plano jurídico, com o que, em vinte meses, já conseguiram fazer algumas das mais responsáveis notabilidades da Revolução dos Cravos...
Afirma-se: a P.I.D.E. teve anos e anos centenas de pessoas encarceradas sem culpa formada! Exijo que se prove. Tenho esse direito — porque eu estive catorze meses e cinco dias encarcerado sem auto de culpa e alguns milhares de homens e mulheres continuam detidos sem saber porquê. Diz-se: — a P.I.D.E. torturava os presos políticos! Exijo que se prove, tenho esse direito — porque fui ameaçado e insultado, sofri o isolamento, vi morrer homens, vi outros endoidecer e sei dos que foram espancados, inutilizados e torturados pela gentalha do COPCON, da 5.ª Divisão, da Comissão de Extinção da P.I.D.E.-D.G.S. e da P.M. Se a democracia não é um funil — eu tenho um direito de exigir justiça para os PIDES presos — e justiça para o major Otelo de Carvalho que ameaçou fuzilar-nos a todos no Campo Pequeno, açulando contra nós multidões assassinas; e para os vários Presidentes da Comissão de Extinção da P.I.D.E.-D.G.S. que, da velha António Maria Cardoso, se entretiveram, durante meses e meses, a prender quem lhes apetecia e à simples ordem ou pedido do P.C., e da LUAR, e das B.R. e de quantos bufos jornalísticos escrevinham protérvias nas colunas dos jornais.
Não, não se trata de fazer política. Trata-se de fazer Justiça — porque sem a fazer a Revolução perde-se e desonra-se, desonrando quantos nela participaram! Distribuir equitativamente a riqueza, dar de comer a quem tem fome, fazer progredir o país, garantir as liberdades — é fazer Justiça. Tudo isso, porém, esvazia-se da própria substância ética se continuarem as prisões cheias de inocentes, se se mantiver a juridicidade duma lei celerada que condena pessoas não pelas suas acções, mas pelas situações jurídicas em que se achavam antes da lei ter sido publicada. Tudo isso é desonrante sem se começar por julgar isentamente, sem se começar a acusar com provas.
Nunca descemos tão baixo no conceito internacional: dantes éramos odiados e, sob muitos aspectos, temidos; hoje somos desprezados e troçados. A honra de estar preso às ordens dos patifes que me prenderam e por ser considerado seu adversário — desvanecia-se e transformava-se em vergonha quando, por via da minha prisão, lia o que lá fora se escrevia sobre Portugal. Nem uma só vez me congratulei com o ressuscitar dos velhos epítetos com que os estrangeiros nos mimoseavam antes de 1926. Ver de novo conjugado o verbo Portugalizar — fez-me chorar de raiva e de opróbio; ver considerar o nosso exército l`armée des lâches, fez-me vibrar de indignação, sabendo que era mentira, conhecendo tantos e tantos heróis... Tive tempo para pensar: nem agora me felicito por estar cá fora e ver lá dentro a maioria dos responsáveis pela minha prisão... Saí da cadeia — sem ponta de ódio — graças a Deus! Exijo, porém justiça — e a liberdade para quem está preso inocente.
Julguem-se os pides todos. Deixem-nos defenderem-se. Esclareçam o povo. Enquanto em relação aos presos se não fizer justiça — não será possível fazer política, até porque, sem confiança, a política se transforma num jogo de ódios, sem nexo, destruidor e aniquilante. Porque se espera? De que se tem medo? A quem pesa a consciência? Quem receia falar dos PIDES?
O Governo do Sr. Pinheiro de Azevedo prometeu solenemente resolver o problema dos presos políticos em Portugal. O governo do Sr. Pinheiro de Azevedo desonra-se se não cumprir a sua promessa — e a promessa começará a cumprir-se quando for derrogada a lei celerada que, sem julgamento, condena funcionários públicos pelo simples facto de serem funcionários públicos. Então poderá começar a governar o Sr. Pinheiro de Azevedo. Até lá o VI Governo é um decalque do V — apenas com um Primeiro Ministro menos esbracejante e menos estúpido!
Nota:
(*) – Teles Jordão, comandante do Forte da Junqueira, prisão miguelista.
Manuel Maria Múrias
(In Resistência, págs. 3/4/5/6/7,15.12.1975)

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O MARCELISMO 

A decomposição do regime derrubado pelo 25 de Abril começou, evidentemente, muito antes desta data. Prenunciava-se nos últimos quinze anos de governo de Salazar; precipitou-se logo que Marcello Caetano assumiu o poder.
Na verdade, como se provou, o regime vivia quase só da personalidade e do génio de Salazar. O êxito da sua política financeira em 1928, a política externa do anos trágicos da II Grande Guerra que salvaguardou a neutralidade; a firmeza impassível da resistência africana; a habilidade com que, durante quarenta anos, congraçou e pôs a colaborar as diversas forças políticas que apoiavam o Estado Corporativo — granjearam a Salazar um prestígio e uma força política excepcionais neste país sentimentalmente anarquista que, durante quase um século, incapaz de se autodisciplinar, vivera em situação endémica da guerra civil. A determinação, a frieza, a visão histórica com que Salazar olhava e resolvia os problemas, impuseram-no à consciência da Nação; a sua proverbial honestidade, a austeridade e a isenção faziam-no respeitado, até pelos adversários. Em função do interesse nacional sacrificava amigos e adversários; visceralmente devotado à Pátria, por ela se consumiu até ao último sopro.
Marcello Caetano, esse, foi sempre um hesitante. Humanamente é a antítese do seu antecessor: — jamais esqueceu um agravo pessoal; sacrificou tudo para chegar onde chegou e baixar onde baixou. Agiu precipitadamente na circunstância e esqueceu-se dos princípios. Monárquico integralista desde os bancos do liceu, dirigiu nos últimos anos vinte uma das violentas e pitorescas revistas reaccionárias daqueles tempos heróicos — a «Ordem Nova» — folhetozinho que, no frontespício, em agressivo normando, se confessava escandalosamente antiliberal, antidemocrática, anticapitalista, anticomunista, antitotalitária, antimaçónica, etc., et., etc.
Professor universitário, era geralmente considerado pelos discípulos um excelente pedagogo e um cientista de mérito. Administrativista, é responsável pelo ainda vigente Código Administrativo e pelo Estatuto do Funcionário Público — dois textos que, ao longo das últimas décadas, aniquilaram quase todas as nossas antigas franquias regionais completando a obra destrutiva de Mouzinho da Silveira e ajudando, muito gravemente, à edificação do Estado centralizado e burocrático em que se degradou o sonhado Estado Corporativo, descentralizado e desburocratizado, autogestionado e organicamente electivo, que, mais ou menos influenciado pelo ideário integralista, mais ou menos catolicizante, a Constituição de 1933, embora de raiz democrática, intentara institucionalizar.
Como administrativista e estadista Marcello Caetano renegou o seu incipiente maurrasianismo. Como político, pouco a pouco, foi-se deixando enlear pela ambição do poder, pela ânsia de vir a desempenhar um papel histórico — pela glória de mandar, pela vã cobiça dessa vaidade que se chama fama.
Detestava Salazar. As centenas de cartas que, pela vida fora, principalmente depois de 1945, escreveu à maioria dos políticos portugueses, constituirão, reunidas, um dos mais extraordinários acervos desse anti-salazarismo frustrado que a certa altura se apossou de poucos mas importantes homens do antigo regime. Acompanhei muito de perto o fenómeno — e um dia hei-de atestá-lo documentalmente — até porque a sua análise tem a maior relevância para o bom entendimento histórico da crise larvada que, agravando-se através dos anos, desembocou no 25 de Abril. Falta-nos agora perspectiva temporal para o poder valorar cientificamente. Algumas achegas, porém, se devem dar — e essas têm se ser críticas, e ainda muito subjectivas.
Em 1945, forçado a abandonar a pasta das Colónias que sobraçara durante cerca de dezoito meses, Marcello Caetano ocupou a Presidência da Comissão Executiva da União Nacional. Aí, preparou-se, não sem uma certa impaciência, para suceder a Salazar. Somando uns poucos de discípulos a certa geração da Mocidade Portuguesa que ele disciplinara como Comissário Nacional da Organização, constituiu uma pequena clique de jovens que a partir de então, aderindo espectacularmente à União Nacional, passou a formar, dentro do regime, um grupo de pressão, o marcelismo, que, colocado em muitas posições estratégicas, principalmente na informação, foi abrindo caminho para o Palácio de S. Bento, rodeando, primeiro, o Presidente Craveiro Lopes, cercando, depois, o Presidente Thomaz, de modo a ficar-se, no momento exacto, com a aparência pública e política de que, sem Marcello Caetano, o regime se afundaria, e que os marcelistas, na panóplia das forças dominantes, constituíam a força mais poderosa, a mais esclarecida, a mais dinâmica, a mais moderna e (coisa espantosa para o antigo director de «Ordem Nova») a mais liberalizante.
A primeira oportunidade que os marcelistas julgaram ter para alçar o seu chefe à Presidência do Conselho de Ministros, surgiu em 1949 quando, terminando o mandato do Marechal Carmona, a Comissão Central da União Nacional queria escolher o seu candidato à Presidência da República. O Marechal Carmona tinha então 79 anos. Pelas oposições, apoiado pelo Partido Comunista, candidatava-se o General Norton de Matos, prestigiosa figura da I República, antigo Ministro de Guerra e Alto-Comissário em Angola. Aos marcelistas pareceu possível não reeleger o velho Marechal, candidatar Salazar — e conduzir Marcello Caetano à Chefia do Governo.
Preparou-se uma pequena conspiração: — no dia em que Salazar devia ir até ao Largo da Misericórdia presidir à reunião magna da Comissão Central da União Nacional, convocada para escolher o candidato, previamente convocado pelos amigos de Marcello juntou-se na Palmatória de S. Roque algum pouco povo que em uníssono gritava compassadamente:
— Salazar à Presidência da República! Salazar à Presidência da República!
Salazar, chegando a uma janela, apanhado na armadilha, recuou precipitadamente, coradíssimo. Dois dias depois anunciava-se a candidatura de Carmona — e alguns meses após, enrodilhado na defesa do seu cunhado Henrique de Barros, compulsivamente demitido de professor universitário pelo Ministro da Educação Nacional Fernando Pires de Lima, Marcello Caetano regressava à privada, amuado, enfurecido — possesso de anti-salazarismo.
O Marechal Carmona morreu em 1951, quando na Assembleia Nacional se discutia uma reforma constitucional periódica. Houve quem pensasse em restaurar a monarquia, voltou a pôr-se a hipótese da candidatura de Salazar; acabou por se firmar apresentando-se ao sufrágio, como candidato governamental, o general de aeronáutica Craveiro Lopes, um dos poucos Torre-e-Espada de então, e, pelas oposições, patrocinado pelo Capitão Henrique Galvão, trânsfuga decepcionado do estadonovismo, o Almirante Quintão Meirelles, antigo Ministro da Ditadura Militar, personalidade ideologicamente indefinida, muito difícil de rotular como político. O marcelismo não interveio no pleito eleitoral, mas sabia-se que todas as suas silenciosas simpatias iam para os oposicionistas, cisão menor dentro do regime mas que, apesar da insignificância, denotava certo estado de espírito.
Firmavam-se os marcelistas defendendo o futuro do Estado Corporativo. Salazar estava velho, — diziam — é preciso assegurar-lhe um sucessor. Salazar tinha sessenta e dois anos, parecia em plena posse das suas qualidades políticas e senhor de uma saúde de ferro. De vez em quando surgiam-lhe inflamações nos olhos e afecções na garganta; mas geralmente mantinha-se regular em S. Bento, viver modesto, um horário e uma capacidade de trabalho extenuantes para qualquer pessoa. As hipóteses sucessórias de Marcello Caetano adiavam-se indefinidamente; a sua acção, metódica e organizada, circunscrevia-se à cátedra, a uma cara advocacia de pendor plutocrático, à administração duma companhia de seguros — à cultivação semanal dos amigos que com ele se reuniam muitas vezes.
O General Craveiro Lopes era considerado um homem sério. Indicado para a Presidência da República pelo Ministro da Guerra, Coronel Santos Costa, breve se desentendeu com este. Imediatamente os marcelistas aproveitaram a sota e embarcaram com bom vento. Recolocando-se em boas situações, pouco a pouco dominaram alguns sectores, comandados por aqueles que, nos anos 40, tinham aderido à União Nacional. O chefe, entretanto, fora eleito Presidente da Câmara Corporativa. Exercia influência, colocava adeptos, delineava estratégias, aproximava-se mais e mais de Belém, contactando intimamente com o Presidente da República.
Em 1955, Craveiro Lopes insiste com Salazar para nomear Marcello Caetano Ministro da Presidência. Uma nova Comissão Executiva da União Nacional, constituída na sua melhor parte por jovens marcelistas, vai dominar o confronto eleitoral de 1957 que se avizinhava. Distribuíra-se o jogo: alisaram-se dos postos vários salazaristas intolerantes, começara uma luta pelo poder, que se julgava o último round.
Surgiram os primeiros desentendimentos visíveis entre Craveiro Lopes e Salazar. A máquina política do regime afrouxava de andamento, a própria máquina administrativa começava a gripar. A estrela montante de Marcello Caetano brilhava no futuro, as oposições democráticas, muito apoiadas nas diversas internacionais, mostravam-se aguerridas, melhor organizadas, muito mais conscientes da sua própria força e das fraquezas do regime.
Quando em 1958 se tratou de escolher o candidato governamental às eleições presidenciais, as fendas no edifício eram notórias. Um antigo Comandante Distrital da Legião Portuguesa, antigo combatente da Guerra Civil de Espanha, antigo Adido Militar em Washington, oficial de aeronáutica como Craveiro Lopes, seu amigo e camarada, o General Humberto Delgado, candidatava-se pelas oposições, de princípio sem o apoio dos comunistas. Pelo lado governamental era apresentado o Almirante Américo Thomaz, Ministro da Marinha.
Para a oposição democrática tratava-se de reeditar a experiência Quintão Meirelles com outros meios, muito mais força, grande violência, o cavalo de Tróia instalado na praça inimiga e nos ministérios fundamentalmente políticos.
Um dia se fará a história da candidatura de Delgado. Pode, todavia, verificar-se já que, comandada a informação e a propaganda pelo marcelismo, o marcelismo se mostrou táctica e estrategicamente incapaz de obstar ao desenvolvimento tempestuoso da candidatura oposicionista. À agressividade, à indiscutível valentia do General Humberto Delgado, contrapunham-se as hesitações típicas do carácter de Marcello Caetano, o oportunismo, pequenos e descrentes movimentos de defesa, autênticos actos de sabotagem. Chegou-se ao ponto de, pela Televisão recém-criada, não se ter transmitido em directo um discurso de Salazar; chegou-se ao ponto de a Polícia desistir de manter a ordem, deixando-se substituir primeiro pela G.N.R. e depois pelo Exército. Com tanques nas ruas, cargas de cavalaria e uma repressão violenta, conseguiu-se recompor o quadrado; o Estado Novo, contudo, estava ferido de morte, sustentado apenas pela personalidade e pelo prestígio de Salazar, os salazaristas quase convencidos que o seu chefe não morria, espécie estranha de ideologia, aparentada com o espiritismo, que não segurava o presente, nem resguardava o futuro.
Américo Thomaz foi eleito. Marcello saíu do governo, deixando instalada na infra-estrutura do poder muita gente sua — o Estado minado, Moreira Baptista, Ramiro Valadão e Henrique Tenreiro, cortesãos do Palácio de Belém, manobras na sombra, a corrosão a apodrecer a máquina. Salazar envelhecia. A guerra de África deflagrada em 1961, limitava-o à política externa. Os marcelistas já não jogavam na sua destituição em vida; apostavam no enterro. Quando Salazar caíu da cadeira, o governo caíu-lhes nas mãos. Venciam. Tarde e a más-horas; mas suficientemente a tempo para se poderem constituir em comissão liquidatária, desfazendo o que restava da política do Estado Novo.
A experiência Marcello Caetano inicia-se sob o signo do anti-salazarismo. Logo nos primeiros dias da sua governação os jornais se desbocaram em críticas a Salazar e, na televisão, onde em Março, contra a opinião do próprio Marcello, se colocava Ramiro Valadão, a figura e o nome do antigo Presidente do Conselho eram cuidadosamente esquecidos, não fosse o velho recuperar do acidente cerebral e reinstalar-se no palacete da Rua da Imprensa. A um jornalista estrangeiro, dizia em 1969 certo membro do governo que, desde há longos anos, muito anteriores à demissão de Salazar, era Marcello Caetano quem governava através dos seus acólitos, instalados nos lugares-chaves.
O anti-salazarismo sensível e latente da atmosfera política, dividiu quase imediatamente as gentes do regime. A abertura liberalizante da nova Comissão Executiva da União Nacional, presidida pelo Dr. José Guilherme de Melo e Castro, antigo Subsecretário do Estado de Assistência de Salazar, permitiu criar uma pequena seita neocapitalista e social plutocrática na Assembleia Nacional; escorada na influência de dois filhos de Marcello Caetano e de dois ou três membros do governo, fundava-se a SEDES; o «Expresso» saía como órgão da oposição tecnocrática, tendo como redactor político um filho do Dr. Baltazar Rebelo de Sousa, Ministro das Corporações, e via a censura amenizar-se graças a tal ligação. A chamada Direita tinha as maiores dificuldades em se mover e em se organizar, a maior parte dos seus importantes personagens ligados à alta-finança, epicuristas agradáveis que só não queriam ser maçados.
Acontecia, porém, que o regime politicamente se estruturava na Direita. Ante um governo de tendências liberalizantes, as massas de apoio imobilizaram-se: organizaram-se grandes manifestações espontâneas, é certo; todavia a classe política mantinha-se desconfiada, não deixando ir por diante o processo esquerdizante. O próprio Marcello Caetano, autoritaríssimo, não se dispunha às reformas de fundo reclamadas por todos; hesitante, como sempre, deixava em meio a maioria dos projectos, mudava os nomes às instituições, não lhes mudando a essência, cada vez mais embaraçado pelos grandes interesses plutocráticos e especulativos recém-nascidos, por uma política económica e financeira onde, nitidamente, se desenhava a sombra sinistra do nepotismo e da corrupção. Algumas das maiores fortunas portuguesas fizeram-se nos últimos cinco anos: — a esquerda e a direita revoltavam-se contra os escândalos semi-políticos que ressaltavam da maioria das acções de fomento.
A especulação bolsista tomou aspectos desesperados. Manobrada por meia dúzia de meneurs, a alta fictícia do papel desviou as pequenas poupanças dos investimentos imediatamente reprodutivos. A massa monetária foi-se concentrando inevitavelmente nos grupos mais poderosos que, mesmo sem conscientemente o desejarem, se viam arrastados para um crescimento redundante que os engrandecia desmesuradamente, tornando-os menos eficientes e úteis, tornando-os anti-sociais. A inflação corria a galope.
Houve momentos em que por pura inépcia dos serviços se verificaram graves faltas no abastecimento público, em que a taxa de inflação subiu catastroficamente, em que o público começou a sentir-se concretamente lesado. Caminhava-se com passo seguro para uma situação perigosíssima a que a política salarial demagógica não conseguia pôr termo, estado de descontentamento larvado que atingia, de alto a baixo, toda a escala social. Marcello Caetano virava as costas à Nação — e nem as suas preocupadas Conversas em Família acalmavam os ânimos exaltados.
Como se isto não bastasse, no Ministério de Educação Nacional o Prof. Veiga Simão saltitava loucamente ao som da mais franca demagogia. As lutas da grande imprensa generosamente subsidiada insensavam-no com constância pertinaz: — fechadas muitas escolas por não ser possível manter a disciplina, abriam-se em papel selado centenas de muitas outras, sem que houvesse professores para as guarnecerem, sem que as estruturas didácticas e pedagógicas estivessem preparadas para o monstruoso esforço. Milhões de contos eram lançados assim para o mercado em pura perda, não se calando nem os discentes, nem os docentes, esquerda e direita unidas para acusarem o Ministro de demagogia pura.
Mais: — com as Forças Armadas batendo-se heroicamente em África, o Ministro Sá Viana Rebelo conduzia uma política divisionista e pouco realista, sacrificando os quadros, satisfazendo uns para descontentar outros, não concedendo às Forças Armadas aquele mínimo de condições logísticas e frontais necessário para a condução da guerra, já agora desapoiada diplomaticamente por um Ministro dos Negócios Estrangeiros inexperiente e divertido.
Quando apareceram os primeiros manifestos do Movimento das Forças Armadas, as pessoas conscientes sentiram que o fim se aproximava. O marcelismo colhendo os frutos do seu hesitantismo, do oportunismo, da sua fraqueza congénita, dissolvia o Estado Novo. Só Marcello Caetano e Afonso Marchueta impávidos, insensíveis à tempestade, um discursando semana após semana, o outro com algumas das mais notáveis peças da oratória lusíada, recebendo sociedades recreativas e medalhas comemorativas.
O regime desfazia-se no desprezo e na irrisão. Iniciado pelas Forças Armadas num 28 de Maio para findar com a inépcia, a corrupção e a anarquia dos sucessivos governos da I República, era liquidado pelas Forças Armadas num 25 de Abril para acabar com o mesmo estado de coisas, exageradíssimo pelo gigantismo estatal e pela multiplicação dos interesses que quarenta anos de estabilidade tinham permitido criar, com muitos erros e injustiças, mas com extraordinárias virtudes.
O Estado Novo suicidou-se.
Manuel Maria Múrias
(In Resistência, págs. 5/6/7/8/9/10/11, 15 de Julho de 1974.

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O ESPÍRITO DA RESTAURAÇÃO 

No momento em que Portugal está a caminho de ficar sob tutela internacional, que outro espírito pode e deve e tem, necessariamente, de animar-nos (e cada vez mais, daqui por diante), senão aquele puro espírito que, na manhã de 1 de Dezembro de 1640, conduziu este Povo à restauração da independência nacional, ao cabo de sessenta anos de presúria e de ocupação estrangeiras?!...
Portugal é hoje, e de novo, um país ocupado por forças e por ideologias que nos são, de resto, muitíssimo mais estranhas, e que se têm revelado incomparavelmente mais devastadoras e espoliatórias do que o foram as de há 336 anos — ao ponto de estarmos agora, para aqui, à beira de deixarmos de ser coisa que se veja... Tanto ou talvez mais do que sob a dominação dos Filipes, o nosso país, a estas horas, é fronteira aberta ao invasor — que nos ocupou, física, psíquica e metafisicamente, confiscando-nos parasitariamente o sangue e o suor de cinco séculos de História honrosamente acumulados.
Atentaram mortalmente contra o território, invadiram-nos a alma e o pensamento. Dir-se-ia que fomos acometidos de uma amnésia de quinhentos anos de passado glorioso.
Aos desígnios d`A RUA tem presidido desde início a chama desse espírito, cem por cento orientado para o resgate nacional, e que procede, em linha recta, da gloriosa alvorada dos Restauradores. Por isso mesmo, não quisemos nem podíamos aqui deixar passar em claro a histórica data do 1.º de Dezembro, ao contrário de toda a Imprensa de Ocupação — que passou pelo dia de ontem como cão por vinha vindimada ou, quando muito, como gato por brasas...
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 35, pág. 1, 02.12.1976)

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CONTRA O 25 DE ABRIL 

Deixemos o ridículo das comemorações do 25 de Abril... Corridas pedestres, foguetes, discursos, paradas militares chegariam para relembrar a faustosa data, se não chegassem a miséria, a quase fome, o desprestígio interno e externo que sofremos todos no espírito e na carne... Movimentaram-se os usufrutuários da revolução para defenderem os respectivos privilégios; nunca como hoje foi tão baixo o nível moral, social e político da classe política governadeira de Portugal.
Tudo se consome palpitante na fogueira da ineficácia e da incompetência. Um governo possível como poderia ter sido o de Mota Pinto envolvido que foi na poeira miasmenta do sistema, está queimado e ilaqueado ao fim de jovens meses, vítima da absurdidade do regime, das quezílias partidárias das excessivas ambições dos homens.
Da mesma maneira, o Presidente da República se degradou institucionalmente. Poucos duvidam da sua honorabilidade pessoal; a maioria, porém, deixou de acreditar que seja capaz de, ultrapassando as carências constitucionais, resolver radicalmente a crise como se necessita.
Melhor do que nós fala um homem do 25 de Abril. No discurso que pronunciou no Porto, durante o imenso comício ali realizado diante de muitas dezenas de milhares de correligionários, Francisco de Sá Carneiro não teve papas na língua. E clamou:
«Cinco anos depois do 25 de Abril, o que vemos?» perguntou. E respondeu: «Vemos um povo sacrificado às opções vanguardistas duma pretensa esquerda militar associada a uma pretensa esquerda política. Vemos predominar sobre o interesse colectivo a desagregação política, interesses fraccionados em mil interesses em luta, esquecendo-se o sentido de solidariedade, esquecendo-se o sentido da própria nacionalidade. Por toda a parte vemos campear a corrupção, vemos os negócios do poder, vemos o nepotismo, vemos o compadrio, vemos as inutilidades públicas que custam um dinheirão ao país e que ao país não servem de nada. Com o movimento em marcha que eu chamaria de comunismo burocrático, aniquila-se o cidadão, impede-se a iniciativa privada, não se respeita a propriedade de cada um como prolongamento que é da própria personalidade, para que o Estado domine tudo, para que floresça à custa dos sacrifícios dos cidadãos uma nova classe burocrática, uma nova classe privilegiada. É isto que está a acontecer e é isto que não pode continuar».
Tem evidentemente razão o líder social-democrata — e mais razão tem ainda quando critica vivamente a existência e a actividade do chamado Conselho da Revolução. Depois da reunião emefasesca realizada na Estufa Fria, onde, desde Costa Martins a Costa Gomes, nenhum dos tratantes que nos desgovernaram nos últimos anos falhou, tudo o que se diga — é pouco. Chegámos onde chegámos graças à deterioração moral a que baixaram as Forças Armadas — o clima que a chamada esquerda militar procura fazer reviver é o clima do gonçalvismo e da guerra civil: se não nos erguemos todos como um muro contra as novas arremetidas, dentro em breve, outra vez, abrir-se-ão as portas das cadeias, recomeçarão os roubos e os latrocínios, perder-nos-emos totalmente como nação soberana.
Para obviar as questões gravíssimas que se nos põem, o dr. Sá Carneiro exige do Presidente da República eleições gerais intercalares e ameaça-o com o desapoio do P.S.D., caso não seja aceite a sua exigência. Mal se percebe o diktat do líder social-democrata, posta como foi a situação política-económica do país.
Subentende-se que (se Eanes provocar eleições legislativas) Sá Carneiro pode vir a reconfiar em Eanes. Não se entende que tal seja possível, a não ser para recomeçar tudo do princípio, voltando tudo à mesma. Excelente chefe de família, Ramalho Eanes tem sido péssimo Chefe de Estado. Em nenhuma circunstância pode ser reeleito — e quem o for substituir tem de nos garantir capacidade moral, intelectual e política para poder vencer a crise. Tem de ser Franco Nogueira.
Agora mesmo, em dois dias de conversa londrinas, pudemos aferir da capacidade do antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros. Natural e humanamente não se oferece para coisa alguma; patrioticamente, todavia, não se escusa a nada. Nenhum sacrifício é excessivo para salvar Portugal. Não nos autorizando a pôr a sua candidatura à Presidência da República, não nos proíbe: ficou à mercê da nossa vontade de portugueses, pronto a cumpri-la.
Acima dos partidos, das facções e das seitas, o futuro Presidente da República Portuguesa nem sequer poderá estar sujeito aos pontos de vista dos interesses de quem o propõe. Também está acima e para além de nós. Estará com Portugal: quando quiser, autorizar-nos-á; quando entender, desautorizar-nos-á. Acima dele e de nós está o interesse nacional. A resposta aos nossos desejos ser-nos-á dada em função do que nos transcenda; devemos continuar com a nossa campanha promotora da candidatura de Franco Nogueira à Presidência da República até transformarmos num movimento nacional tão grande que a sua força seja imparável e indomável até à vitória.
Não vemos outra solução. O que disse Sá Carneiro dizemo-lo nós todas as semanas há vários anos. Não vemos, todavia, que as coisas nacionais se possam reparar pela simples intercalação dumas eleições. Nós, portugueses, somos estruturalmente contra o sistema; a candidatura de Franco Nogueira é estruturalmente contra o sistema; entende-se que sem se conquistar a chefia do Estado, não se reconquistará Portugal.
Não julguem as pessoas que nós levianamente nos apoderámos da personalidade de Franco Nogueira e, agora, a usamos a nosso favor. Não. Está livre o nosso candidato porque pertence ao povo: o povo decidirá do seu destino, elegendo-o, e afastando-nos se tanto for necessário.
Não será «A Rua» que elegerá Franco Nogueira. Quem o quiser apoiar contra nós — deve apoiá-lo em função do interesse nacional e ao seu serviço. Todos não seremos de mais. Não podemos é hesitar. Nem um momento. Nem um segundo. Nesta hora trágica cada minuto perdido é um minuto menos de vida que podemos ter como portugueses. Quem quiser que se nos sobreponha para, connosco ou sem nós, promover mais intensamente, e mais eficazmente, a candidatura de Franco Nogueira. Os milhares de vozes que se erguem país fora apoiando-a dão-nos uma esperança enorme e galvanizam-nos. Esperávamos ouvi-las; mas não tão rijamente: é Portugal que se ergue inteiro a caminho de se salvar...
Vamos continuar, pois... O que parecia impossível começa a concretizar-se nitidamente. Por Portugal. Contra o 25 de Abril.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 150, 00.05.1979, pág. 24)

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domingo, abril 24, 2005

O PREC EM FLASH-BACK OU A REVOLUÇÃO DO MAU HÁLITO 

Volto hoje a valer-me de alguns trechos do diário, para alimentar com eles a combustão desta rubrica.
28 de Abril de 1974 — «Sabem o que é a vergonha de acordar com a vergonha de estar vivo?...», pergunta, de lá, o Brito, (São dele, as palavras; mas o estado de espírito que traduzem é comum a mais uns tantos. Feliz ou infelizmente, sou um desses).
Esfrego muito os olhos, à medida que vou dando fé de mim, e qual não é o meu espanto quando os abro, bem esbugalhados, e por eles me inteiro do pânico desvairamento que me cerca; quero eu dizer: do desatino rilhafolesco que acometeu esta gente e tomou conta desta terra, de um dia para o outro.
Arregalo a vista — e, concretamente, o que vejo eu?
Vejo tudo-minha-gente a trepar às árvores. (Às árvores genealógicas, bem entendido.) Tudo a amarinhar e a subir velozmente por elas acima!...
Sintetizando, o fenómeno é este: estala a abrilada; automaticamente, cada um pega em si, vai-se direitinho à árvore genealógica respectiva e desatar a saltar, de galho para galho, no meio da mesma —, à cata de algum remoto antepassado que lá durma, empoleirado, o sono dos justos, e a quem tenha saído a sorte grande de ter sido perseguido e mais ou menos mal tratado pela P.I.D.E.-D.G.S., durante a longa noite terciária (torcionária, ou lá o que é...).
Compreende-se tamanho e tão frenético afã da parte da turba: é que um parente assim, nas condições já descritas — e mesmo bastante afastado que seja —, pode revelar-se, nos dias que correm, de extrema utilidade para os seus descendentes. Como tal, constitui ele um bem precioso — se não providencial... —, que importa exumar, exibir e pôr a render o mais temprano possível. Logo, há toda a vantagem, daqui por diante, em cada qual andar munido de um exemplar de família desses, já que é a credencial antifascista de mais peso que alguém pode hoje apresentar publicamente, e talvez a única susceptível de avalizar os respectivos portadores como «democrata-de-sempre» (ou coisa que o valha...) e de os acreditar, nessa qualidade — nessa falta de qualidade, digo — junto dos mais incrédulos quadrilheiros de Abril.
20 de Maio — Como estivesse em maré de confidências, às tantas fiz-lhe esta:
- Adoro ocupar-me de democratas.
- Pode saber-se a que título?...
- A título póstumo, homem! A título póstumo. Que pergunta a tua!...
15 de Julho — ... E por democratas. Os democratas desta terra, das duas uma: ou bem que andam todos a morrer ao desafio ou então trazem andaço com eles. Não sei que moléstia lhes deu, que se estão a apagar a eito...
Ontem lá quinou mais outro; e também ele, de alegria — ao que rezam as crónicas. (É uma alegria, que na verdade conforta, vê-los assim tão alegretes, na hora de abalar!...) Em todo o caso, o júbilo eventualmente experimentado por este, não deixa de causar-me alguma estranheza; e tão intrigado me traz, que, em relação a isso, aqui lavro desde já a uma moção de desconfiança.
É que, ao longo da vida, o distintíssimo extinto, tanto quanto sei, foi sempre um sujeito muito mau de assoar — em todos os sentidos: não apenas no sentido figurado da expressão, como, inclusivamente, no seu sentido mais concreto. Usava e abusava das trompas nasais, que não era brinquedo!.. E tão categoricamente se assoou até ao fim, com tal convicção pôs e dispôs do seu democrático nariz, com tanto estrépito e tamanho estrondo continuou a servir-se dele, que, antes de ontem, ao meter as narinas onde elas a cada passo eram chamadas a explicar-se, caiu desfalecido, de lenço nas ventas, como era de esperar, e lá rendeu a alma ao Criador — por via nasal!
Das fossas nasais ao fosso da morte, ao menos para ele o trajecto foi curto.
26 de Julho — Que Deus-Pai me perdoe o desabafo (e acho que sim, que perdoará, porquanto o Seu fair-play não tem limites...) mas confesso que não só me custa imenso admitir — como cada vez duvido mais — que Cristo possa exprimir-se pela boca, ou a acção, de certos padres...
O reverendo padre fulano-de-tal é hoje por hoje, uma figura política particularmente em foco, não sei por que artes ou artimanhas do diabo.
Tudo o que sei — e isso, sim, de ciência certa — é que lhe fui apresentado em tempos.
Cheguei ao conhecimento com ele, não me lembro bem em que circunstâncias e muito menos recordo por intermédio de quem. Mas lá que já um dia passei pelo vexame de com ele trocar dois dedos de conversa — lá disso, estou eu tão ciente e seguro, como de o ter, ainda agora, entrevisto na televisão, onde aliás vem surgindo com frequência imoderada.
E o caso é que tão depressa o tirei, há pouco, pelas imagens, tão prontamente e sem demora o identifiquei e reconheci através delas — que o tal remoto fortuito contacto que outrora tivemos, de imediato emergiu «das brumas da memória», adquiriu desde logo inesperada nitidez e, como por encanto, ganhou contornos bastante precisos.
E agora, sim: boa ideia vou tendo de que, já naquela altura, ele era um sacerdote extremamente fogoso. (Achei-o logo fogoso de mais, devo dizer; mesmo para progressista...) E então para padre, estava simplesmente irreconhecível (cabeção: que é dele? Batina: qual quê? Sotaina: viste-la!... Tonsura: onde isso vai!...).
Mais: tinha todo o ar de não acreditar excessivamente em Deus e pareceu-me muito pouco tolerante com os católicos.
Apesar de tudo, passava por ser uma das colunas do Templo.
E, de facto, era: era a quinta coluna.
Agora se viu...
29 de Agosto — Os tão celebrados cravos vermelhos, que em seu dia deram um toque de janotismo floral — e de incrível piroseira — às lapelas da Revolução, já hoje rescendem a morte que tresanda!...
Por outras palavrinhas, dir-se-á que a hora embriagante dos cravos — como era, aliás, de prever — depressa cedeu o passo à dos crisântemos. Mormente no Ultramar...
E: ou amplamente eu me engano, ou ainda para aí termina tudo num grande arraial... Já se sabe de quê. De criar bicho!
30 de Setembro — Decididamente, não há nada mais monótono que o monólogo de um monóculo. Irra!
... Quanto ao indivíduo com óculos, que doravante sucede ao do monóculo, bastará dizer que, em matéria de traições à Pátria, é o que se chama um veterano: tem estado em todas! E quanto mais trai, mais avulta!...
2 de Outubro — Agora, em Portugal, é assim: um cidadão adormece, à noite, em sua casa — e acorda em Caxias, no dia seguinte, sem saber como nem porquê.
6 de Outubro — Começa a ficar lindamente provado e comprovado que as portas prisionais do marxismo em liberdade ou dão directamente para Caxias, e para outras pousadas congéneres, ou se abrem rasgadamente para o exílio. (— Será legítimo, ou sequer admissível, que alguém, ainda agora, se dê ao luxo de alimentar dúvidas a esse respeito? Ou estes últimos dias não terão sido suficientemente concludentes e instrutivos?!...)
Em Caxias, à hora que escrevo (escondidinho, claro está), é um ver-se-te-avias que mete impressão! O número de pessoas lá encafuado, já agora ascende a largos milhares. (O que quer dizer que o pessoal penitenciário não tem tido mãos a medir, na sua tarefa de receber reféns.)
Varrer homens (de-bem!) para dentro das celas de reclusão, é uma ocupação que — de momento, pelo menos — não conhece nem consente qualquer pausa. Há mais de oito dias consecutivos que não se faz por cá outra coisa, senão malhar com os ossos na cadeia — ou cavar clandestinamente para Espanha... E o que é facto é que tanto os portões dos presídios como as veredas do êxodo, longe de perderem o apetite, continuam a mostrar-se esfomeadinhos de todo (assim haja gente que lhes mate a fome!...) e positivamente insaciáveis — não cessando de abocanhar, digamos, e de sorver, com uma gula devoradora, sucessivas levas de perseguidos. Ou antes: não parando de dar sumiço a portugueses e mais portugueses — precisamente acusados de o serem!
Daí que o recinto prisional de Caxias registe, a estas horas, repito, não apenas um movimento desusado, mas a sua maior enchente de sempre; e, sobretudo, uma afluência record de figuras de prestígio, de pessoas decentes, de gente grada, em suma.
Não. Não há memória, frise-se bem, de Caxias ter estado, alguma vez, tão concorrida — e tão bem frequentada, socialmente — como agora. Tendo entretanto em conta toda a enorme quantidade de gente que lá tem ido (e continua a ir) parar, dir-se-ia — e já disso me começo a convencer — que a afável mansão da Costa do Sol, em termos de arrecadação humana, é um pouco como certos esconderijos: quanto mais gente se lá mete, mais gente lá cabe.

Rodrigo Emílio
(In A Rua, n.º 139, pág. 10, 08.02.1979)

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Os idos de Abril 

Sobre o 25 de Abril, e o 28 de Abril, já escrevi bastante durante o Abril de 2004.
É só ir lá atrás, e (re)ler.

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sábado, abril 23, 2005

A JUVENTUDE PORTUGUESA E ALFREDO PIMENTA 

Ricardo Jorge, naquele seu estilo inconfundível de mestre de linguagem, escreveu, em 1930, para o prefácio dos "Estudos Filosóficos e Críticos", estas palavras: «Alfredo Pimenta ao acorrentar-se à galé da letra de estudo, fez servidão do tornozelo, donde não mais dessolda a grilheta, a recortar-lhe nas carnes uma úlcera crónica e incurável. Tenho gosto e pena, ao mesmo tempo, de vê-lo a remar obstinado contra a maré, canseira em que, como dizia o clássico, é mais a água que se sua do que a que se vence. Receio que seja um despremiado perpétuo, e que nem honras nem proveitos condignos lhe busquem a porta».
Têm vinte anos, estas palavras escritas por quem bem conhecia os homens do seu país, e por quem via claro e justo no caminho em que Alfredo Pimenta vinha de jornadear e por onde ia prosseguir — a ele acorrentado por grilheta que não mais dessolda... Têm vinte anos e, no entanto, também eu o digo com pena e gosto a um tempo, podiam ser de ontem, da hora que soou há pouco, do minuto que antecedeu este que escrevo. Porque desse minuto, dessa hora passados — como do minuto que vai seguir-se, da hora que dentro em pouco irá bater, será o pertinaz esforço desse homem extraordinário que uma vida inteira a remar contra a maré não logrou vencer nem abater; e que é hoje o mesmo intelectual honesto, probo, desinteressado de honrarias e proveitos materiais, todo dado a um labor, melhor diria, a um apostolado que pode ter-lhe valido despeitos mesquinhos, de uns, torpes invejas, de outros, ódios torvos, de muitos — mas que lhe conquistou, também, a admiração de tantos, o agradecimento dos estudiosos e o coração da Juventude que um Século de miséria podia ter desencantado.
O coração da Juventude, sim! E saibam-no quantos!...
O Homem que busca um único objectivo — servir a Verdade — e que faz desse heróico propósito o Norte da própria vida, tinha de converter-se, fatalmente, aos olhos da Juventude, no «seu herói», o Herói em que se incarnam aquelas virtudes morais mais altas, a que a Juventude é mais sensível: a Honestidade, Desinteresse, Saber, Destemor que é Coragem física e moral, Irreverência que é marca e selo de perene juvenilidade da Alma!
Eis porque Alfredo Pimenta, com a rectidão da sua conduta, a sua evidente e sempre provada inaptidão para a transigência, para o servilismo, para a habilidade; com a nobre coragem das suas convicções; e com a sua infatigável e admirável preocupação pelo «como deve ser» e o seu magnífico desprezo do «como é» — conquistou o coração da Juventude portuguesa não contagiada do «modismo» estrangeiro, antes fiel à herança duma maneira de ser característica, funda e tradicionalmente portuguesa.
Quando se fala da falta de «realismo» das atitudes políticas de Alfredo Pimenta, da ausência de nuance que lhe não permite acomodar-se aos equívocos duma época tristemente fabricada e alimentada de equívocos — presta-se, sem o querer, muitas vezes, a maior homenagem à exemplar verticalidade do seu Espírito, reconhece-se e homenageia-se mais do que nunca o seu nobre Idealismo, que é a Causa mais certa da sua plena identificação com o generoso idealismo da gente nova.
Por isso, também, eu escrevi, antes, que não era só com pena, mas com gosto, que verificava terem hoje as palavras de Ricardo Jorge a mesma forte razão de ser de há vinte anos: porque hoje como então celebram a integridade dum carácter, marcam e assinalam com a mais viva justiça a Independência dum grande Espírito — que a vanglória não tocou, nem de perto nem de longe, que a riqueza não perdeu.
Sim! Ainda bem que Alfredo Pimenta se conserva, ao dobrar os seus sessenta e sete anos, na mesma mediania do homem que amassa, diariamente, com o seu trabalho, o seu pão e o dos seus; que se conserva, ao dobrar os seus sessenta e sete anos, na mesma torre inacessível à vaidade e à ambição. Ainda bem — porque desse modo pode a Juventude senti-lo mais perto dela, nele pode confiar melhor, pode dar-se-lhe e chamar-lhe, não só Mestre, mas Amigo e Compaheiro.
E pelo sacrifício da sua vida, toda devotada a ensinar-nos a grande lição da Portugalidade, pelo amargor das feridas que recebeu em mil combates que travou por respeito e devoção à nossa Inteligência e à grande batalha em que quisemos empenhar-nos também — não pode a Juventude compensá-lo doutro modo que não seja com a afirmação da sua incondicional dedicação ao Mestre, ao Amigo e ao Companheiro. E não pode dizer-lhe, senão: Obrigado! Ofertando-lhe o coração, a Juventude portuguesa está certa de oferecer-lhe tudo quanto ele poderia ambicionar.
Manuel da Costa Figueira

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ALFREDO PIMENTA 

Faleceu, há onze anos, Alfredo Pimenta e, a cada minuto que passa, mais e mais sentimos acentuar-se o imenso vazio que a sua ausência nos deixou.
Recobram direitos de cidade velhos mitos encobertos por palavras novas, alastram, por toda a parte, a desorientação e o temor, a falta de carácter e a estupidez, a demência suicida e a corrupção. E, ai de nós, o autor de "Palavras à Juventude", com o seu imenso saber, o seu denodo, a sua genialidade de polemista, não está presente. O lutador de tantas batalhas em defesa da Portugalidade, na solidão do túmulo, já não pode responder aos desafios do inimigo.
Ao que não temos assistido depois da sua morte e, em especial, ao que não estamos a assistir, no momento presente! Quantas abdicações e quantas baixezas, quantos crimes impunes e quantas torpezas celebradas!
Combatemo-las, conforme é nosso dever, mas por mais que façamos, nunca o poderemos substituir, ao panfletário ardente e impetuoso que, sem receios, falsos respeitos ou vacilações, sabia profligar com violência inaudita, por entre a cobardia reinante, as deserções, as mentiras, as falsificações, as calúnias.
Ah! Com que enternecida e magoada saudade recordamos os tempos da nossa adolescência, em que seguíamos com paixão e ansiedade as pelejas e lutas de Alfredo Pimenta que, de azorrague em punho, expulsava os vendilhões do templo e açoitava os fariseus.
A geração a que pertenço tem uma impagável dívida de gratidão para com o escritor de "Eu e as Novidades".
Debelada na sua crença e na sua confiança, desorientada por falsos profetas, contemplando à sua volta um espectáculo torpe de recuos disfarçados e transigências encapotadas, vacilava, perturbada, mal sabendo como e para onde dirigir-se. Era em 1945. Por todos os lados se ouviam hinos à Liberdade e à Democracia. Velhos contra-revolucionários, que conhecíamos e admirávamos, apareciam de repente de chapéu na mão perante erros por eles outrora desmascarados e, com sorrisos subtis, dedicavam-se à ingente tarefa de conciliar o inconciliável. Perante o nosso pasmo, antigos monárquicos integralistas rompiam despudoradamente a elogiar o regime inglês demo-parlamentarista, discreteavam com ardor sobre eleições e teciam loas à livre expressão do pensamento. E com estupefacção encarávamos a amnésia absoluta que parecia ter tocado os que, há bem poucos anos, senão meses, usavam fardas vistosas, estendiam o braço em continência, falavam com elogio das experiências alemã e italiana, veneravam Pétain e exaltavam Franco e a Falange.
Com espanto e admiração víamos reaparecer no tablado os mesmos pobres falhados expulsos do governo em 1926, a manejar argumentos ultraconhecidos, a professar os princípios que nas escolas nos tinham ensinado serem a causa da ruína a que o País fora conduzido antes do 28 de Maio. E a esses falhados que surgiam com embófia a reclamar foros e privilégios em nome dos seus perversos dogmas, atendiam-nos, davam-lhes satisfações; pouco a pouco, eles conseguiam reintegrar-se na vida política portuguesa com a máxima desfaçatez e o maior dos desplantes.
Às suas pessoas, de quando em quando, ainda se jogavam uns remoques sem sal. Às ideologias que invocavam, porém, onde estava o atrevido que se permitisse lançar-lhes uma certeira estocada? Sim, quem, ao ouvir falar em Liberdade, tinha coragem para responder que o ideal de Liberdade é um repelente absurdo, ou, ao escutar o elogio da Democracia, ousava ripostar que a Democracia e o sufrágio são o culto da incompetência, o primado do dislate?
Teciam-se muitas considerações sobre a falta de programa das oposições, alardeava-se a obra do regime, mas razões sérias, razões autênticas, as razões da Razão e da Lógica, ninguém as apresentava, antes todos (alguns tendo-as tantas vezes exibido em palavras e escritos) pareciam apostados em fazer o possível e o impossível para as deixar ocultas e esquecidas.
De certo, o ambiente que nos rodeava inspirava-nos pouca simpatia e a formação que nos fora ministrada fazia-nos desconfiar dos ídolos podres, pintados e retocados a fresco, perante os quais se prosternavam direitas e esquerdas (umas mais moderadamente e menos sinceramente, as outras com verdadeiros êxtases histéricos). Todavia, com a nossa inexperiência e a nossa timidez, vacilávamos, oscilávamos. Pois não seria pretensiosismo julgar que se impunha pugnar contra a loucura da época, quando pensadores de responsabilidade procediam à interpretação autêntica dos seus anteriores ensinamentos reaccionários e concluíam que eram perfeitamente compatíveis com os anseios contemporâneos, ou quando estadistas e governantes, que pareciam os mais interessados (quase pessoalmente) em não fraquejar e transigir, enveredavam pelo caminho dos compromissos e das transigências doutrinárias?
Estaríamos a compreender melhor as ideias e os factos do que homens, já maduros, com largos serviços e em cuja coragem e desinteresse pessoal acreditávamos então piamente?
Tudo nos impelia a não persistir, a fechar também os olhos, a passar uma esponja sobre o passado, a comungar na estupidez do momento e a bradar, por exemplo, que a monarquia era a mais genuína das democracias ou a tocar a sanfona da união dos Portugueses quaisquer que fossem as suas convicções (boas ou más, nacionais ou antinacionais – só não podiam ser marxistas) sob a égide de um presidencialismo mais ou menos bicéfalo ou bucéfalo.
Simplesmente, havia Alfredo Pimenta. Alfredo Pimenta que não desanimava, que não temia, que não hesitava e que sem cessar, se batia, como os heróis antigos, por entre um turbilhão de poeira, sozinho, contra uma legião de adversários. Alfredo Pimenta não nos deixava perplexos ou desamparados, não buscava alibis, não passava um traço sobre as suas atitudes de ontem, as suas convicções de ontem. Monárquico, continuava monárquico, de um monarquismo sem equívocos e, por isso mesmo, antidemocrático, antiparlamentar, antiliberal. Nacionalista, defensor da autoridade, não o comoviam os tropos da dignidade do homem, da indeclinável autonomia do pensamento, da beleza da democracia; antes continuava a perfilhar a tese do primado da Ordem e da Hierarquia. E não tinha receio em proclamar-se fiel à memória dos vencidos, dos que saudara com entusiasmo quando no Poder e que não descia a renegar ou a deixar cair num olvido prudente e cómodo.
Lendo-o, nos seus artigos, nos seus opúsculos, nas suas obras eruditas, nós sentíamo-nos renascer. Os cepticismos desapareciam, os ânimos aqueciam de novo, a fé reaparecia.
Que magoada saudade nos possui, agora, ao recordarmos o tempo em que o pensamento de Alfredo Pimenta nos acompanhava permanentemente, em que aguardávamos, com incontida impaciência, o correio que nos trazia os periódicos onde ele escrevia, em que corríamos vinte vezes à livraria a perguntar se já tinha chegado o seu último volume cuja próxima aparição os jornais tinham anunciado.
Jamais voltaremos a seguir, com entusiasmo e ânsia, a acção veemente de Alfredo Pimenta, a pelejar pela Pátria e pelo Rei e a castigar asperamente quem os traía ou negava. E, hoje em dia, na hora tão turbada que atravessamos, hora só comparável aos mais perturbadores instantes do ano fatídico de 1945, experimentamos, como nunca, a dor pungente da falta de Alfredo Pimenta. Que bons e utilíssimos combates ele saberia travar, quantos jovens salvaria, à semelhança do que fez connosco, dos abismos niilistas da dúvida e dilaceração interiores, dentre os que, no momento presente, esgrimem com os seus próprios fantasmas ou se deixam embalar em tristes conformismos sem que uma voz potente os chame ao caminho claro do dever nacional.
Sem dúvida, ficaram-nos os ensinamentos, as lições contidas nos seus escritos de historiador, de pensador político, de polemista, lições sempre válidas e cujo conteúdo importa difundir e divulgar no máximo grau. Com todo o seu incomensurável valor, não podem, no entanto, substituir a presença actuante do incomparável guia e orientador intelectual que ensinava a ver claro e falar claro, face aos acontecimentos mais alucinantes e desorientadores.
Não hesito em escrever que eu e alguns dos meus companheiros dos tempos de Coimbra lhe devemos a essência, o âmago mesmo das nossas formações mentais, nem em proclamar, com segurança, que se entre os de menos de quarenta anos ainda há um pensamento que merece com legitimidade a bela denominação de nacionalista e quem esteja disposto a levar avante a tarefa da Revolução impedindo que o Estado Novo se autodissolva por preguiça e imbecilidade, é a Alfredo Pimenta que isso se deve e apenas a ele.
Porque são esses e só esses – os que o seguiram e compreenderam em vida ou os que, depois, se juntaram aos primeiros na devoção pelo seu espírito e a sua memória – os únicos que têm sempre presente aquele austero lema que o Mestre lhes legou e que, perenemente, os acompanha no fundo dos corações:
«Quando chegar a minha vez de cair, e não andará (...) o momento muito longe de nós, quando chegar a minha vez de cair, não hesitem e sigam além, de olhos postos no futuro, no Dever, no Cumprimento do Dever, tendo nos ouvidos, constantemente viva, como hoje, ardente, como hoje, categórica, como hoje, esta palavra de ordem: lutar.
No mais aceso do combate, quando o temporal for mais violento, o ciclone for mais desvairado, lembrem-se de mim e oiçam, no meio do rugir dos elementos desencadeados, tão distinta como agora a ouvem, esta palavra de ordem: lutar.
...Lutar! Temos uma Pátria a salvar da morte e da infâmia que a rondam. Temos uma civilização a exumar dos escombros de uma Vitória abjecta» (1).
António José de Brito
Nota:
1 - In A Nação de 29 de Fevereiro de 1948.
(in «Gil Vicente», Vol. XII, 2ª série, nº 9/10, Setembro/Outubro de 1961, págs. 133/137)

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Causa Nacional  

Reproduzo uma exortação do Causa Nacional, que perfilho inteiramente:
"Façam publicidade a esta página e a outras páginas nacionalistas em fóruns nacionais nos portais do clix, da sapo, do iol divulguem a nossa mensagem, ajudem-nos a crescer. Leiam os vários blogues, escrevam no Fórum Nacional e no da Margem Sul, participem em debates nos blogues dos adversários, destruam-nos pela PALAVRA e pelo poder dos factos. Ganhem a batalha da argumentação.
Na rua colem autocolantes e cartazes, distribuam panfletos, participem nos eventos, estejam presentes. O movimento é feito por nós, somos nós que fazemos o movimento.
"

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sexta-feira, abril 22, 2005

A PARTIDOCRACIA 

Começando a refalar-se demais em partidocracia, parece conveniente a quem mais utiliza o termo tentar um esboço da sua definição. Para evitar confusões, antes de mais nada; para que nos entendamos, depois de tudo.
A partidocracia é uma forma degenerada da democracia. É o governo dos partidos, para os partidos e pelos partidos, enquanto a democracia pretende ser o governo do povo, para o povo e pelo povo.
Se todo o povo se arregimentasse em partidos e se o funcionamento interno das associações partidárias respeitasse as regras da democracia, a partidocracia poderia ser, talvez, uma forma de democracia orgânica, tendo os partidos o valor representativo dos grupos naturais. Assim, tal como funciona em Portugal, em Espanha, na Itália, não tem a menor qualidade ética e transforma-se, por tendência natural, restringindo-se democraticamene muito mais, no governo das oligarquias e pelas oligarquias.
Quem se sentindo com gabarito para chefe não tem lugar na chefia dum partido, forma o seu próprio partido. Como o direito de tendência não é reconhecido nas associações partidárias, monolíticas por natureza, não tem outro caminho. Os casos característicos de Francisco Martins Rodrigues, afastando-se do P.C. para fundar a U.D.P., de Manuel Serra e Lopes Cardoso, separando-se do P.S. para organizarem as suas próprias formações partidárias — e, muito mais recentemente, de Pinheiro de Azevedo, dando um salto de corça para passar da esquerda para a direita do leque político — são exemplos flagrantes.
Os partidos, monoliticamente disciplinados, propendem sempre para a auto-seccionação. Se o modelo português, de tão imaturo e com tão pouco tempo histórico, pode ser considerado caricatural — que se dirá do modelo espanhol, e do modelo italiano, e do modelo turco e (até...) do modelo britânico à beira da portugalização?
São os partidos somente máquinas burocráticas organizadas para a conquista do poder. Um dos mais pitorescos ornamento da partidocracia indígena — o sr. Amaro da Costa — ainda há bem poucos dias não teve o pejo de o afirmar quando disse que os partidos políticos se não fizeram para estar na oposição. Por isso mesmo passam por cima de toda a folha para se instalarem no governo.
Sendo militantes dum partido, os políticos anseiam por ser deputados; sendo deputados procuram ser ministros; sendo ministros fazem as cabriolas necessárias para se aguentar. As crises ministeriais são, desta maneira, da própria essência da partidocracia porque não há lugares de ministros para toda a gente e é necessário revezarem-se uns, para que outros se acheguem sentados aos cadeirais do poder.
Vivemos neste momento em Portugal a quinta-essência da partidocracia. Depois de, inutilmente, durante meses, ter apoiado o governo na esperança de receber um pago qualquer, a oposição derrubou o ministério. Ao fim de quase um mês de crise, o Primeiro-Ministro derrubado é indigitado para formar governo — e as oposições que tanto o censuraram resolvem apoiá-lo para tudo voltar ao mesmo.
Perante os interesses nacionais, os partidos defendem somente os seus próprios interesses, malbaratando os respectivos programas, todas as promessas eleitorais, para se achegarem ao usufruto do governo.
No nosso contraditório sistema constitucional estar no governo significa dominar toda a administração e os consequentes empregos, representa gerir 80% de economia e os seus lucros naturais. Isso mesmo se entende do que, secretamente, transpira das negociações entre o P.S. e os aspirantes à coligação ou plataforma governamental. O que se discute agora já não são pontos programáticos, não. O que se discute é a distribuição das sinecuras: — tantas pastas de ministro para ti, tantas pastas de ministro para mim; tantos governos civis para nós, tantos governos civis para vós; tantas administrações de empresas para os nossos amigos; tantas administrações de empresas para os vossos amigos. Não se discute mais nada.
As negociações com o Fundo Monetário Internacional? Concluir-se-ão, com certeza, se os partidos chegaram a acordo no que respeita à distribuição dos tachos governamentais.
Isto é, em linha genéricas, partidocracia. Não tem nada a ver com a democracia. Trata-se somente duma questão de partilha do poder — e mais nada. Os interesses gerais da nação são conscientemente sacrificados aos interesses pessoais das oligarquias; estas, sem o menor rebuço, sacrificam os próprios partidos à satisfação das ambições e vaidadezinhas de cada um dos oligarcas.
É ineficiente o sistema, em primeiro lugar. Não permite uma governamentação coerente e eficaz. É imoral, logo depois. Alimenta e aumenta os defeitos dos homens. Vivemos o drama tão intensamente que quase já acreditamos que os anúncios de catástrofe sejam flores de retórica. O que se passa em Portugal, sendo embora a truculenta caricatura da partidocracia, é perfeitamente paradigmático.
Os problemas do país são conhecidos de todos, concretamente e em pormenor. Conhecem-se, também, as soluções que, tecnicamente, podem ser socializantes, ou capitalizantes. Porque é que, então, se não entendem os partidos? Porque vivem na luta pela partilha do poder — e porque não conseguem chegar a acordo sobre a distribuição das prebendas.
Ao egoísmo de uns, soma-se negativamente o analfabetismo e a imaturidade dos outros. À vaidade destes, junta-se, taful, o orgulho daqueles. A realidade viva do interesse nacional é preterida pela mesquinhez consuetudinária. Vamo-nos enfraquecendo porque são fracos os homens que nos comandam.
Não nos parece que aceitando-se o sistema e as suas regras se possa fazer muito melhor. Só se pode piorar. Recusamo-lo em bloco, por isso mesmo — como direita. E recusamo-lo em termos críticos que o quotidiano constantemente corrobora. A partidocracia arruina-nos — precisamos angustiosamente de mudar de vida, se quisermos subsistir como comunidade soberana.
Limitamo-nos, portanto, a uma posição de simples bom senso. A tentação de nos inserirmos no sistema não se nos quadra porque não vemos no sistema a menor viabilidade.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 82, pág. 3, 05.01.1978)

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