domingo, julho 31, 2005
Mais presenças na net
Embora ainda no começo e em desenvolvimento, estão já em linha os novos sítios da Juventude Nacionalista e do PNR.
Novos projectos, novas esperanças... daqui deste espaço não pouparemos o apoio e os aplausos a quem trabalhe por Portugal!
Haja coragem, força, tenacidade, fé, perseverança, que a seu tempo os frutos não deixarão de surgir.
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SERVIÇO E MISSÃO
Há frases que são como chaves ou orientação. Há frases que são divisa e norma de vida, que são expressão de toda uma atitude, significado de todo um universo. Por isso, devemos tê-las sempre presentes, repeti-las mil e umas vezes, trazê-las sempre na memória, no afecto, na acção, martelá-las constantemente para que as gentes se repassem delas. Uma dessas frases iluminadoras e criadoras é a afirmação de Nietzsche: «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos».
Nesta hora confusa e turbulenta, nesta época demissionária e mentirosa, neste globo enlouquecido e tomado pela inversão de valores, nós precisamos de avançar, firmes, e tornarmo-nos conscientes de que «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos».
Podem vir os comunistas, os materialistas dialécticos, as gentes da moda, as multidões como carneiros, podem vir falar-nos no sentido da História, na fatalidade, na irresistível marcha de um progresso materialista e subjugado às forças económicas. Nós sabemos que, contra a força da matéria, triunfará a força do espírito, sabemos que, contra a fatalidade da economia ou da moda ou duma avalanche de acontecimentos, se levanta o comunicante e criador fogo do ideal e da vontade, sabemos que, contra a bruta imposição da quantidade, surge, a resistir-lhe ou a transformá-la e orientá-la, a qualidade. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Parecerá loucura não cedermos aos ventos da moda e aos tristes sinais dos tempos. De facto, Portugal parece estranhamente deslocado num globo tal como vai, estranhamente antiquado numa época de progressismo, de abandono e de libertações apressadas. O raro exemplo que damos ao mundo é coisa escandalosa, singular empresa. Mas nós não cedemos à maioria nem às afirmações de fatalismo, não cedemos a esta moda estúpida, nem à onda avassaladora que ordena à civilização que se demita. Estamos numa encruzilhada da História. Talvez estejamos às portas duma nova invasão de bárbaros, talvez seja o termo da nossa Idade Moderna, pois que, como no fim do império romano, os herdeiros da civilização andam, amolecidos, gozadores e cobardes, a lisonjear a barbárie e a abastardar as antigas virtudes. Talvez a Europa, o Ocidente, fiquem, de novo, presa dos infiéis. Mas nós, como Covadonga, resistiremos. A nossa vontade e a nossa fé triunfarão por fim. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Reune-se contra nós uma barafunda confrangedora: barulhentas gralhas, pegas ladroeiras, tigres sanguinolentos, ridículos saguis, cobras rastejantes, panteras traiçoeiras, crocodilos de lágrimas fingidas, asnos muito asnos, avestruzes que metem a cabeça no chão, escorpiões que envenenam com a cauda. É um pandemónio. É uma gritaria. É um nojento coro de hipócritas indignações. Povos meio selvagens arrogam-se o estandarte da civilização. Gentes em guerra fratricida temem pelas ameaças à paz. Esmagadores de populações patrióticas e quase indefesas falam em afirmação dos direitos. Aprisionadores de nações elogiam a autonomia e a liberdade. Estados onde há escravatura esganiçam-se pela dignidade humana. Plutocráticos exploradores dos países chamam-nos imperialistas, a nós. E eles o que são? Hipócritas e mentirosos, assassinos e tiranos. Ei-los em chinfrineira atroadora, num tropel ameaçador. Mas nós não desistimos. Não nos entregamos à corrente despenhada, à balbúrdia. Porque «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos». A nossa vontade poderá mais do que a multidão insana, saqueante e suicida. O mundo, como a História, é uma criação humana, uma criação do espírito. Não é um produto da matéria bruta. É a revelação de Deus.
Noutras épocas, demos «novos mundos ao mundo», criámos e difundimos civilização, dilatámos a Fé e o Império. É essa a nossa vocação: serviço. É essa a nossa missão: serviço. Portugal quer servir a causa da humanidade, os valores supremos. Portugal eleva, material e espiritualmente, os povos que descobriu e conquistou, trá-los ao convívio da civilização e da cultura, arranca-os ao estado primitivo e selvagem, desenvolve-os e aumenta-os, consolida-os e dá-lhes fisionomia nacional, portuguesa, integra-os, adopta-os, considera-os filhos como realmente são, porque a alma deles forma-se para a vida das sociedades e do mundo ao bafo criador de Portugal. Portugal sabe que o valor mais alto é a unidade, não a dispersão, e, por isso, em vez de separar os povos de si, vai-os gerando e fazendo crescer no próprio corpo a alma de Portugal. Esses povos descobertos por Portugal não possuem, autenticamente, outra realidade que não seja Portugal. Na História de Portugal se confundem. A História de Portugal não existe sem eles. Cortá-los de Portugal é como quem mutilasse alguém, cortando-lhe braços, dedos, lábios. Eles são Portugal. Arrancá-los de nós é crime contra a nossa Pátria Portuguesa e contra o ideal humano também. Os traidores e os nossos inimigos estrangeiros, a moda e a estupidez, querem criar nações artificialmente, autonomias do que não tem personalidade histórica e civilizadora à parte. Querem interromper a nossa acção civilizadora e o nosso serviço a favor das integrações e da unidade. Querem dispersar, separar violentamente, criar a divisão, fomentar as rivalidades, gerar o ódio e o ressentimento, provocar a inveja, acicatar a revolta, despertar o egoísmo, soltar a subversão. Os ventos da loucura sopram no planeta, os demónios, como nuvem de gafanhotos, tudo toldam e ensarilham. Portugal resiste, porém. Ergue-se, dentre a poeira e a tempestade; como herói, ergue-se, furando a lama e desafiando os projécteis, ergue-se com a face para as alturas. Mais uma vez estamos em minoria e em recursos minguados. Mas Portugal quer dizer serviço e missão. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.» Portugal dará um sentido a mundo. Portugal é Pátria e condutor. Portugal é alma e gloriosa terra herdada. Portugal não pode morrer.
Goulart Nogueira
(In Tempo Presente, n.º 22, págs. 3 a 5, 1961)
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Nesta hora confusa e turbulenta, nesta época demissionária e mentirosa, neste globo enlouquecido e tomado pela inversão de valores, nós precisamos de avançar, firmes, e tornarmo-nos conscientes de que «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos».
Podem vir os comunistas, os materialistas dialécticos, as gentes da moda, as multidões como carneiros, podem vir falar-nos no sentido da História, na fatalidade, na irresistível marcha de um progresso materialista e subjugado às forças económicas. Nós sabemos que, contra a força da matéria, triunfará a força do espírito, sabemos que, contra a fatalidade da economia ou da moda ou duma avalanche de acontecimentos, se levanta o comunicante e criador fogo do ideal e da vontade, sabemos que, contra a bruta imposição da quantidade, surge, a resistir-lhe ou a transformá-la e orientá-la, a qualidade. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Parecerá loucura não cedermos aos ventos da moda e aos tristes sinais dos tempos. De facto, Portugal parece estranhamente deslocado num globo tal como vai, estranhamente antiquado numa época de progressismo, de abandono e de libertações apressadas. O raro exemplo que damos ao mundo é coisa escandalosa, singular empresa. Mas nós não cedemos à maioria nem às afirmações de fatalismo, não cedemos a esta moda estúpida, nem à onda avassaladora que ordena à civilização que se demita. Estamos numa encruzilhada da História. Talvez estejamos às portas duma nova invasão de bárbaros, talvez seja o termo da nossa Idade Moderna, pois que, como no fim do império romano, os herdeiros da civilização andam, amolecidos, gozadores e cobardes, a lisonjear a barbárie e a abastardar as antigas virtudes. Talvez a Europa, o Ocidente, fiquem, de novo, presa dos infiéis. Mas nós, como Covadonga, resistiremos. A nossa vontade e a nossa fé triunfarão por fim. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Reune-se contra nós uma barafunda confrangedora: barulhentas gralhas, pegas ladroeiras, tigres sanguinolentos, ridículos saguis, cobras rastejantes, panteras traiçoeiras, crocodilos de lágrimas fingidas, asnos muito asnos, avestruzes que metem a cabeça no chão, escorpiões que envenenam com a cauda. É um pandemónio. É uma gritaria. É um nojento coro de hipócritas indignações. Povos meio selvagens arrogam-se o estandarte da civilização. Gentes em guerra fratricida temem pelas ameaças à paz. Esmagadores de populações patrióticas e quase indefesas falam em afirmação dos direitos. Aprisionadores de nações elogiam a autonomia e a liberdade. Estados onde há escravatura esganiçam-se pela dignidade humana. Plutocráticos exploradores dos países chamam-nos imperialistas, a nós. E eles o que são? Hipócritas e mentirosos, assassinos e tiranos. Ei-los em chinfrineira atroadora, num tropel ameaçador. Mas nós não desistimos. Não nos entregamos à corrente despenhada, à balbúrdia. Porque «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos». A nossa vontade poderá mais do que a multidão insana, saqueante e suicida. O mundo, como a História, é uma criação humana, uma criação do espírito. Não é um produto da matéria bruta. É a revelação de Deus.
Noutras épocas, demos «novos mundos ao mundo», criámos e difundimos civilização, dilatámos a Fé e o Império. É essa a nossa vocação: serviço. É essa a nossa missão: serviço. Portugal quer servir a causa da humanidade, os valores supremos. Portugal eleva, material e espiritualmente, os povos que descobriu e conquistou, trá-los ao convívio da civilização e da cultura, arranca-os ao estado primitivo e selvagem, desenvolve-os e aumenta-os, consolida-os e dá-lhes fisionomia nacional, portuguesa, integra-os, adopta-os, considera-os filhos como realmente são, porque a alma deles forma-se para a vida das sociedades e do mundo ao bafo criador de Portugal. Portugal sabe que o valor mais alto é a unidade, não a dispersão, e, por isso, em vez de separar os povos de si, vai-os gerando e fazendo crescer no próprio corpo a alma de Portugal. Esses povos descobertos por Portugal não possuem, autenticamente, outra realidade que não seja Portugal. Na História de Portugal se confundem. A História de Portugal não existe sem eles. Cortá-los de Portugal é como quem mutilasse alguém, cortando-lhe braços, dedos, lábios. Eles são Portugal. Arrancá-los de nós é crime contra a nossa Pátria Portuguesa e contra o ideal humano também. Os traidores e os nossos inimigos estrangeiros, a moda e a estupidez, querem criar nações artificialmente, autonomias do que não tem personalidade histórica e civilizadora à parte. Querem interromper a nossa acção civilizadora e o nosso serviço a favor das integrações e da unidade. Querem dispersar, separar violentamente, criar a divisão, fomentar as rivalidades, gerar o ódio e o ressentimento, provocar a inveja, acicatar a revolta, despertar o egoísmo, soltar a subversão. Os ventos da loucura sopram no planeta, os demónios, como nuvem de gafanhotos, tudo toldam e ensarilham. Portugal resiste, porém. Ergue-se, dentre a poeira e a tempestade; como herói, ergue-se, furando a lama e desafiando os projécteis, ergue-se com a face para as alturas. Mais uma vez estamos em minoria e em recursos minguados. Mas Portugal quer dizer serviço e missão. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.» Portugal dará um sentido a mundo. Portugal é Pátria e condutor. Portugal é alma e gloriosa terra herdada. Portugal não pode morrer.
Goulart Nogueira
(In Tempo Presente, n.º 22, págs. 3 a 5, 1961)
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TUDO CORRE PELO MELHOR NO MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEL?
Verdadeiramente, não percebo. O que se pretende que julguemos, que digamos, que se faça? Trata-se de buscar avanço e melhoria, de apontar deficiências, erros e esquecimentos, de multiplicar esforços construtivos — ou de ficar, muito satisfeitos, a olhar «como boi para palácio»? Reina por aí um coitério mirífico, uma vaidade e uma soberba diluvianas, uma ultra-sensibilidade de delíquios, e certas pessoas consideram-se, decerto, infalíveis como se fossem Deus Nosso Senhor ou, pelo menos, o Papa em matéria de dogma, consideram-se intocáveis como leprosos ou superbrâmanes, e não deixam que lhes batam nem sequer com uma flor. E se alguém se atreve a quebrar a ordem, chata e chacha, lá vêm as ordens chuchas de enxota! Se alguém busca trazer nova impulsão, lá rábida se corcova a impressão e, preste, se despenha uma pressão. As coisas vão amolecendo, a fé vai-se apagando, a ousadia e a coragem vão-se diluindo, os enganos e as falhas vão fazendo monte, os interesses pessoais e o prestígio de penacho e balão constituem enchente ou marabunta, e o monstro da reacção aburguesada e exploradora incha, engorda, hidrópico, refastelado, nos gabinetes de oiro a maçonaria estende antenas, patas e mandíbulas, reforça teias, presta favores mútuos e erige-se em ídolo de pedra e cal.
Nós não somos agentes de subversão, não queremos destruir o Estado, nem desarticular o poder, nem retalhar a Pátria, nem subjugar a Nação a domínios estrangeiros ou a modas demissionárias, nem sugar o Bem-Comum com interesses pessoais. Pelo contrário. Nós queremos criticar em nome de boa doutrina, em nome dos princípios e da eficácia. Nós queremos auxiliar a tarefa dos governantes, esclarecendo, informando, reclamando a fidelidade e a continuidade da Revolução (ou o retorno a ela). Há muita realização valiosa, certa, justa. Mas não estamos aqui para louvaminhas. Defendemos e defenderemos o Estado contra os inimigos da Autoridade, da Ordem Revolucionária, da Nação. Por isso mesmo e para isso mesmo, desejamos dizer que, livres de quaisquer pessimismos niilistas, não nos sujeitamos ao encómio rotineiro nem à lisonja beata. Porque não e não: as coisas não correm pelo melhor dos mundos possível.
Goulart Nogueira
(In Agora – n.º 332, pág. 1, 25.09.1967)
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Nós não somos agentes de subversão, não queremos destruir o Estado, nem desarticular o poder, nem retalhar a Pátria, nem subjugar a Nação a domínios estrangeiros ou a modas demissionárias, nem sugar o Bem-Comum com interesses pessoais. Pelo contrário. Nós queremos criticar em nome de boa doutrina, em nome dos princípios e da eficácia. Nós queremos auxiliar a tarefa dos governantes, esclarecendo, informando, reclamando a fidelidade e a continuidade da Revolução (ou o retorno a ela). Há muita realização valiosa, certa, justa. Mas não estamos aqui para louvaminhas. Defendemos e defenderemos o Estado contra os inimigos da Autoridade, da Ordem Revolucionária, da Nação. Por isso mesmo e para isso mesmo, desejamos dizer que, livres de quaisquer pessimismos niilistas, não nos sujeitamos ao encómio rotineiro nem à lisonja beata. Porque não e não: as coisas não correm pelo melhor dos mundos possível.
Goulart Nogueira
(In Agora – n.º 332, pág. 1, 25.09.1967)
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A PROPÓSITO DE UMA PEÇA DE PIRANDELLO
Em 1922, Giovanni Gentile era nomeado, por Mussolini, Ministro da Instrução Pública de Itália. Gentile tinha sido, com Benedetto Croce, director da revista "La Critica", ambos eles renovadores da Filosofia idealista no mundo. Mas a principal tarefa de Gentile foi, daí em diante, além da sua gigantesca obra filosófica, a reforma da educação, a formação das gerações novas. Como diz Ugo Spirito, «na reforma, Giovanni Gentile concretizou o fruto da sua experiência de educador e da sua concepção filosófica, percorrida pela revolução política». O autor da "Pedagogia Generale" estabeleceu um plano e uma organização primorosa e toda a actividade espiritual italiana passou a integrar-se nesse formidável desígnio.
Em 1929, o Pacto de Latrão, entre o governo italiano e a Igreja Católica, intensifica as vias da nova mentalidade.
É numa Itália assim que a peça "O Homem, o Animal e a Virtude", de Pirandello, obtém justo aplauso. Aliás, uma semelhante preocupação de justeza espiritual distingue o genial Pirandello. Entrou para o Partido Fascista, logo desde início; em 1924, quando Matteoti foi assassinado, Pirandello publica uma carta em defesa de Mussolini; quando se empreende a conquista da Abíssinia, o mesmo patriótico escritor oferece, para ajudar a campanha, a medalha que recebera do Prémio Nobel. Pirandello sabe o que convém à salvação da Itália e do mundo.
Profundamente moralista, exigente de autenticidade, ataca a hipocrisia, as máscaras, a deformação. Requer que cada homem, por um acto de vontade marcada na justeza e na verdade do universal, construa a sua própria libertação e harmonia. Corrado Alvaro escreve estas palavras elucidativas: «As peças pirandelleanas são os dramas da angústia da burguesia, da própria civilização com o seu mundo de convenções a dissolverem-se, e com o renascimento da natureza e do instinto, isto é, da moral natural onde tenha falhado a social. Se quisermos procurar um fundo filosófico em as concepções pirandelleanas do mundo, descobriremos nele o poeta do viver, enquanto criação de nós próprios, o inimigo dos lugares comuns e do convencionalismo, o defensor da superioridade da inteligência sobre o instinto, o poeta do homem elaborado pela consciência civil. O mundo, para ele, é uma contínua invenção pessoal.» Esta atitude que poderíamos aproximar de frases de Gentile e Mussolini é, afinal a procura de um reajustamento, de uma claridade para além da angústia e da amargura. A sua austeridade (tem-se falado muito no estoicismo de Pirandello) não toma, porém, a fórmula dum didactismo pedante e fastidioso, mas dum debate vivo, de figuras aliciantes, de situações dramáticas e de sátiras regorgigantes de riso.
Pirandello escreveu um livro que se intitula "O Humorismo" e a sua obra foi reunida sob o título de "Máscaras Nuas". A demanda da verdade sob as aparências, o desmascaramento dos vícios e da hipocrisia, o desejo de construção ideal, a gargalhada implacável, a pungente caricatura cómica, eis os traços dominantes na obra de Pirandello. Uma das suas peças que dá isso mesmo um vigoroso testemunho é a extraordinária farsa "O Homem, o Animal e a Virtude".
Obra moralista e não simples arte pela arte, é como um açoite no clássico triângulo amoroso. O processo é, em vez da lágrima, o riso; em vez do discurso, a caricatura; em vez do ar sério, o escárnio; em vez do sentimentalismo, a sátira. No entanto, lá dentro e não nas atitudes exteriores, existe uma enorme gravidade, pungente reflexão.
Sátira... claramente. Sátira do abandono do lar, não apenas temporário e físico, mas total e definitivo, abandono de estima, de presença espiritual, de dever conjugal. Sátira do conquistador adúltero, preferindo todas — até o rebutalho! — à sua mulher legítima. Sátira do adultério romântico, do sentimentalismo. Sátira da falsa virtude, da pudícia em gestos, falas e posturas, apenas. Contra a mascarada e a deformação, Pirandello ergue-se, desnudando a desumanização, o erro, as marionetas.
Goulart Nogueira
(In Agora, n.º 285, pág. 8, 19.11.1966)
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Em 1929, o Pacto de Latrão, entre o governo italiano e a Igreja Católica, intensifica as vias da nova mentalidade.
É numa Itália assim que a peça "O Homem, o Animal e a Virtude", de Pirandello, obtém justo aplauso. Aliás, uma semelhante preocupação de justeza espiritual distingue o genial Pirandello. Entrou para o Partido Fascista, logo desde início; em 1924, quando Matteoti foi assassinado, Pirandello publica uma carta em defesa de Mussolini; quando se empreende a conquista da Abíssinia, o mesmo patriótico escritor oferece, para ajudar a campanha, a medalha que recebera do Prémio Nobel. Pirandello sabe o que convém à salvação da Itália e do mundo.
Profundamente moralista, exigente de autenticidade, ataca a hipocrisia, as máscaras, a deformação. Requer que cada homem, por um acto de vontade marcada na justeza e na verdade do universal, construa a sua própria libertação e harmonia. Corrado Alvaro escreve estas palavras elucidativas: «As peças pirandelleanas são os dramas da angústia da burguesia, da própria civilização com o seu mundo de convenções a dissolverem-se, e com o renascimento da natureza e do instinto, isto é, da moral natural onde tenha falhado a social. Se quisermos procurar um fundo filosófico em as concepções pirandelleanas do mundo, descobriremos nele o poeta do viver, enquanto criação de nós próprios, o inimigo dos lugares comuns e do convencionalismo, o defensor da superioridade da inteligência sobre o instinto, o poeta do homem elaborado pela consciência civil. O mundo, para ele, é uma contínua invenção pessoal.» Esta atitude que poderíamos aproximar de frases de Gentile e Mussolini é, afinal a procura de um reajustamento, de uma claridade para além da angústia e da amargura. A sua austeridade (tem-se falado muito no estoicismo de Pirandello) não toma, porém, a fórmula dum didactismo pedante e fastidioso, mas dum debate vivo, de figuras aliciantes, de situações dramáticas e de sátiras regorgigantes de riso.
Pirandello escreveu um livro que se intitula "O Humorismo" e a sua obra foi reunida sob o título de "Máscaras Nuas". A demanda da verdade sob as aparências, o desmascaramento dos vícios e da hipocrisia, o desejo de construção ideal, a gargalhada implacável, a pungente caricatura cómica, eis os traços dominantes na obra de Pirandello. Uma das suas peças que dá isso mesmo um vigoroso testemunho é a extraordinária farsa "O Homem, o Animal e a Virtude".
Obra moralista e não simples arte pela arte, é como um açoite no clássico triângulo amoroso. O processo é, em vez da lágrima, o riso; em vez do discurso, a caricatura; em vez do ar sério, o escárnio; em vez do sentimentalismo, a sátira. No entanto, lá dentro e não nas atitudes exteriores, existe uma enorme gravidade, pungente reflexão.
Sátira... claramente. Sátira do abandono do lar, não apenas temporário e físico, mas total e definitivo, abandono de estima, de presença espiritual, de dever conjugal. Sátira do conquistador adúltero, preferindo todas — até o rebutalho! — à sua mulher legítima. Sátira do adultério romântico, do sentimentalismo. Sátira da falsa virtude, da pudícia em gestos, falas e posturas, apenas. Contra a mascarada e a deformação, Pirandello ergue-se, desnudando a desumanização, o erro, as marionetas.
Goulart Nogueira
(In Agora, n.º 285, pág. 8, 19.11.1966)
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sábado, julho 30, 2005
A ajuda económica a África
Mais um lúcido e desassombrado artigo no blogue "Lagoa Nacional".
Um espaço a seguir e encorajar.
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sexta-feira, julho 29, 2005
Quinta e última achega para a história do Fascismo
Nos tempos difíceis que precederam a Segunda Grande Guerra, Mussolini fez o possível para evitar o conflito. Depois, abertas as hostilidades, todo o seu trabalho consistiu em conservar a Itália fora da contenda. Os alemães aceitaram o pretexto de que o país não estava preparado, após as campanhas de África, para uma guerra na Europa. Exigiram, porém, em troca, três condições: a neutralidade não seria declarada antes de se romperem as hostilidades, a Itália faria ostensivamente preparativos militares - isto para reter tropas francesas e inglesas de prevenção contra Roma - e mandaria trabalhadores italianos para a Alemanha, a fim de substituírem os operários que iam sendo chamados às fileiras.
Tal jogo aguentá-lo-ia o Duce enquanto pudesse. Mas chegou uma altura em que lhe foi forçoso mesmo juntar-se ao alemão. E a Itália entrou na guerra quando já cria o aliado vitorioso.
Inesperadamente, a roda da fortuna começou a desandar - e sabe-se o que sucedeu. Prevista a derrota do Eixo, o Grande Conselho Fascista depõe Mussolini, que pouco depois é preso. O rei chama Badoglio para constituir governo, capitular diante dos aliados e logo a seguir juntar-se a estes contra os alemães.
O germano, entretanto, ocupa a Itália, consegue libertar Mussolini e este funda ainda, no Norte, a breve República Social Italiana. O desembarque dos aliados, porém, faz refluir os alemães. Mussolini é morto pelos comunistas e o corpo exposto com requintes de selvajaria.
Cabem aqui uns esclarecimentos sobre a atitude do Duce quanto aos alemães.
Primeiramente, ele convencera-se de que Hitler obteria fatalmente o Anschluss, até pelas cumplicidades que tinha dentro da própria Áustria: "Ele (Hitler) quer a Áustria e tê-la-á, sobretudo sendo eu sozinho a marchar sobre o Brenner. Os outros tinham também obrigação de mostrar um bocadinho de interesse pela Áustria e pela bacia do Danúbio..."
Depois, a máquina de guerra que ele vira na sua visita a Berlim em 1937 era de um funcionamento perfeito. E o chefe que o esperara naquela capital era impressionante de força e de eficiência. Não se comparava já ao homenzinho desajeitado e ridículo que um dia fora visitá-lo a Itália.
Além disso, Mussolini pensou até 1940 num plano com a Alemanha, unicamente defensivo, sem nenhum objectivo militar imediato e sem nenhuma ideia de agressão. Visava apenas a formação de um bloco de nações verdadeiramente poderosas que pudessem facilmente convencer Moscovo a limitar o campo de acção ao seu território nacional. A Itália e a Alemanha representavam o mundo latino e o mundo germânico. A sua missão era defender a civilização europeia e cristã de toda a infiltração bolchevista e ateia. Sem intuitos bélicos, agora que já tinha o seu império constituído, pretendia que os ocidentais não comunistas fossem perante a URSS um interlocutor pacífico, mas válido pela força dos seus exércitos. De certo modo, aquilo que as democracias vieram mais tarde a fazer com a OTAN.
Não há dúvida, todavia, de que jogou na carta errada - e perdeu. Não significa isto que tudo esteja hoje esclarecido sobre a política externa do fascismo. Na pasta que acompanhava Mussolini quando o apanharam junto ao lago Como, onde o mataram, haveria documentos altamente esclarecedores. Onde foram parar? Aos serviços secretos ingleses? Aos americanos? Aos russos? Onde?
Até aqui os eventos. Convém agora um escorço das linhas gerais do fascismo. Evito a expressão fascismo italiano, porque os vários movimentos, conducentes a regimes de autoridade, que depois apareceram na Europa e nas Américas, eram na sua generalidade essencialmente diferentes da revolução italiana: e certas similitudes exteriores são meras aparências.
No fascismo, a primeira nota dominante. como já dissemos, foi o primado da acção, claramente afirmado pelo próprio Mussolini, ao rebater objecções que lhe foram apresentadas:
"É inútil discutir sobre a oportunidade do sindicalismo; como sempre, o facto no Fascismo precede a doutrina."
Certo, para enfrentar os desmandos da partidocracia a que dera combate, o chefe italiano poderia ter recorrido aos mestres da Contra-Revolução desde Burke, de Bonald e De Maistre até ao alemão Frederic von Gentz. Mas ele não era um contra-revolucionário. Era um revolucionário que poderia aceitar eventualmente algumas teses contra-revolucionárias, se estas se enquadrassem nos seus objectivos de realização prática e nas suas preocupações de eficiência - o que é diferente.
Aceitava, por exemplo, do que se convencionara a Direita, o sentido da autoridade – como aliás o faria o comunismo quando resolveu assentar os pés na terra.
A doutrina fascista - escreveria Mussolini mais tarde - não fez de De Maistre seu profeta: o absolutismo monárquico passou. Porque as doutrinas são sempre abstracções, mais ou menos variáveis, como as modas. Ora: as doutrinas políticas passam, o povo fica. E acrescentou: "que uma doutrina nova pode utilizar os elementos vitais de outra doutrina é perfeitamente lógico. Nenhuma doutrina nasce toda nova, luminosa, jamais vista. Nenhuma doutrina pode orgulhar-se de uma originalidade absoluta." Ao aceitar, pois, o sentido unitário da Itália de Cavour e Garibaldi, o nacionalismo de Corradini, o tradicionalismo do Império Romano, o sindicalismo moderno, o fascismo fazia uma integração de valores dispersos num conjunto capaz de execução.
Mas uma doutrina social exige sempre parâmetros na ordem moral. No comunismo, a moral é definida e limitada pelo interesse do partido. Nas sociedades cristãs, são estas limitadas pela moral de que a Igreja é depositária. E no fascismo? É Mussolini quem responde:
"O Estado não tem uma teologia, mas tem uma moral. Não cria um deus, como o fez a Convenção com Robespierre, e como o fez o Comunismo. O Fascismo respeita o deus dos ascetas, dos santos, dos heróis e o deus como é visto no coração ingénuo e primitivo do povo."' Para além disto, "o Estado Fascista é uma vontade de força e de Império. A tradição romana é para ele uma ideia-força. É imperialista e não renunciatista. Ressurge de séculos de abandono e de servidão estrangeira":
Este orgulho nacionalista levava naturalmente à concepção de um tipo humano heróico, que o Fascismo tentaria incluir na sua concepção de Estado:
"O homem do fascismo é indivíduo, é nação e é pátria, conjugando em si indivíduos e gerações numa tradição e numa missão que anula o instinto da vida encerrado na roda breve do prazer, para instaurar no dever uma vida superior, livre das limitações do tempo e do espaço: uma vida na qual o indivíduo, pela abnegação de si mesmo, pelo sacrifício dos seus interesses particulares, pela própria morte realiza a existência toda espiritual em que consiste o seu valor de homem."
Mussolini considerava esta imagem do homem como "espiritualista antipositivista, mas positiva; uma concepção religiosa e uma concepção histórica”. Para o fascista, porém, tudo está no Estado e nada de humano ou de espiritual existe fora do Estado. Em tal sentido, o fascismo é totalitário e "o Estado Fascista é síntese e unidade de todo o valor, interpreta, desenvolve e potencia toda a vida do povo". É contra o socialismo e o sindicalismo classistas. Mas "na órbita do Estado ordenador, as reais exigências que deram origem aos movimentos socialista e sindicalista, quere-as o fascismo reconhecidas e fá-las valer no sistema corporativo dos interesses conciliados na unidade do Estado".
Nestes aguiamentos de acção, visando antes do mais Roma e a sua grandeza, conseguida através da fortaleza do Estado, perante o qual o inimigo se apouca, Mussolini não se confunde com os teóricos da Contra-Revolução, para quem a Nação e o Estado não são valores absolutos, mas elementos de uma ordem moral. O homem fascista engrandece-se moralmente, sem se despersonalizar, mas submetendo voluntariamente o destino terreno da personalidade aos superiores interesses do Estado.
Ernst Nolte nota, no seu “Faschismus in seiner Epoche”, que o fascismo é, mais do que uma política, um fenómeno filosófico. Daí a dificuldade, senão inutilidade de combatê-lo por meios políticos - que são normalmente os únicos que os políticos conhecem. Os políticos de hoje, os de ontem, os de sempre...
O fascismo é um fenómeno filosófico - concepção de vida, normas éticas consequentes - que tem de ser considerado cuidadosamente. Não podemos contentar-nos com a definição fixada pelo XIII Plenário do Comité Executivo da Internacional Comunista em 1933: "O fascismo é a ditadura terrorista declarada dos elementos mais reaccionários, chauvinistas e imperialistas do capital financeiro." Muito menos, claro está, com as definições do Prof. Pereira de Moura...
O professor alemão está certo: embora nascido na política, o fascismo é sobretudo uma filosofia. É um sentido e um estilo de vida. A Roma imperial, um Estado forte, totalitário e dominador exigem homens voluntariamente integrados nos fins superiores da comunidade que o Estado comanda. Com eles temos o primado do espírito de luta, de iniciativa, de realização, de sacrifício; a exaltação da juventude; o amor da aventura, do risco, dos grandes horizontes, da vida vivida em plenitude; a exigência da organização, da hierarquia e da disciplina; um gosto de vida actuante, esperançada, generosa, entusiasta.
“As doutrinas políticas passam, o povo fica”. Para entender o fascismo é indispensável começar por entender este aforismo de Mussolini.
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 111, 27 de Julho de 1978)
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Tal jogo aguentá-lo-ia o Duce enquanto pudesse. Mas chegou uma altura em que lhe foi forçoso mesmo juntar-se ao alemão. E a Itália entrou na guerra quando já cria o aliado vitorioso.
Inesperadamente, a roda da fortuna começou a desandar - e sabe-se o que sucedeu. Prevista a derrota do Eixo, o Grande Conselho Fascista depõe Mussolini, que pouco depois é preso. O rei chama Badoglio para constituir governo, capitular diante dos aliados e logo a seguir juntar-se a estes contra os alemães.
O germano, entretanto, ocupa a Itália, consegue libertar Mussolini e este funda ainda, no Norte, a breve República Social Italiana. O desembarque dos aliados, porém, faz refluir os alemães. Mussolini é morto pelos comunistas e o corpo exposto com requintes de selvajaria.
Cabem aqui uns esclarecimentos sobre a atitude do Duce quanto aos alemães.
Primeiramente, ele convencera-se de que Hitler obteria fatalmente o Anschluss, até pelas cumplicidades que tinha dentro da própria Áustria: "Ele (Hitler) quer a Áustria e tê-la-á, sobretudo sendo eu sozinho a marchar sobre o Brenner. Os outros tinham também obrigação de mostrar um bocadinho de interesse pela Áustria e pela bacia do Danúbio..."
Depois, a máquina de guerra que ele vira na sua visita a Berlim em 1937 era de um funcionamento perfeito. E o chefe que o esperara naquela capital era impressionante de força e de eficiência. Não se comparava já ao homenzinho desajeitado e ridículo que um dia fora visitá-lo a Itália.
Além disso, Mussolini pensou até 1940 num plano com a Alemanha, unicamente defensivo, sem nenhum objectivo militar imediato e sem nenhuma ideia de agressão. Visava apenas a formação de um bloco de nações verdadeiramente poderosas que pudessem facilmente convencer Moscovo a limitar o campo de acção ao seu território nacional. A Itália e a Alemanha representavam o mundo latino e o mundo germânico. A sua missão era defender a civilização europeia e cristã de toda a infiltração bolchevista e ateia. Sem intuitos bélicos, agora que já tinha o seu império constituído, pretendia que os ocidentais não comunistas fossem perante a URSS um interlocutor pacífico, mas válido pela força dos seus exércitos. De certo modo, aquilo que as democracias vieram mais tarde a fazer com a OTAN.
Não há dúvida, todavia, de que jogou na carta errada - e perdeu. Não significa isto que tudo esteja hoje esclarecido sobre a política externa do fascismo. Na pasta que acompanhava Mussolini quando o apanharam junto ao lago Como, onde o mataram, haveria documentos altamente esclarecedores. Onde foram parar? Aos serviços secretos ingleses? Aos americanos? Aos russos? Onde?
Até aqui os eventos. Convém agora um escorço das linhas gerais do fascismo. Evito a expressão fascismo italiano, porque os vários movimentos, conducentes a regimes de autoridade, que depois apareceram na Europa e nas Américas, eram na sua generalidade essencialmente diferentes da revolução italiana: e certas similitudes exteriores são meras aparências.
No fascismo, a primeira nota dominante. como já dissemos, foi o primado da acção, claramente afirmado pelo próprio Mussolini, ao rebater objecções que lhe foram apresentadas:
"É inútil discutir sobre a oportunidade do sindicalismo; como sempre, o facto no Fascismo precede a doutrina."
Certo, para enfrentar os desmandos da partidocracia a que dera combate, o chefe italiano poderia ter recorrido aos mestres da Contra-Revolução desde Burke, de Bonald e De Maistre até ao alemão Frederic von Gentz. Mas ele não era um contra-revolucionário. Era um revolucionário que poderia aceitar eventualmente algumas teses contra-revolucionárias, se estas se enquadrassem nos seus objectivos de realização prática e nas suas preocupações de eficiência - o que é diferente.
Aceitava, por exemplo, do que se convencionara a Direita, o sentido da autoridade – como aliás o faria o comunismo quando resolveu assentar os pés na terra.
A doutrina fascista - escreveria Mussolini mais tarde - não fez de De Maistre seu profeta: o absolutismo monárquico passou. Porque as doutrinas são sempre abstracções, mais ou menos variáveis, como as modas. Ora: as doutrinas políticas passam, o povo fica. E acrescentou: "que uma doutrina nova pode utilizar os elementos vitais de outra doutrina é perfeitamente lógico. Nenhuma doutrina nasce toda nova, luminosa, jamais vista. Nenhuma doutrina pode orgulhar-se de uma originalidade absoluta." Ao aceitar, pois, o sentido unitário da Itália de Cavour e Garibaldi, o nacionalismo de Corradini, o tradicionalismo do Império Romano, o sindicalismo moderno, o fascismo fazia uma integração de valores dispersos num conjunto capaz de execução.
Mas uma doutrina social exige sempre parâmetros na ordem moral. No comunismo, a moral é definida e limitada pelo interesse do partido. Nas sociedades cristãs, são estas limitadas pela moral de que a Igreja é depositária. E no fascismo? É Mussolini quem responde:
"O Estado não tem uma teologia, mas tem uma moral. Não cria um deus, como o fez a Convenção com Robespierre, e como o fez o Comunismo. O Fascismo respeita o deus dos ascetas, dos santos, dos heróis e o deus como é visto no coração ingénuo e primitivo do povo."' Para além disto, "o Estado Fascista é uma vontade de força e de Império. A tradição romana é para ele uma ideia-força. É imperialista e não renunciatista. Ressurge de séculos de abandono e de servidão estrangeira":
Este orgulho nacionalista levava naturalmente à concepção de um tipo humano heróico, que o Fascismo tentaria incluir na sua concepção de Estado:
"O homem do fascismo é indivíduo, é nação e é pátria, conjugando em si indivíduos e gerações numa tradição e numa missão que anula o instinto da vida encerrado na roda breve do prazer, para instaurar no dever uma vida superior, livre das limitações do tempo e do espaço: uma vida na qual o indivíduo, pela abnegação de si mesmo, pelo sacrifício dos seus interesses particulares, pela própria morte realiza a existência toda espiritual em que consiste o seu valor de homem."
Mussolini considerava esta imagem do homem como "espiritualista antipositivista, mas positiva; uma concepção religiosa e uma concepção histórica”. Para o fascista, porém, tudo está no Estado e nada de humano ou de espiritual existe fora do Estado. Em tal sentido, o fascismo é totalitário e "o Estado Fascista é síntese e unidade de todo o valor, interpreta, desenvolve e potencia toda a vida do povo". É contra o socialismo e o sindicalismo classistas. Mas "na órbita do Estado ordenador, as reais exigências que deram origem aos movimentos socialista e sindicalista, quere-as o fascismo reconhecidas e fá-las valer no sistema corporativo dos interesses conciliados na unidade do Estado".
Nestes aguiamentos de acção, visando antes do mais Roma e a sua grandeza, conseguida através da fortaleza do Estado, perante o qual o inimigo se apouca, Mussolini não se confunde com os teóricos da Contra-Revolução, para quem a Nação e o Estado não são valores absolutos, mas elementos de uma ordem moral. O homem fascista engrandece-se moralmente, sem se despersonalizar, mas submetendo voluntariamente o destino terreno da personalidade aos superiores interesses do Estado.
Ernst Nolte nota, no seu “Faschismus in seiner Epoche”, que o fascismo é, mais do que uma política, um fenómeno filosófico. Daí a dificuldade, senão inutilidade de combatê-lo por meios políticos - que são normalmente os únicos que os políticos conhecem. Os políticos de hoje, os de ontem, os de sempre...
O fascismo é um fenómeno filosófico - concepção de vida, normas éticas consequentes - que tem de ser considerado cuidadosamente. Não podemos contentar-nos com a definição fixada pelo XIII Plenário do Comité Executivo da Internacional Comunista em 1933: "O fascismo é a ditadura terrorista declarada dos elementos mais reaccionários, chauvinistas e imperialistas do capital financeiro." Muito menos, claro está, com as definições do Prof. Pereira de Moura...
O professor alemão está certo: embora nascido na política, o fascismo é sobretudo uma filosofia. É um sentido e um estilo de vida. A Roma imperial, um Estado forte, totalitário e dominador exigem homens voluntariamente integrados nos fins superiores da comunidade que o Estado comanda. Com eles temos o primado do espírito de luta, de iniciativa, de realização, de sacrifício; a exaltação da juventude; o amor da aventura, do risco, dos grandes horizontes, da vida vivida em plenitude; a exigência da organização, da hierarquia e da disciplina; um gosto de vida actuante, esperançada, generosa, entusiasta.
“As doutrinas políticas passam, o povo fica”. Para entender o fascismo é indispensável começar por entender este aforismo de Mussolini.
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 111, 27 de Julho de 1978)
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quinta-feira, julho 28, 2005
UM SUBSÍDIO PARA MATAR PORTUGAL
Para reforçar a evocação feita hoje pelo "Pena e Espada", aqui vai o editorial de "A Rua" n.º 69, de 28 de Julho de 1977, por Manuel Maria Múrias. Nem calculam o sucesso que o poster de Salazar teve nessa quinta-feira! Na Baixa lisboeta, surgiu durante essa manhã colado ou pregado por espontâneos um pouco por toda parte.
UM SUBSÍDIO PARA MATAR PORTUGAL
No dia 10 de Junho, o Presidente da República disse na Guarda o seguinte:
Os erros de concepção política, a falta de visão sobre os destinos do mundo moderno e a consequente insuficiência do ritmo do desenvolvimento no nosso país lançaram nos caminhos da emigração, nas últimas décadas, mais de um milhão dos nossos compatriotas. Este facto, se outros não houvesse, bastaria para condenar o regime que governou o País até Abril de 1974.
No dia 20 de Julho, uma nota do Conselho de Ministros anunciava-nos que se ia promover a emigração nos seguintes termos:
O plenário do Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei, de acordo com o qual os portugueses que pretendem emigrar e tenham asseguradas condições de trabalho ou de residência no país do destino poderão vir a beneficiar de concessão de subsídio reembolsável desde que façam prova de insuficiência económica.
Quer dizer: por um lado o Presidente da República condena o regime anterior por ter promovido inconscientemente a emigração: era a falta de visão política e insuficiente ritmo de desenvolvimento que a provocava; por outro, o seu governo promove conscientemente a emigração, subsidiando-a generosamente através de empréstimos reembolsáveis, sem juro ou a juro baixo.
Entramos assim em pleno reino do absurdo, da impotência — e das contradições vergonhosas.
Vamos aceitar sem discutir que o anterior regime, depois de cem anos de incompetência dita democrática que nos colocou na cauda dos países mais pobres do mundo, poderia ter enriquecido Portugal em meio século, partindo do zero e com várias guerras internacionais a rondar-lhe a porta. Vamos partir do falso princípio histórico que não se electrificou o país, não se fez nem uma fábrica, não se lançou nem um porto nem um quilómetro de estrada. Vamos considerar como dado objectivo e dogmático que o dr. Salazar e o dr. Marcello Caetano eram duas bestas quadradas — e que o dr. Palma Carlos, o Gen. Vasco Gonçalves, o dr. Mário Soares e o Gen. Eanes é que são grandes estadistas. Vamos ainda, sem fazer prova, afirmar que, depois do 25 de Abril, o progresso deste país tem sido espectacular e brilhante. Vamos esquecer o ouro acumulado nos ominosos tempos e que foi desbaratado pelos vários ministros das Finanças mais ou menos socialistas que nos governam desde Abril de 74... Vamos dar tudo isso (que é gigantesco) como abono à argumentação do sr. Presidente da República.
Pedimos-lhe em contrapartida que nos mostre um instrumento legal do anterior regime (só um...) em que se incentive a emigração, subsidiando-a financeiramente.
Que, perante o crescimento económico do mundo inteiro, nós não tivéssemos podido pôr-nos ao lado das nações mais ricas do universo e não tivéssemos, por isso mesmo, satisfeito as necessidades básicas das populações e, deste modo, houvéssemos promovido indirectamente a emigração — é uma coisa. Que haja hoje em Portugal um governo com o despudor de fomentar emigração — é outra.
Serve para condenar o regime anterior o êxodo maciço e involuntário de um milhão de portugueses. Não serve para demitir este governo a promoção planeada e subsidiada de não se sabe quantos outros milhões? Não se condena este regime pelo mesmo motivo? Não se auto-condena o sr. Presidente da República pela mesma razão?
Entramos em pleno reino do absurdo e da impotência. Somos governados por quem nos quer expatriar. Boa parte dos tostões que pagamos ao Estado para criar novos empregos e sarar a chaga vergonhosa da emigração vão ser gastos pelo Estado em pagar a emigração. Enquanto a França oferece 70 contos por cada português emigrante que regresse à Pátria, Portugal oferece outro tanto, ou mais, para que os portugueses se exilem. Chegámos a um nível de degradação inimaginável. Estabiliza-se a democracia, expulsando de Portugal os portugueses. Legalizam-se todas as infâmias cometidas até ao 25 de Novembro. Vivemos o gonçalvismo sem gonçalves. O governo que se condena pela política da emigração continua a merecer a confiança do Presidente da República.
Sabíamos que tudo se passaria assim. Assistimos, na prisão, ao exílio de mais de uma centena de milhar de técnicos, expulsos da Pátria por serem «fascistas». Vimos, entre náuseas, o dr. Mário Soares viajar por todo o mundo, tentando colocar os nossos excedentes de mão-de-obra. Ouvimos (muito cépticos) o discurso crítico do Presidente da República na Guarda. Lemos aterrorizados a nota do Conselho de Ministros anunciando o fomento da emigração...
Somos, realmente, concretamente, objectivamente uma nacionalidade moribunda. Para aguentar no poder um governo incapaz — expulsamos de Portugal os portugueses. Iremos ver, daqui a nada, como na União Indiana da senhora Ghandi, lançada uma campanha de esterilização colectiva às nossas mulheres — com prémios a quem não tiver filhos, com castigos a quem tiver muitos. Suicidamo-nos conscientemente. Suicidam-nos os nossos senhores do poder.
Nada nos resta senão o exílio. O exílio ou a revolta interior. Portugal é Portugal. Transcende as instituições democráticas. Para se defender a Democracia, não se pode matar Portugal. Isso é o que estamos a fazer. Friamente. Planeadamente. Desgraçadamente.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 69, pág. 3, 28.07.1977)
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UM SUBSÍDIO PARA MATAR PORTUGAL
No dia 10 de Junho, o Presidente da República disse na Guarda o seguinte:
Os erros de concepção política, a falta de visão sobre os destinos do mundo moderno e a consequente insuficiência do ritmo do desenvolvimento no nosso país lançaram nos caminhos da emigração, nas últimas décadas, mais de um milhão dos nossos compatriotas. Este facto, se outros não houvesse, bastaria para condenar o regime que governou o País até Abril de 1974.
No dia 20 de Julho, uma nota do Conselho de Ministros anunciava-nos que se ia promover a emigração nos seguintes termos:
O plenário do Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei, de acordo com o qual os portugueses que pretendem emigrar e tenham asseguradas condições de trabalho ou de residência no país do destino poderão vir a beneficiar de concessão de subsídio reembolsável desde que façam prova de insuficiência económica.
Quer dizer: por um lado o Presidente da República condena o regime anterior por ter promovido inconscientemente a emigração: era a falta de visão política e insuficiente ritmo de desenvolvimento que a provocava; por outro, o seu governo promove conscientemente a emigração, subsidiando-a generosamente através de empréstimos reembolsáveis, sem juro ou a juro baixo.
Entramos assim em pleno reino do absurdo, da impotência — e das contradições vergonhosas.
Vamos aceitar sem discutir que o anterior regime, depois de cem anos de incompetência dita democrática que nos colocou na cauda dos países mais pobres do mundo, poderia ter enriquecido Portugal em meio século, partindo do zero e com várias guerras internacionais a rondar-lhe a porta. Vamos partir do falso princípio histórico que não se electrificou o país, não se fez nem uma fábrica, não se lançou nem um porto nem um quilómetro de estrada. Vamos considerar como dado objectivo e dogmático que o dr. Salazar e o dr. Marcello Caetano eram duas bestas quadradas — e que o dr. Palma Carlos, o Gen. Vasco Gonçalves, o dr. Mário Soares e o Gen. Eanes é que são grandes estadistas. Vamos ainda, sem fazer prova, afirmar que, depois do 25 de Abril, o progresso deste país tem sido espectacular e brilhante. Vamos esquecer o ouro acumulado nos ominosos tempos e que foi desbaratado pelos vários ministros das Finanças mais ou menos socialistas que nos governam desde Abril de 74... Vamos dar tudo isso (que é gigantesco) como abono à argumentação do sr. Presidente da República.
Pedimos-lhe em contrapartida que nos mostre um instrumento legal do anterior regime (só um...) em que se incentive a emigração, subsidiando-a financeiramente.
Que, perante o crescimento económico do mundo inteiro, nós não tivéssemos podido pôr-nos ao lado das nações mais ricas do universo e não tivéssemos, por isso mesmo, satisfeito as necessidades básicas das populações e, deste modo, houvéssemos promovido indirectamente a emigração — é uma coisa. Que haja hoje em Portugal um governo com o despudor de fomentar emigração — é outra.
Serve para condenar o regime anterior o êxodo maciço e involuntário de um milhão de portugueses. Não serve para demitir este governo a promoção planeada e subsidiada de não se sabe quantos outros milhões? Não se condena este regime pelo mesmo motivo? Não se auto-condena o sr. Presidente da República pela mesma razão?
Entramos em pleno reino do absurdo e da impotência. Somos governados por quem nos quer expatriar. Boa parte dos tostões que pagamos ao Estado para criar novos empregos e sarar a chaga vergonhosa da emigração vão ser gastos pelo Estado em pagar a emigração. Enquanto a França oferece 70 contos por cada português emigrante que regresse à Pátria, Portugal oferece outro tanto, ou mais, para que os portugueses se exilem. Chegámos a um nível de degradação inimaginável. Estabiliza-se a democracia, expulsando de Portugal os portugueses. Legalizam-se todas as infâmias cometidas até ao 25 de Novembro. Vivemos o gonçalvismo sem gonçalves. O governo que se condena pela política da emigração continua a merecer a confiança do Presidente da República.
Sabíamos que tudo se passaria assim. Assistimos, na prisão, ao exílio de mais de uma centena de milhar de técnicos, expulsos da Pátria por serem «fascistas». Vimos, entre náuseas, o dr. Mário Soares viajar por todo o mundo, tentando colocar os nossos excedentes de mão-de-obra. Ouvimos (muito cépticos) o discurso crítico do Presidente da República na Guarda. Lemos aterrorizados a nota do Conselho de Ministros anunciando o fomento da emigração...
Somos, realmente, concretamente, objectivamente uma nacionalidade moribunda. Para aguentar no poder um governo incapaz — expulsamos de Portugal os portugueses. Iremos ver, daqui a nada, como na União Indiana da senhora Ghandi, lançada uma campanha de esterilização colectiva às nossas mulheres — com prémios a quem não tiver filhos, com castigos a quem tiver muitos. Suicidamo-nos conscientemente. Suicidam-nos os nossos senhores do poder.
Nada nos resta senão o exílio. O exílio ou a revolta interior. Portugal é Portugal. Transcende as instituições democráticas. Para se defender a Democracia, não se pode matar Portugal. Isso é o que estamos a fazer. Friamente. Planeadamente. Desgraçadamente.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 69, pág. 3, 28.07.1977)
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«ENQUANTO ULISSES DORMIA...»
Há uma corrosão lenta, venenos subtis que se vão entranhando no sangue e minando a saúde até destruir os corpos ou perverter as almas. Há tácticas habilidosas, caminhos de silêncio, invasões encapotadas que tomam conta dos exércitos, das praças, dos povos, das nações.
Temos sido ingénuos e descuidados, temos sido cépticos e desatentos, cheios de auto-suficiência e com sorrisos de desdém perante certas actividades que considerámos inofensivas. Temo-lo sido até ao extremo do exagero mais extremo — e até, e especialmente, nos mais responsáveis, por cultura ou posição.
É tempo — urgente, inadiável, decisivo —, tempo de arrepiar caminho e tomar medidas drásticas! É o derradeiro minuto possível — ou tudo acabará em luta sangrenta e, talvez, num período de escravidão, mais ou menos longo, mais ou menos aniquilador.
A educação espiritual de um povo, a conformação ideológica estão na base do trabalho pacífico e construtivo, de uma ordem actualizante e ascendente, onde a autoridade garanta a justiça, o bem comum, os valores.
«Mais vale prevenir do que remediar». Se usarmos as precauções necessárias, se cuidarmos da saúde, evitaremos o recurso, mais tarde, a custosos remédios e operações dolorosas, talvez cortes violentos. Quanto maior for a vigilância e mais atenta, inflexível, a repressão dos miasmas e ataques, menos se correrá o grave risco de repressões duríssimas ou de quedas fatais. A medicina preventiva é o melhor processo.
No entanto, o comportamento não pode limitar-se a repressões e proibições, não pode ter simples carácter negativo: à existência não se deve opor o nada, o vazio. A uma ideia ou a actos, há que substituir outros actos e outra ideia. Nas artes, no pensamento, nas revistas, nos jornais, nos livros, na rádio, na televisão, no ensino; nos professores, nos directores, nos jornalistas, nos comentadores, nos chefes — precisamos de instaurar uma orientação consciente e formativa, não deixarmos campo aberto à anarquia espiritual e à subversão, como se a Verdade fosse móvel e inapreensível, como se fosse igual à mentira e ao erro. Precisamos de criar sadia mentalidade e vigorosa unidade de sentimento nacional. Um povo dividido, centrífugo, instável, um povo divorciado do Governo é caixa de Pandora semeadora de fúrias e pestes, cruel fera à solta ou adormecida mas prestes a desembestar.
A falta de atenção à conformação espiritual das gentes, da mocidade, especialmente, dá consequências brutais. Os que amanhã (ou já hoje...) serão médicos, professores, sacerdotes, artistas, oficiais do exército, dirigentes, os que serão personalidades condutoras, influentes, exemplificadoras, geradoras de mentalidade, terão sentimentos e ideias contrárias ao que acreditamos (com fé sem tibieza! — ou não é fé nem vale a pena!) ser a Verdade e o Bem. O assalto verificar-se-á, em vários planos, e até o nosso exército, a nossa defesa, a unidade da Pátria estarão à mercê de banditismos e sabotagens.
Evidentemente: o combate ideológico prolonga-se na acção política — e esta inclui a administrativa, a económica, a social. O pensamento não pode ficar na esfera abstracta, em verbalismos, em teoria que contradiga a realidade por ela postulada. «Bem prega Frei Tomás! Olhai para o que diz e não para o que faz» é um irónico ditado, castigador de hipocrisias exploradoras e egoístas. A justiça ao povo, a dedicação ao bem nacional e à supremacia dos valores, têm de cumprir-se, banindo todos os interesses plutocráticos e a corrupção administrativa. Aliás, esse, materialismo prático é o que mais se alheia da doutrina, da conformação espiritual do povo e da alma da juventude. Os conservadores e os moderados são os piores inimigos.
Ergamo-nos, pois, contra a invasora traição!
Goulart Nogueira
(In Agora, n.º 325, págs. 1/11, 07.10.1967)
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Temos sido ingénuos e descuidados, temos sido cépticos e desatentos, cheios de auto-suficiência e com sorrisos de desdém perante certas actividades que considerámos inofensivas. Temo-lo sido até ao extremo do exagero mais extremo — e até, e especialmente, nos mais responsáveis, por cultura ou posição.
É tempo — urgente, inadiável, decisivo —, tempo de arrepiar caminho e tomar medidas drásticas! É o derradeiro minuto possível — ou tudo acabará em luta sangrenta e, talvez, num período de escravidão, mais ou menos longo, mais ou menos aniquilador.
A educação espiritual de um povo, a conformação ideológica estão na base do trabalho pacífico e construtivo, de uma ordem actualizante e ascendente, onde a autoridade garanta a justiça, o bem comum, os valores.
«Mais vale prevenir do que remediar». Se usarmos as precauções necessárias, se cuidarmos da saúde, evitaremos o recurso, mais tarde, a custosos remédios e operações dolorosas, talvez cortes violentos. Quanto maior for a vigilância e mais atenta, inflexível, a repressão dos miasmas e ataques, menos se correrá o grave risco de repressões duríssimas ou de quedas fatais. A medicina preventiva é o melhor processo.
No entanto, o comportamento não pode limitar-se a repressões e proibições, não pode ter simples carácter negativo: à existência não se deve opor o nada, o vazio. A uma ideia ou a actos, há que substituir outros actos e outra ideia. Nas artes, no pensamento, nas revistas, nos jornais, nos livros, na rádio, na televisão, no ensino; nos professores, nos directores, nos jornalistas, nos comentadores, nos chefes — precisamos de instaurar uma orientação consciente e formativa, não deixarmos campo aberto à anarquia espiritual e à subversão, como se a Verdade fosse móvel e inapreensível, como se fosse igual à mentira e ao erro. Precisamos de criar sadia mentalidade e vigorosa unidade de sentimento nacional. Um povo dividido, centrífugo, instável, um povo divorciado do Governo é caixa de Pandora semeadora de fúrias e pestes, cruel fera à solta ou adormecida mas prestes a desembestar.
A falta de atenção à conformação espiritual das gentes, da mocidade, especialmente, dá consequências brutais. Os que amanhã (ou já hoje...) serão médicos, professores, sacerdotes, artistas, oficiais do exército, dirigentes, os que serão personalidades condutoras, influentes, exemplificadoras, geradoras de mentalidade, terão sentimentos e ideias contrárias ao que acreditamos (com fé sem tibieza! — ou não é fé nem vale a pena!) ser a Verdade e o Bem. O assalto verificar-se-á, em vários planos, e até o nosso exército, a nossa defesa, a unidade da Pátria estarão à mercê de banditismos e sabotagens.
Evidentemente: o combate ideológico prolonga-se na acção política — e esta inclui a administrativa, a económica, a social. O pensamento não pode ficar na esfera abstracta, em verbalismos, em teoria que contradiga a realidade por ela postulada. «Bem prega Frei Tomás! Olhai para o que diz e não para o que faz» é um irónico ditado, castigador de hipocrisias exploradoras e egoístas. A justiça ao povo, a dedicação ao bem nacional e à supremacia dos valores, têm de cumprir-se, banindo todos os interesses plutocráticos e a corrupção administrativa. Aliás, esse, materialismo prático é o que mais se alheia da doutrina, da conformação espiritual do povo e da alma da juventude. Os conservadores e os moderados são os piores inimigos.
Ergamo-nos, pois, contra a invasora traição!
Goulart Nogueira
(In Agora, n.º 325, págs. 1/11, 07.10.1967)
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O jogo da Itália na ascensão do fascismo
Cremos já ter lido algures que a diferença fundamental entre as direitas e as esquerdas é que as primeiras dizem a verdade, rude que ela seja, nas promessas e nas ameaças; ao passo que as esquerdas se agitam sempre enganadoras em sonhos mais ou menos perturbantes, mas sempre falazes.
Quando Churchill prometeu aos ingleses sangue, suor e lágrimas, era um homem das direitas.
Quando Hitler ameaçou, antes de chegar ao Poder, "cabeças rolarão na serradura!" era um homem das direitas.
Quando Salazar prometeu uma "política de sacrifícios" procedia como homem das direitas.
As esquerdas, por seu lado, prometem sempre a liberdade, a paz, a emancipação, a igualdade, a instrução, o amor fraternal, a tolerância, a fartura, a assistência completa, a vida barata. E, como é sabido, essas promessas ficam sempre a alimentar as amarguras da desilusão.
Mussolini terá pois de ser considerado das direitas, na medida em que afirmava em 1920:
"Ao contrário dos socialistas, nós não enganamos as multidões. Nós falamos da Itália e do seu futuro. Não renunciamos às nossas afirmações de carácter imperialista. Muitos acólitos podem prejudicar um partido de disputantes, não um partido de soldados como o nosso. A nossa disciplina política é ao mesmo tempo disciplina militar. Os nossos recrutas desejam combater e não discutir. Mesmo aos sindicatos nós nunca prometemos demasiada felicidade. Saberemos defender as conquistas operárias, mas se for preciso saberemos também impor sacrifícios."
Isto refere-se, porém, às atitudes anteriores ao Poder. E depois do Poder?
Em 31 de Outubro de 1922, depois de ter dado ordem de desmobilização às suas milícias, mais de cinquenta mil fascistas desfilaram em Roma perante o Altar da Pátria, em homenagem ao Soldado Desconhecido, e perante o Quirinal, onde o Rei Vítor Manuel assistiu, durante cinco horas ao marchar dos camisas negras entre os quais sobressaíam algumas camisas vermelhas garibaldinas, bandeiras ondeando ao vento, cantos entusiásticos de juventude, álálá vibrante de esperança e de força.
Mussolini estava presidente de um Ministério para o qual chamou ministros de outros partidos: um liberal, Gentile; um nacionalista, Federzoni; um radical, Cesaró; um popular, Tangorra. Não representavam estes os partidos a que pertenciam: eram antes personalidades que se juntavam num gabinete de intenção nacional, independentemente dos partidos. É certo que estes não tardaram a perder a sua importância. Bastou para isso que o Governo passasse a depender, não da Câmara dos Deputados, mas somente do Rei e do Partido.
Mais do que os artifícios das combinações políticas, porém, valia o espírito novo que varria a Itália e não deixava de surpreender a Europa e as Américas, desfeitas pelo remoer corrosivo das partidocracias. Em breve a Itália, disciplinada e progressiva, com o orçamento equilibrado, a economia em crescimento, a instrução difundida, a previdência cuidada, começava a ser respeitada e até apontada como exemplo pelos países menos suspeitos de antidemocráticos. Já vimos como foi apreciado em Portugal pelo democrata Cunha Leal. Todavia, na América, ainda em 1937 o Presidente Roosevelt dizia a um filho do Duce:
"A Itália é o único país com o qual, sem trair as suas tradições democráticas, os Estados Unidos podem manter as melhores relações. Isto pela sua história, pela sua posição geográfica e pela sede da Igreja Católica, que está no seu território. Mussolini é o único a poder manter o equilíbrio europeu. A Alemanha e a Rússia estão nos pólos extremos da América e nada pode fazer-se com esses dois países".
E depois destas palavras, o Presidente propunha um encontro entre os dois, em águas neutras, por exemplo em navio no alto mar.
Isto não significa que entre 1922 e o ano do convite de Roosevelt a vida tenha sido para o fascismo em mar de rosas. Pelo contrário, foram anos árduos de trabalho a grossas contrariedades.
Já que falamos em Duce, devemos esclarecer que o nome não é de origem fascista. Foi-lhe dado em 1913 pelos socialistas, durante um banquete em que se festejava a sua saída da prisão onde sofrera pena por actividades revolucionárias. Um veterano do partido, Vernocchi, declarou ali:
- A partir de hoje, Benito, tu não és só representante dos socialistas romanhóis, tu és o Duce de todos os socialistas revolucionários da Itália!
No Poder, Mussolini procurou fazer a conciliação nacional, acolhendo gente de todos os sectores políticos, à excepção do socialista. A essa boa vontade correspondeu das forças inimigas, como é habitual, claramente ou não, uma luta constante. Basta dizer isto: apesar da oposição que lhe fez a Maçonaria, só em 1925 considerou aquela associação ilegal, sabendo embora que tanto o Rei como o general Badoglio lhe eram afectos. Quase vinte anos depois, quando o Grande Conselho Fascista depôs Mussolini, catorze dos dezanove conselheiros eram maçons.
Além disso, como governar é descontentar, e como o Poder corrói - e daí a necessidade política das mutações - o governo de Mussolini não escapou a estas fatalidades governativas.
Quando a crise surgiu em 1924, o Duce reagiu com a ofensiva contra o parlamentarismo e a dialéctica dos partidos. Mais do que por princípio, por necessidade de acção.
A partir de 1925 foi o período mais intenso de reorganização política, económica e social. A política do trabalho, em especial viria a ser objecto de interesse e de estudo em todo o Mundo.
Em 1929, pelo Pacto de Latrão, põe-se termo à questão romana, que trazia desavindos a Itália e o Papado.
Passemos por cima de toda a obra de remoçamento moral e de reconstrução material do país. Deixemos as obras de Macarese e a secagem dos mortíferos pântanos Pontinos, no local dos quais se ergueram cidades modernas. Atenhamo-nos aos factos de espacial relevância externa.
A pujança do país leva os italianos a alastrarem pela Somália, pela Eritreia, pela Líbia, empreendendo ali obras colossais. Em Maio de 1936, após sete meses de uma campanha militar modelarmente organizada, a Etiópia era incorporada no império italiano. Mais um passo no caminho que já o carbonário Mazzini, em 1870, desejara à
Itália: o de charneira entre o Ocidente e o Oriente. E assim recebeu a Sociedade das Nações uma das suas maiores derrotas.
Já por essa época a Alemanha pré e nacional-socialista ia conseguindo, perante a estupidez das democracias europeias, a conquista do que pretendia, a principiar pela anulação das reparações de guerra e pelo rearmamento. Em 1934 procura forçar a Áustria ao Anschluss.
A 25 de Julho, um grupo de nazis assassina o chanceler austríaco, o católico Dolfuss. Substitui-o Schuschnigg. 0 Ocidente alarma-se. Berlim irá atacar?
Mussolini manda avançar duas divisões para o Brenner, a fim de defenderem a Europa da ofensiva hitleriana.
Contudo, as democracias ocidentais continuavam cegas. Insistiam nos erros de sempre. Na guerra civil de Espanha não entenderam o que estava efectivamente em jogo na Península Ibérica. Não reagiram à ocupação da Renânia, nem à anexação da Boémia e da Morávia, nem à tutela da Eslováquia. No encontro de Munique, em 1938, Mussolini alinhava com o parceiro mais jovem, mais decidido, mais eficiente: o alemão.
O encontro é já da França e da Inglaterra com o Eixo Berlim-Roma.
A entrada da Itália na guerra ao lado da Alemanha foi uma consequência da passividade obtusa das democracias ocidentais, quando deixaram as tropas italianas, em 1934, sozinhas, nos desfiladeiros do Brenner.
Esse erro custaria depois milhões de mortos.
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 110, 20 de Julho de 1978)
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Quando Churchill prometeu aos ingleses sangue, suor e lágrimas, era um homem das direitas.
Quando Hitler ameaçou, antes de chegar ao Poder, "cabeças rolarão na serradura!" era um homem das direitas.
Quando Salazar prometeu uma "política de sacrifícios" procedia como homem das direitas.
As esquerdas, por seu lado, prometem sempre a liberdade, a paz, a emancipação, a igualdade, a instrução, o amor fraternal, a tolerância, a fartura, a assistência completa, a vida barata. E, como é sabido, essas promessas ficam sempre a alimentar as amarguras da desilusão.
Mussolini terá pois de ser considerado das direitas, na medida em que afirmava em 1920:
"Ao contrário dos socialistas, nós não enganamos as multidões. Nós falamos da Itália e do seu futuro. Não renunciamos às nossas afirmações de carácter imperialista. Muitos acólitos podem prejudicar um partido de disputantes, não um partido de soldados como o nosso. A nossa disciplina política é ao mesmo tempo disciplina militar. Os nossos recrutas desejam combater e não discutir. Mesmo aos sindicatos nós nunca prometemos demasiada felicidade. Saberemos defender as conquistas operárias, mas se for preciso saberemos também impor sacrifícios."
Isto refere-se, porém, às atitudes anteriores ao Poder. E depois do Poder?
Em 31 de Outubro de 1922, depois de ter dado ordem de desmobilização às suas milícias, mais de cinquenta mil fascistas desfilaram em Roma perante o Altar da Pátria, em homenagem ao Soldado Desconhecido, e perante o Quirinal, onde o Rei Vítor Manuel assistiu, durante cinco horas ao marchar dos camisas negras entre os quais sobressaíam algumas camisas vermelhas garibaldinas, bandeiras ondeando ao vento, cantos entusiásticos de juventude, álálá vibrante de esperança e de força.
Mussolini estava presidente de um Ministério para o qual chamou ministros de outros partidos: um liberal, Gentile; um nacionalista, Federzoni; um radical, Cesaró; um popular, Tangorra. Não representavam estes os partidos a que pertenciam: eram antes personalidades que se juntavam num gabinete de intenção nacional, independentemente dos partidos. É certo que estes não tardaram a perder a sua importância. Bastou para isso que o Governo passasse a depender, não da Câmara dos Deputados, mas somente do Rei e do Partido.
Mais do que os artifícios das combinações políticas, porém, valia o espírito novo que varria a Itália e não deixava de surpreender a Europa e as Américas, desfeitas pelo remoer corrosivo das partidocracias. Em breve a Itália, disciplinada e progressiva, com o orçamento equilibrado, a economia em crescimento, a instrução difundida, a previdência cuidada, começava a ser respeitada e até apontada como exemplo pelos países menos suspeitos de antidemocráticos. Já vimos como foi apreciado em Portugal pelo democrata Cunha Leal. Todavia, na América, ainda em 1937 o Presidente Roosevelt dizia a um filho do Duce:
"A Itália é o único país com o qual, sem trair as suas tradições democráticas, os Estados Unidos podem manter as melhores relações. Isto pela sua história, pela sua posição geográfica e pela sede da Igreja Católica, que está no seu território. Mussolini é o único a poder manter o equilíbrio europeu. A Alemanha e a Rússia estão nos pólos extremos da América e nada pode fazer-se com esses dois países".
E depois destas palavras, o Presidente propunha um encontro entre os dois, em águas neutras, por exemplo em navio no alto mar.
Isto não significa que entre 1922 e o ano do convite de Roosevelt a vida tenha sido para o fascismo em mar de rosas. Pelo contrário, foram anos árduos de trabalho a grossas contrariedades.
Já que falamos em Duce, devemos esclarecer que o nome não é de origem fascista. Foi-lhe dado em 1913 pelos socialistas, durante um banquete em que se festejava a sua saída da prisão onde sofrera pena por actividades revolucionárias. Um veterano do partido, Vernocchi, declarou ali:
- A partir de hoje, Benito, tu não és só representante dos socialistas romanhóis, tu és o Duce de todos os socialistas revolucionários da Itália!
No Poder, Mussolini procurou fazer a conciliação nacional, acolhendo gente de todos os sectores políticos, à excepção do socialista. A essa boa vontade correspondeu das forças inimigas, como é habitual, claramente ou não, uma luta constante. Basta dizer isto: apesar da oposição que lhe fez a Maçonaria, só em 1925 considerou aquela associação ilegal, sabendo embora que tanto o Rei como o general Badoglio lhe eram afectos. Quase vinte anos depois, quando o Grande Conselho Fascista depôs Mussolini, catorze dos dezanove conselheiros eram maçons.
Além disso, como governar é descontentar, e como o Poder corrói - e daí a necessidade política das mutações - o governo de Mussolini não escapou a estas fatalidades governativas.
Quando a crise surgiu em 1924, o Duce reagiu com a ofensiva contra o parlamentarismo e a dialéctica dos partidos. Mais do que por princípio, por necessidade de acção.
A partir de 1925 foi o período mais intenso de reorganização política, económica e social. A política do trabalho, em especial viria a ser objecto de interesse e de estudo em todo o Mundo.
Em 1929, pelo Pacto de Latrão, põe-se termo à questão romana, que trazia desavindos a Itália e o Papado.
Passemos por cima de toda a obra de remoçamento moral e de reconstrução material do país. Deixemos as obras de Macarese e a secagem dos mortíferos pântanos Pontinos, no local dos quais se ergueram cidades modernas. Atenhamo-nos aos factos de espacial relevância externa.
A pujança do país leva os italianos a alastrarem pela Somália, pela Eritreia, pela Líbia, empreendendo ali obras colossais. Em Maio de 1936, após sete meses de uma campanha militar modelarmente organizada, a Etiópia era incorporada no império italiano. Mais um passo no caminho que já o carbonário Mazzini, em 1870, desejara à
Itália: o de charneira entre o Ocidente e o Oriente. E assim recebeu a Sociedade das Nações uma das suas maiores derrotas.
Já por essa época a Alemanha pré e nacional-socialista ia conseguindo, perante a estupidez das democracias europeias, a conquista do que pretendia, a principiar pela anulação das reparações de guerra e pelo rearmamento. Em 1934 procura forçar a Áustria ao Anschluss.
A 25 de Julho, um grupo de nazis assassina o chanceler austríaco, o católico Dolfuss. Substitui-o Schuschnigg. 0 Ocidente alarma-se. Berlim irá atacar?
Mussolini manda avançar duas divisões para o Brenner, a fim de defenderem a Europa da ofensiva hitleriana.
Contudo, as democracias ocidentais continuavam cegas. Insistiam nos erros de sempre. Na guerra civil de Espanha não entenderam o que estava efectivamente em jogo na Península Ibérica. Não reagiram à ocupação da Renânia, nem à anexação da Boémia e da Morávia, nem à tutela da Eslováquia. No encontro de Munique, em 1938, Mussolini alinhava com o parceiro mais jovem, mais decidido, mais eficiente: o alemão.
O encontro é já da França e da Inglaterra com o Eixo Berlim-Roma.
A entrada da Itália na guerra ao lado da Alemanha foi uma consequência da passividade obtusa das democracias ocidentais, quando deixaram as tropas italianas, em 1934, sozinhas, nos desfiladeiros do Brenner.
Esse erro custaria depois milhões de mortos.
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 110, 20 de Julho de 1978)
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quarta-feira, julho 27, 2005
HERANÇA COMUM
Morreu um Homem que foi verdadeiramente Grande. Morreu — O Homem. É preciso remontar a D. João II para encontrar na História da Pátria uma figura de estadista a quem Portugal tanto deva. Duas figuras impressionantemente homólogas. Quase meio milénio as separa, mas não foi sem razão que uma voz autorizada lembrou que às vezes só de séculos a séculos surgem homens de génio na História de um país.
Príncipe perfeito foi o egrégio rei do século XV. Foi por igual Príncipe Perfeito o Homem-águia do século XX, perante cuja memória todos os portugueses dignos deste nome se inclinam com respeito, tantos em funda dor, muitos com veneração.
Era grande. Não se pode ser grande sem ter amigos, não se pode ser grande sem fazer inimigos. Salazar tinha-os. Mas estou em crer que mesmo aqueles que em vida se lhe opunham não deixarão agora, os que tiverem nobreza de alma, de prestar homenagem ao seu valor humano, à isenção e integridade que o esmaltavam, ao inultrapassável poder mental e volutivo, à pulcritude da sua acção de condutor de homens — mesmo se dela discordavam ou até se a hostilizaram. A morte passou o negro manto: decerto, in pectore, os adversários pousam as armas para saudar o clarão humano que se extinguiu e sentir que o vulto não podia ser maior.
Paulo Cunha
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 13)
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Príncipe perfeito foi o egrégio rei do século XV. Foi por igual Príncipe Perfeito o Homem-águia do século XX, perante cuja memória todos os portugueses dignos deste nome se inclinam com respeito, tantos em funda dor, muitos com veneração.
Era grande. Não se pode ser grande sem ter amigos, não se pode ser grande sem fazer inimigos. Salazar tinha-os. Mas estou em crer que mesmo aqueles que em vida se lhe opunham não deixarão agora, os que tiverem nobreza de alma, de prestar homenagem ao seu valor humano, à isenção e integridade que o esmaltavam, ao inultrapassável poder mental e volutivo, à pulcritude da sua acção de condutor de homens — mesmo se dela discordavam ou até se a hostilizaram. A morte passou o negro manto: decerto, in pectore, os adversários pousam as armas para saudar o clarão humano que se extinguiu e sentir que o vulto não podia ser maior.
Paulo Cunha
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 13)
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SALAZAR
I
Tinhas de ser qual és, calado e triste,
Misterioso, ascético, tenaz,
Para reger um povo que da Paz
Há que tempos nem sabe se ela existe...
Já, com verbo fecundo e lança em riste,
Outros tentaram a missão falaz:
Mas, com promessas boas e obras más,
Maior caos nos fizeram, como viste.
Tu então, ao dilúvio das palavras
Opões barreira sólida, e entretanto
A gleba acordas, e em silêncio a lavras...
E eis logo o prado em flor, o oiro das messes!
Quem és tu, Salazar, ou mago ou santo,
Que assim nos ressuscitas e engrandeces?...
II
Na solitária cela, quantas vezes,
Em horas de incerteza natural,
A ti próprio dirás: Mas, afinal,
Que esperavam de mim os Portugueses?
Eram mudos e moles como reses
Passivos para o bem e para o mal,
Sem vontade, nem fé, nem ideal,
Sempre a temer desgraças e reveses...
Mas, de repente, alto clamor se eleva
No estagnado silêncio. É claridade,
Qual de Aleluia sucedendo à Treva.
São, renascentes da ancestral raiz,
Hostes da Legião, da Mocidade,
Novos cruzados com a cruz de Aviz!
III
Agora já se pode, já se deve,
Acreditar de novo em Portugal.
Deu-se o prodígio sobrenatural:
Outro sol derreteu a antiga neve!
É Deus que para nós direito escreve
Por árduas linhas, e que um Parsifal,
Puro, intangível, portador do Graal,
Manda a salvar-nos em futuro breve.
De tronco Salazar brotam milhares
De ignotos mas fecundos Salazares,
Cresce e floresce a Pátria ainda uma vez.
E, enjeitando as escuras profecias,
Digamos todos — como em longes dias —:
Que honra e glória nascer-se Português!
Alberto Oliveira
(In «Poemas de Itália e outros poemas», págs.39/40/41, Empresa Nacional de Publicidade, 1939)
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Tinhas de ser qual és, calado e triste,
Misterioso, ascético, tenaz,
Para reger um povo que da Paz
Há que tempos nem sabe se ela existe...
Já, com verbo fecundo e lança em riste,
Outros tentaram a missão falaz:
Mas, com promessas boas e obras más,
Maior caos nos fizeram, como viste.
Tu então, ao dilúvio das palavras
Opões barreira sólida, e entretanto
A gleba acordas, e em silêncio a lavras...
E eis logo o prado em flor, o oiro das messes!
Quem és tu, Salazar, ou mago ou santo,
Que assim nos ressuscitas e engrandeces?...
II
Na solitária cela, quantas vezes,
Em horas de incerteza natural,
A ti próprio dirás: Mas, afinal,
Que esperavam de mim os Portugueses?
Eram mudos e moles como reses
Passivos para o bem e para o mal,
Sem vontade, nem fé, nem ideal,
Sempre a temer desgraças e reveses...
Mas, de repente, alto clamor se eleva
No estagnado silêncio. É claridade,
Qual de Aleluia sucedendo à Treva.
São, renascentes da ancestral raiz,
Hostes da Legião, da Mocidade,
Novos cruzados com a cruz de Aviz!
III
Agora já se pode, já se deve,
Acreditar de novo em Portugal.
Deu-se o prodígio sobrenatural:
Outro sol derreteu a antiga neve!
É Deus que para nós direito escreve
Por árduas linhas, e que um Parsifal,
Puro, intangível, portador do Graal,
Manda a salvar-nos em futuro breve.
De tronco Salazar brotam milhares
De ignotos mas fecundos Salazares,
Cresce e floresce a Pátria ainda uma vez.
E, enjeitando as escuras profecias,
Digamos todos — como em longes dias —:
Que honra e glória nascer-se Português!
Alberto Oliveira
(In «Poemas de Itália e outros poemas», págs.39/40/41, Empresa Nacional de Publicidade, 1939)
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MAIS UMA AMPOLA (BEBÍVEL) DE HISTÓRIA DO FASCISMO
Quando António Ferro, naquela já hoje distante década de Vinte, perguntou a Mussolini se o partido fascista era um partido conservador, o italiano explicou-lhe:
"O Fascismo é um movimento espiritual e político absolutamente inconfundível com velhas categorias e absolutamente estranho a velhas classificações de conservantismo e de liberalismo. O Fascismo é uma expressão original do povo italiano. Quem desejar entendê-lo tem de abandonar todas essas fórmulas senis e observá-lo, directamente, no quadro da história italiana. O Fascismo deseja restituir à Itália as suas tradições perdidas. Entretanto, o fascismo não quer, de modo algum, uma Itália contemplativa, uma Itália de ruínas. A Itália viveu ontem. Vive hoje. Viverá amanhã. Viverá sempre."
Para além do que há de meramente declamatório na resposta do chefe do governo italiano, este marcou um sentido que era realmente novo, que ultrapassava os moldes fixados pelo parlamentarismo novecentista. Conservantismo e progressismo, liberalismo e ultramontanismo, revolução e reacção, até mesmo direitas e esquerdas, são expressões que, para o nacionalista Mussolini, deixaram de ter sentido.
Não se perdia o chefe italiano em testilhar doutrinas. Ele atém-se aos factos, às realidades. Foi uma realidade social da mais importância - a Nação - que reuniu os intervencionistas italianos contra a turba vociferante dos socialistas. Para estes a realidade é a classe e as nações não passam de formas de domínio inventadas pela classe exploradora. Não tinha vindo ainda o tempo em que os partidos socialistas se atreveriam a invocar mitos de patriotismo e de independência nacional...
Foi, pois, a realidade nacional que trouxe aos fasci de acção revolucionária as simpatias de sectores tão amplos como os dos nacionalistas, monárquicos ou republicanos, e o dos moços que se exaltavam no sonho de integrar na Nação Italiana as terras irredentas, cujo destino era discutido em Paris por uns velhotes pantafaçudos. Este movimento alternativo de uma Itália jovem e revolucionária encontrava nos meios literários e artísticos uma correspondência no futurismo, chefiado por Marinetti.
Em 1919 os acontecimentos impuseram outra fase de actuação: a corrosão dos velhos partidos exigia caminhos novos. Não bastava já que o Popolo d’Italia insistisse em que a classe operária não poderia prescindir da Nação e que nos quadros desta é que deveria organizar-se e defender os seus interesses, o destino comum. Em Março, convoca-se um congresso para Milão. Ali se anuncia a criação dum antipartido não só contra o conteúdo doutrinário dos outros partidos, mas também contra estes como partidos. Ali foi criado em 23 de Março o primeiro Fascio di Combattimento.
Os acontecimentos seguintes ajudarão a formar a imagem do novo movimento político:
Em meados de Abril de 1919, assalto ao jornal Avanti. Em Maio, D'Anunzio discursa em Campidoglio e em Setembro lança-se na aventura empolgante de Fiúme.
Em Novembro, eleições. O movimento dos fasci obteve uns escassos milhares de votos. Está no poder um governo presidido por Nitti, que em meados de 1920 será substituído por outro chefiado por Giolitti. Setembro de 1920. Agrava-se a situação social. Motins. Ocupações de fábricas pelos operários. Violências selvagens. A população pacífica entra em pânico. Os capitais vão fugindo para o estrangeiro. No meio da desordem, grupos parlamentares irrequietos e ávidos procuram aproveitar-se da decomposição e agravam-na.
Por essa altura, Lenine censura os camaradas italianos por terem deixado fugir um homem como Mussolini.
Em Março de 1921 surge a revista Gerarchia, dirigida por Mussolini. Em Novembro, no congresso de Roma, já se fazem representar 2200 fasci com 310000 inscritos. Dois anos antes, no congresso de Florença estiveram representados apenas 22 fasci e 17000 filiados.
Surge assim, como consequência necessária das circunstâncias, o partido fascista com o propósito já não somente de intervir, mas de governar o País. Concorre às eleições de Maio, numa campanha de propaganda agitadíssima, em que os outros partidos tentam dominar os fascistas pela violência. Estes recebem ordem do comité central dos fascios: represálias imediatas e inexoráveis. Conseguem 35 lugares no parlamento. Recusam-se a assistir à sessão de abertura, que teria a presença do Rei. Na sessão seguinte, tomam lugar, corajosamente, nos lugares da extrema-direita, onde até então (porque o comunismo dominador sempre soube utilizar a arma do medo) ninguém ousava sentar-se.
Mussolini, deputado, faz um discurso surpreendente: "Desde já vos digo, e com o desprezo supremo que tenho por todas as etiquetas, que o meu discurso vai defender teses revolucionárias. Com os comunistas, que falam nas suas ditaduras proletárias, nas suas repúblicas soviéticas mais ou menos federais e nos seus absurdos mais ou menos inúteis, não pode haver entre eles e nós senão combate." Com os socialistas já o caso é diferente: distingue entre o movimento operário e o partido político. Respeita a Confederação Geral do Trabalho vítima das manobras do partido socialista oficial, mas opõe-se a todas as tentativas de colectivização, de socialização. Nega que haja apenas duas classes: há até muitas mais... Mas repele o internacionalismo, pois é um luxo que só as classes abastadas se podem permitir, enquanto o povo fica desesperadamente agarrado à sua terra natal. Define a posição do Fascismo perante a Igreja: “Nós não incendiamos igrejas nem combatemos a religião, nem pedimos o divórcio; nós vemos no catolicismo a tradição de Roma, e na autoridade que se senta no Vaticano a única ideia universal do Mundo. Se o Vaticano renuncia a Roma, nós lhe daremos os meios necessários para as suas igrejas e para a sua actividade benfazeja. Nós vemos no destino do Catolicismo o destino de Roma."
Há aqui, verdadeiramente, a fase final nacionalista da luta de Garibaldi. A Itália é una, e nela todo o poder temporal é o do Estado italiano, que retoma o facho da velha Roma. A Roma o que é de César; à Igreja respeitada os caminhos livres da Fé e da Caridade. Eis portanto o primeiro conceito de identificação do Fascismo: a Roma imperial. Não a dos museus e das ruínas, mas a da projecção em novos destinos de grandeza.
Mussolini haveria mesmo de escrever: Roma è il nostro mito.
Continua entretanto a corrupção da partidocracia. É impossível o País continuar no declive daquela decadência. O partido tem de intervir. Em 26 de Outubro de 1922 é expedida aos fascios a ordem secreta de mobilização para a marcha sobre Roma. Em 27 o Rei aceita a demissão do gabinete Facta, mas tenta logo a seguir a habilidade: um ministério Salandra-Mussolini. Este recusa. Não aceita misturas. Em 29 é encarregado de formar governo. Só dois dias depois, porém, assina a ordem de desmobilização dos camisas pretas. Continuava a não ter um sistema ideológico. Afirmava-se como um movimento de democracia autoritário e nacional, representando na história da política italiana uma síntese entre os princípios da economia liberal e as novas forças do mundo operário que a partidocracia utilizava em proveito dos seus políticos.
Se o Fascismo é inicialmente e historicamente um movimento socialista e patriótico, se ele mesmo se define como democracia autoritária, como há-de tal ser caracterizado como objecto cominado por socialismos e democracias, ainda que estas o sejam só no nome?
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 109, 13 de Julho de 1978)
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"O Fascismo é um movimento espiritual e político absolutamente inconfundível com velhas categorias e absolutamente estranho a velhas classificações de conservantismo e de liberalismo. O Fascismo é uma expressão original do povo italiano. Quem desejar entendê-lo tem de abandonar todas essas fórmulas senis e observá-lo, directamente, no quadro da história italiana. O Fascismo deseja restituir à Itália as suas tradições perdidas. Entretanto, o fascismo não quer, de modo algum, uma Itália contemplativa, uma Itália de ruínas. A Itália viveu ontem. Vive hoje. Viverá amanhã. Viverá sempre."
Para além do que há de meramente declamatório na resposta do chefe do governo italiano, este marcou um sentido que era realmente novo, que ultrapassava os moldes fixados pelo parlamentarismo novecentista. Conservantismo e progressismo, liberalismo e ultramontanismo, revolução e reacção, até mesmo direitas e esquerdas, são expressões que, para o nacionalista Mussolini, deixaram de ter sentido.
Não se perdia o chefe italiano em testilhar doutrinas. Ele atém-se aos factos, às realidades. Foi uma realidade social da mais importância - a Nação - que reuniu os intervencionistas italianos contra a turba vociferante dos socialistas. Para estes a realidade é a classe e as nações não passam de formas de domínio inventadas pela classe exploradora. Não tinha vindo ainda o tempo em que os partidos socialistas se atreveriam a invocar mitos de patriotismo e de independência nacional...
Foi, pois, a realidade nacional que trouxe aos fasci de acção revolucionária as simpatias de sectores tão amplos como os dos nacionalistas, monárquicos ou republicanos, e o dos moços que se exaltavam no sonho de integrar na Nação Italiana as terras irredentas, cujo destino era discutido em Paris por uns velhotes pantafaçudos. Este movimento alternativo de uma Itália jovem e revolucionária encontrava nos meios literários e artísticos uma correspondência no futurismo, chefiado por Marinetti.
Em 1919 os acontecimentos impuseram outra fase de actuação: a corrosão dos velhos partidos exigia caminhos novos. Não bastava já que o Popolo d’Italia insistisse em que a classe operária não poderia prescindir da Nação e que nos quadros desta é que deveria organizar-se e defender os seus interesses, o destino comum. Em Março, convoca-se um congresso para Milão. Ali se anuncia a criação dum antipartido não só contra o conteúdo doutrinário dos outros partidos, mas também contra estes como partidos. Ali foi criado em 23 de Março o primeiro Fascio di Combattimento.
Os acontecimentos seguintes ajudarão a formar a imagem do novo movimento político:
Em meados de Abril de 1919, assalto ao jornal Avanti. Em Maio, D'Anunzio discursa em Campidoglio e em Setembro lança-se na aventura empolgante de Fiúme.
Em Novembro, eleições. O movimento dos fasci obteve uns escassos milhares de votos. Está no poder um governo presidido por Nitti, que em meados de 1920 será substituído por outro chefiado por Giolitti. Setembro de 1920. Agrava-se a situação social. Motins. Ocupações de fábricas pelos operários. Violências selvagens. A população pacífica entra em pânico. Os capitais vão fugindo para o estrangeiro. No meio da desordem, grupos parlamentares irrequietos e ávidos procuram aproveitar-se da decomposição e agravam-na.
Por essa altura, Lenine censura os camaradas italianos por terem deixado fugir um homem como Mussolini.
Em Março de 1921 surge a revista Gerarchia, dirigida por Mussolini. Em Novembro, no congresso de Roma, já se fazem representar 2200 fasci com 310000 inscritos. Dois anos antes, no congresso de Florença estiveram representados apenas 22 fasci e 17000 filiados.
Surge assim, como consequência necessária das circunstâncias, o partido fascista com o propósito já não somente de intervir, mas de governar o País. Concorre às eleições de Maio, numa campanha de propaganda agitadíssima, em que os outros partidos tentam dominar os fascistas pela violência. Estes recebem ordem do comité central dos fascios: represálias imediatas e inexoráveis. Conseguem 35 lugares no parlamento. Recusam-se a assistir à sessão de abertura, que teria a presença do Rei. Na sessão seguinte, tomam lugar, corajosamente, nos lugares da extrema-direita, onde até então (porque o comunismo dominador sempre soube utilizar a arma do medo) ninguém ousava sentar-se.
Mussolini, deputado, faz um discurso surpreendente: "Desde já vos digo, e com o desprezo supremo que tenho por todas as etiquetas, que o meu discurso vai defender teses revolucionárias. Com os comunistas, que falam nas suas ditaduras proletárias, nas suas repúblicas soviéticas mais ou menos federais e nos seus absurdos mais ou menos inúteis, não pode haver entre eles e nós senão combate." Com os socialistas já o caso é diferente: distingue entre o movimento operário e o partido político. Respeita a Confederação Geral do Trabalho vítima das manobras do partido socialista oficial, mas opõe-se a todas as tentativas de colectivização, de socialização. Nega que haja apenas duas classes: há até muitas mais... Mas repele o internacionalismo, pois é um luxo que só as classes abastadas se podem permitir, enquanto o povo fica desesperadamente agarrado à sua terra natal. Define a posição do Fascismo perante a Igreja: “Nós não incendiamos igrejas nem combatemos a religião, nem pedimos o divórcio; nós vemos no catolicismo a tradição de Roma, e na autoridade que se senta no Vaticano a única ideia universal do Mundo. Se o Vaticano renuncia a Roma, nós lhe daremos os meios necessários para as suas igrejas e para a sua actividade benfazeja. Nós vemos no destino do Catolicismo o destino de Roma."
Há aqui, verdadeiramente, a fase final nacionalista da luta de Garibaldi. A Itália é una, e nela todo o poder temporal é o do Estado italiano, que retoma o facho da velha Roma. A Roma o que é de César; à Igreja respeitada os caminhos livres da Fé e da Caridade. Eis portanto o primeiro conceito de identificação do Fascismo: a Roma imperial. Não a dos museus e das ruínas, mas a da projecção em novos destinos de grandeza.
Mussolini haveria mesmo de escrever: Roma è il nostro mito.
Continua entretanto a corrupção da partidocracia. É impossível o País continuar no declive daquela decadência. O partido tem de intervir. Em 26 de Outubro de 1922 é expedida aos fascios a ordem secreta de mobilização para a marcha sobre Roma. Em 27 o Rei aceita a demissão do gabinete Facta, mas tenta logo a seguir a habilidade: um ministério Salandra-Mussolini. Este recusa. Não aceita misturas. Em 29 é encarregado de formar governo. Só dois dias depois, porém, assina a ordem de desmobilização dos camisas pretas. Continuava a não ter um sistema ideológico. Afirmava-se como um movimento de democracia autoritário e nacional, representando na história da política italiana uma síntese entre os princípios da economia liberal e as novas forças do mundo operário que a partidocracia utilizava em proveito dos seus políticos.
Se o Fascismo é inicialmente e historicamente um movimento socialista e patriótico, se ele mesmo se define como democracia autoritária, como há-de tal ser caracterizado como objecto cominado por socialismos e democracias, ainda que estas o sejam só no nome?
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 109, 13 de Julho de 1978)
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terça-feira, julho 26, 2005
OLIVEIRA SALAZAR E AS GRANDES COORDENADAS
Cedo Salazar tratou de precaver-nos contra a tremenda eventualidade de, um dia, nos vir a sair ao caminho, e a calhar na rifa, algum Marcelo, algum Spínola ou exemplares da mesma — e, até, de muito pior — espécie. (Os chamados casos patológicos da nossa zoologia política...)
Só assim, aliás, se explica que date logo de 1934 um dos mais prescientes e intencionais comentários que ele teceu a tal respeito — e que o mesmo vá dirigidinho, com todas as letras e com todas as vírgulas, a quem a gente muito bem sabe!...
Na oportunidade, avançava de lá o nosso antigo Chefe do Governo: «Estranho que os homens de grande responsabilidade, para afastarem perigos iminentes, se tenham disposto a aceitar o bem-fundado de princípios de que hão-de nascer grandes dificuldades futuras».
«Tem muita força quem tem razão e quem não dá, contra si mesmo, razão aos outros», reforçaria, lapidarmente no ano seguinte.
Em 1960, e ainda dentro da mesma linha — da mesma linha recta — de orientação, ei-lo que sublinha quão «mal avisados andaríamos agora a inovar práticas, sentimentos, conceitos, diversos dos que foram o segredo da obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro».
Três anos volvidos, e ao mesmo Salazar vá de ir ainda muito mais longe, em ordem a essa autêntica petição de princípio — reiterada, por ele, a cada passo. Então já para o estadista «a questão é saber se os dirigentes podem propor e aconselhar à Nação mudar a sua mesma estrutura pela pressão de razões estranhas ao seu próprio ser, e se as modificações estruturais, mesmo quando aceites pelos povos, são para seu bem. O que se impõe aos governantes — estabelece e esclarece, por sua conta e risco, o insigne dirigente — há-de ser em cada momento encarado à luz do sentimento nacional e do interesse da grei; de modo algum por sujeição a desígnios que a um e a outro se opõem».
No seu espírito lusíada, esta inteira submissão aos mais fundos arcanos, vocacionais e orgânicos, e aos mais altos arquétipos da alma lusíada; esta invariável observância e este quase religioso acatamento dos grandes parâmetros sócio-morais, que mais intrínseca e lidimamente nos consubstanciam e conformam; esta sua profunda e tão atenta e vigilante auscultação, de sempre, ao coro das raízes que ditaram, e determinaram tudo aquilo que somos de melhor, e que, em definitivo, não podemos nem deveremos deixar de ser — tem a força poderosa e imperativa de um guião, e constitui directriz que nunca Salazar perde a vista, mormente quando legisla. Para si, todo e qualquer diploma de expressão normativa e condutora — a começar, muito naturalmente, pela fórmula constitucional — «não é (...) mais que a declaração de um estado de consciência estratificado em séculos de História».
Quer isto dizer que a prioridade da sinalização espiritual de um Povo, e do seu génio e predisposição anímica, sobre a formalidade da letra, é sempre, para ele, total e absoluta: «Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional» — vincava, ingloriamente, o glorioso governante, em 1937.
Mas não conheço trecho tão marcadamente definidor do nosso carácter colectivo, como aquele que saiu da clarividência do seu punho, num belo dia de 54. — Historicamente, que somos nós, depois de feitas todas as contas ao solo e ao sangue?
Experientemente, ponderadamente, Salazar responde: «Nós somos, apesar da relativa vastidão do nosso Ultramar» — que Moscovo haja! — uma pequena nação homogénea e razoavelmente estruturada, que há bastantes séculos tem consciência dos respectivos limites territoriais e humanos, de onde vem talvez a energia com que procura defender os seus e o escrúpulo com que respeita os alheios. A modéstia não nos inibe também de falar, porque a razão não depende do número e a justiça não varia com o valor material das causas». — «E não é que, pretensiosamente, nos ponhamos em bicos de pé para nos verem», pontualizava ele alegando de pronto: «outros se sentem obrigados a atribuir-nos importância real».
Não vai longe o tempo em que éramos, realmente, coisa que se via!...
Perante este sólido conjunto de razões, nada mais lógico, portanto, que Salazar considere que: «Portugal não pode, com a ligeireza corrente, professar princípios que seriam agentes de dissociação e de quebra da sua integridade — no fundo, a negação de si próprio, sem vantagens visíveis mais que para terceiros (porque há sempre neste mundo vário», observaria ele, «quem esteja disposto a colher os frutos das tolas filosofias alheias)». Como lindamente se viu... Assim, a União Soviética foi a grande contemplada!
Spínola e adventícios: os tontinhos utilíssimos do costume...
Esta a moral da História.
Revertendo entretanto ao ano-chave de 1950, avisadamente lembremos aqui o dia em que Salazar entende, e muito bem, que é chegado para ele o momento de advertir, entre outras coisas de validade universal, que bem «melhor iria o Mundo se (...) apreciasse com justiça o processo histórico da colonização que, em virtude de circunstâncias especiais ou vocação assinalada, faz parte integrante da vida e missão de algumas nações. Isso seria mais meritório do que empenhar-se em dividir ou anemizar soberanias, que tudo são processos de enfraquecer pontos de apoio do “(mesmo)” Mundo». E rematava: «Ao fazermos o nosso exame de consciência — nós velho povo colonizador, com mais humanitarismo prático que o que escorre do idealismo de alguns cenáculos (...) — temos a orgulhosa sinceridade de nos ufanar (...) e de concluir que, mesmo quando precisemos de ajudas, podemos dispensar tutelas».
Oxalá pudéssemos nós dizer o mesmo a estas horas!
Finalmente, e já em pleno 61, tem o mesmo Salazar este imparável desabafo, quando exclama: «Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse (...) distinguir melhor a colonização do colonialismo — a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico, que se dá, dá, e se não dá, se larga». E logo de caminho adiantava, com impressionante justeza, que: «referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».
Só que a perspectiva portuguesa obedecia, de facto, a uma diferente angulação e por bem mais nobres razões de fundo era animada.
Rodrigo Emílio
(In A Rua, n.º 59, pág. 10, 19.05.1977)
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Só assim, aliás, se explica que date logo de 1934 um dos mais prescientes e intencionais comentários que ele teceu a tal respeito — e que o mesmo vá dirigidinho, com todas as letras e com todas as vírgulas, a quem a gente muito bem sabe!...
Na oportunidade, avançava de lá o nosso antigo Chefe do Governo: «Estranho que os homens de grande responsabilidade, para afastarem perigos iminentes, se tenham disposto a aceitar o bem-fundado de princípios de que hão-de nascer grandes dificuldades futuras».
«Tem muita força quem tem razão e quem não dá, contra si mesmo, razão aos outros», reforçaria, lapidarmente no ano seguinte.
Em 1960, e ainda dentro da mesma linha — da mesma linha recta — de orientação, ei-lo que sublinha quão «mal avisados andaríamos agora a inovar práticas, sentimentos, conceitos, diversos dos que foram o segredo da obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro».
Três anos volvidos, e ao mesmo Salazar vá de ir ainda muito mais longe, em ordem a essa autêntica petição de princípio — reiterada, por ele, a cada passo. Então já para o estadista «a questão é saber se os dirigentes podem propor e aconselhar à Nação mudar a sua mesma estrutura pela pressão de razões estranhas ao seu próprio ser, e se as modificações estruturais, mesmo quando aceites pelos povos, são para seu bem. O que se impõe aos governantes — estabelece e esclarece, por sua conta e risco, o insigne dirigente — há-de ser em cada momento encarado à luz do sentimento nacional e do interesse da grei; de modo algum por sujeição a desígnios que a um e a outro se opõem».
No seu espírito lusíada, esta inteira submissão aos mais fundos arcanos, vocacionais e orgânicos, e aos mais altos arquétipos da alma lusíada; esta invariável observância e este quase religioso acatamento dos grandes parâmetros sócio-morais, que mais intrínseca e lidimamente nos consubstanciam e conformam; esta sua profunda e tão atenta e vigilante auscultação, de sempre, ao coro das raízes que ditaram, e determinaram tudo aquilo que somos de melhor, e que, em definitivo, não podemos nem deveremos deixar de ser — tem a força poderosa e imperativa de um guião, e constitui directriz que nunca Salazar perde a vista, mormente quando legisla. Para si, todo e qualquer diploma de expressão normativa e condutora — a começar, muito naturalmente, pela fórmula constitucional — «não é (...) mais que a declaração de um estado de consciência estratificado em séculos de História».
Quer isto dizer que a prioridade da sinalização espiritual de um Povo, e do seu génio e predisposição anímica, sobre a formalidade da letra, é sempre, para ele, total e absoluta: «Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional» — vincava, ingloriamente, o glorioso governante, em 1937.
Mas não conheço trecho tão marcadamente definidor do nosso carácter colectivo, como aquele que saiu da clarividência do seu punho, num belo dia de 54. — Historicamente, que somos nós, depois de feitas todas as contas ao solo e ao sangue?
Experientemente, ponderadamente, Salazar responde: «Nós somos, apesar da relativa vastidão do nosso Ultramar» — que Moscovo haja! — uma pequena nação homogénea e razoavelmente estruturada, que há bastantes séculos tem consciência dos respectivos limites territoriais e humanos, de onde vem talvez a energia com que procura defender os seus e o escrúpulo com que respeita os alheios. A modéstia não nos inibe também de falar, porque a razão não depende do número e a justiça não varia com o valor material das causas». — «E não é que, pretensiosamente, nos ponhamos em bicos de pé para nos verem», pontualizava ele alegando de pronto: «outros se sentem obrigados a atribuir-nos importância real».
Não vai longe o tempo em que éramos, realmente, coisa que se via!...
Perante este sólido conjunto de razões, nada mais lógico, portanto, que Salazar considere que: «Portugal não pode, com a ligeireza corrente, professar princípios que seriam agentes de dissociação e de quebra da sua integridade — no fundo, a negação de si próprio, sem vantagens visíveis mais que para terceiros (porque há sempre neste mundo vário», observaria ele, «quem esteja disposto a colher os frutos das tolas filosofias alheias)». Como lindamente se viu... Assim, a União Soviética foi a grande contemplada!
Spínola e adventícios: os tontinhos utilíssimos do costume...
Esta a moral da História.
Revertendo entretanto ao ano-chave de 1950, avisadamente lembremos aqui o dia em que Salazar entende, e muito bem, que é chegado para ele o momento de advertir, entre outras coisas de validade universal, que bem «melhor iria o Mundo se (...) apreciasse com justiça o processo histórico da colonização que, em virtude de circunstâncias especiais ou vocação assinalada, faz parte integrante da vida e missão de algumas nações. Isso seria mais meritório do que empenhar-se em dividir ou anemizar soberanias, que tudo são processos de enfraquecer pontos de apoio do “(mesmo)” Mundo». E rematava: «Ao fazermos o nosso exame de consciência — nós velho povo colonizador, com mais humanitarismo prático que o que escorre do idealismo de alguns cenáculos (...) — temos a orgulhosa sinceridade de nos ufanar (...) e de concluir que, mesmo quando precisemos de ajudas, podemos dispensar tutelas».
Oxalá pudéssemos nós dizer o mesmo a estas horas!
Finalmente, e já em pleno 61, tem o mesmo Salazar este imparável desabafo, quando exclama: «Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse (...) distinguir melhor a colonização do colonialismo — a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico, que se dá, dá, e se não dá, se larga». E logo de caminho adiantava, com impressionante justeza, que: «referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».
Só que a perspectiva portuguesa obedecia, de facto, a uma diferente angulação e por bem mais nobres razões de fundo era animada.
Rodrigo Emílio
(In A Rua, n.º 59, pág. 10, 19.05.1977)
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António de Oliveira Salazar
A 27 de Julho de 1970, faz agora 35 anos, morreu o Presidente Salazar.
Fiel à memória do maior estadista português dos últimos séculos, este blogue republica alguns depoimentos que à data foram publicados, evocando a figura e a obra do extraordinário Homem de Estado.
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Fiel à memória do maior estadista português dos últimos séculos, este blogue republica alguns depoimentos que à data foram publicados, evocando a figura e a obra do extraordinário Homem de Estado.
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FIDELIDADE
1. Morreu Salazar. Morreu o estadista de génio que durante 40 anos se entregou totalmente ao serviço da Pátria — ao seu progresso, ao seu prestígio, à sua inquebrantável defesa. Morreu o sociólogo, e o pensador que criou uma doutrina, que primou pela verdade dos axiomas, pela clareza das ideias, pela profundidade e extensão das coordenadas e pela universalidade e actividade dos conceitos. Morreu o professor que ensinou em Coimbra e formou élites e fez da sua cadeira do Poder em S. Bento uma constante cátedra de onde foram dadas lições extraordinárias de direito e de filosofia políticas e, sobretudo, de portugalidade e da arte de bem governar e de bem servir. Morreu o homem íntegro, isento e probo, que tudo sacrificou ao cumprimento do seu dever e a uma concepção escolástica da vida.
2. Ainda sob o império da emoção e na actualidade dos factos que ilustram um governo e uma vida, não é possível fazer um juízo sereno e isento — pelo menos que seja assim entendido — do estadista, do sociólogo, do professor e do homem que foi Salazar.
Mas penso que, por evidente, não é difícil nem apaixonado ligar o nome de Salazar, desde já e definitivamente, a três factos incontestáveis: a estabilização financeira; o prestígio do Estado; a defesa do Ultramar.
Sobre a obra financeira escreveu Marcello Caetano, em 1933: «A obra financeira do Dr. Salazar é hoje em Portugal uma realidade irrecusável. Negá-la é negar a evidência. Só a cegueira voluntária a não descortina. Só a mesquinhez de espírito a não sente e dela se não orgulha. Se Portugal se redime e exalta — deve-o ao trabalho obscuro e lento daquele cujos primeiros anos de governo passaram entre dificuldades incalculáveis na luta contra a desordem financeira que se tornara constitucional. Venceu-se a luta. E a vitória, aparentemente restrita ao domínio puramente técnico, — simples subjugação aos algarismos — revelou-se afinal o ponto de um povo...».
O prestígio do Estado resultou de uma profunda reforma de estruturas, desde a raiz ao cume, cujas linhas mestras constam da Constituição de 1933, que constitui documento ímpar de lucidez e de realismo políticos, com a semi-rigidez suficiente para resistir — como já resistiu e há-de resistir ainda no futuro — às contingências do tempo e à instabilidade dos homens.
A síntese da concepção do Estado, no pensamento de Salazar e que se reflectiu na Constituição e influiu em toda uma época, recheando-se de efectivar com outros princípios, está feita nestas palavras lapidares, extraídas do discurso pronunciado na sala do Conselho de Estado, em 30.07.1930: «Na crise de autoridade que o Estado atravessa, dar-lhe autoridade e força para que mantenha imperturbável a ordem sem a qual nenhuma sociedade pode manter-se e prosperar; organizar os poderes e funções do Estado de forma que se exerçam normalmente, sem atropelo ou sem subversões; não coartar ao Estado a livre expansão das actividades que se movem e actuam no seu seio, senão no que seja reclamado pelas necessidades de harmonia e coexistência social; definir os direitos e garantias dos indivíduos e das colectividades e estabelecê-los e defendê-los de tal modo que o Estado os não possa desconhecer e os cidadãos os não violem impunemente — isto é liberdade.
Arrancar o poder às clientelas partidárias; sobrepor a todos os interesses o interesse de todos — o interesse nacional; tornar o Estado inacessível à conquista de minorias audaciosas, mas mantê-lo em permanente contacto com as necessidades e aspirações do País; organizar a Nação, de alto a baixo, com as diferentes manifestações da vida colectiva, desde a família aos corpos administrativos e às corporações morais e económicas, e integrar este todo no Estado, que será assim a sua expressão viva — isto é dar realidade à soberania nacional.
Ter bem presente no espírito que os homens vivem em condições diferentes e que esse facto se opõe, por vezes, a que seja uma realidade a sua igualdade jurídica; proteger o Estado de preferência aos pobres e aos fracos; fomentar a riqueza geral para que a todos caiba ao menos o necessário; multiplicar as instituições de assistência e de educação que ajudem a elevar as massas populares à cultura, ao bem-estar, às altas situações da Nação e do Estado; manter não só abertos, mas acessíveis, todos os quadros à ascensão livre dos melhores valores sociais — isto é amar o povo, e se a democracia pode ainda ter um bom sentido, isto é ser pela democracia».
Em 1930, Salazar previu e realizou, assim, uma perspectiva moderna do Estado, forte e social, que hoje se aceita por quase toda a parte como a mais própria para realizar o bem comum da polis que é, afinal o fim último e rentável da política.
A defesa do Ultramar resultou de um imperativo de ordem histórica e constitucional mas, acima de tudo, de um acto de lucidez e de inteligência.
Explica-o o próprio Salazar, em 13.04.1966, ao dirigir-se aos representantes de Angola, nestas significativas palavras: «Quisera relembrar uma simples frase proferida de Lisboa, em igual dia de há cinco anos, em momento trágico da nossa vida em Angola por cuja defesa o Governo entendeu ser imperioso lutar rapidamente e em força. Estas duas estavam longe de ser mera expressão literária: traduzindo na verdade uma política, elas eram, antes de tudo, uma séria decisão de Governo. Tal decisão não nasceu de revolta sentimental: era fruto de reflexão longamente amadurecida que nos englobava a nós e a todos os povos de África».
Essa política — aberta a todas as soluções que não colidissem com a unidade nacional — é, em síntese, a política de integrar todos os territórios e povos em uma única comunidade, multirracial e pluricultural e de garantir, em todas as circunstâncias, a sua evolução natural e pacífica, de administrar bem os territórios e de promover a sua máxima expansão; de defender os povos da barbárie do terrorismo e da alienação do neocolonialismo; de não admitir, de forma alguma, a interferência de terceiros nos seus negócios internos, no uso do direito de autodeterminação que nos assiste; de criar e de preservar as necessárias condições para que os povos realizem o seu destino com independência e para que os territórios progridam sem soluções de continuidade e sem hipotecas aviltantes; de constituirmos na África um exemplo de ordem, de sociedade hierarquicamente organizada, de prolongamento civilizacional da Europa e de descolonização que visa, acima de tudo, a paridade das etnias, a igualdade dos direitos e de oportunidades, a simbiose das culturas, a interdependência dos territórios e a complementaridade dos recursos e dos bens.
Essa política é a única política capaz de servir os reais interesses de Portugal, da Europa e da África.»
Continuá-la será, também, um acto de lucidez e de inteligência; é o maior dever que incumbe às gerações presentes e futuras e a mais efectiva homenagem que a Nação poderá prestar a Salazar que viveu e morreu com o pensamento sempre posto nas possibilidades imensas da Comunidade Lusíada — diversificada e desenvolvida mas sempre una e indivisível.
3. «Sou um homem independente. Sou, tanto quanto se pode ser, um homem livre. Pude esclarecer-me. Fui humano. Pude servir. Pude comparar. Gozo do raro privilégio do respeito geral».
São palavras ditas por Salazar quando pretendia provar que podia, «sem ambições, sem ódios, sem parcialidades, na pura serenidade do espírito que procura a Verdade e da consciência que busca o caminho da justiça», fazer um depoimento, «depoimento sincero e, se não convincente, ao menos vivido e desinteressado».
Foi um homem independente porque ganhou o Poder por mérito e não por influência de clientelas, de conspirações ou de votos. Foram convidá-lo a Coimbra onde ensinava Economia Política. Não aceitou, de início, mas acabou por ceder, depois de sua mãe lhe ter dito que não devia negar-se. Por isso, subiu as escadas do Ministério das Finanças, tornando delas a descer quando concluiu não estar ainda a administração pública livre e partidária. E só voltou ao ter a certeza da confiança da grei para reconstruir o país e edificar um Estado Novo.
Sendo independente foi também um homem livre. Livre para se dedicar ao cumprimento integral do dever; para pôr, acima de tudo, a Verdade; para exigir, primeiramente, de si o que gostaria de exigir aos outros; para renunciar aos prazeres e às honras da vida e para se sacrificar pelo bem comum.
Independente e livre, serviu com a plenitude das suas virtudes, da sua capacidade intelectual, da sua grandeza de alma e de intenções, da sua mente sólida e ponderada, da sua estrutura portuguesa e cristã, das suas atitudes, da sua simplicidade, do seu querer e do seu poder. Serviu com o clarividente e são pensamento que se transformou em actividade febril, plasmada em realizações medidas por horas de trabalho árduo e perseverante.
Serviu e a prová-lo fica uma obra que merece o reconhecimento e o aplauso de portugueses e de estrangeiros.
Tudo resultou da formação, do estudo e do esclarecimento que guardou do tempo em que viveu com seus pais; em que esteve no Seminário; em que permaneceu no Colégio da Via Sacra; em que foi aluno, Assistente e Catedrático da Universidade de Coimbra.
Formação, estudo e esclarecimentos processados à luz das certezas católicas e com uma vocação psico-analítica pouco comum que o habituou a distinguir o imutável do mutável, o permanente do efémero e o essencial do acessório.
Ser-se humano sob a soberania do espírito, é difícil, e além de ser difícil, é virtuoso pelo que impõe de humildade, de autodisciplina e de supremacia dos valores transcendentes. Assim foi Salazar que nasceu, cresceu e amadureceu em um ambiente de desordem e de dúvida; de tensão e de perigos permanentes; de demagogia e de ódios. Assistiu a revoluções, a quedas constantes de ministros, à substituição de regimes, a assassínios de Reis, de Príncipes e de Presidentes. Sentiu o brio nacional, a capacidade criadora dos portugueses, a própria sobrevivência de Portugal, ameaçados por incontroláveis paixões, pela hipoteca financeira, pela ruína económica, por divisões estéreis e pela anarquia generalizada.
O panorama actual é de paz nas ruas e nas consciências; de trabalho e de aproveitamento dos recursos; de finanças sólidas; de obediência à autoridade constituída; de hierarquia e de disciplina; de harmonia dos interesses; de consciência e de competência administrativas; de prestígio das instituições; de culto pelo passado e de respeito pela herança que nos legou.
Pôde, por isso, comparar e, ao mesmo tempo reivindicar para si, o mérito da mudança.
Por tudo, Salazar gozou do raro privilégio do respeito geral, àquem e além fronteiras. Mesmo os que se lhe opuseram e os que, por despeito ou ambição, o discutiram, reconhecem em público ou no silêncio das consciências, a probidade, a coragem e a coerência mantidas, sem quaisquer desalentos, por um estadista, um sociólogo, um professor e um homem, constantemente fiel à sua Pátria e a si mesmo.
L. F. de Oliveira e Castro
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 11)
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2. Ainda sob o império da emoção e na actualidade dos factos que ilustram um governo e uma vida, não é possível fazer um juízo sereno e isento — pelo menos que seja assim entendido — do estadista, do sociólogo, do professor e do homem que foi Salazar.
Mas penso que, por evidente, não é difícil nem apaixonado ligar o nome de Salazar, desde já e definitivamente, a três factos incontestáveis: a estabilização financeira; o prestígio do Estado; a defesa do Ultramar.
Sobre a obra financeira escreveu Marcello Caetano, em 1933: «A obra financeira do Dr. Salazar é hoje em Portugal uma realidade irrecusável. Negá-la é negar a evidência. Só a cegueira voluntária a não descortina. Só a mesquinhez de espírito a não sente e dela se não orgulha. Se Portugal se redime e exalta — deve-o ao trabalho obscuro e lento daquele cujos primeiros anos de governo passaram entre dificuldades incalculáveis na luta contra a desordem financeira que se tornara constitucional. Venceu-se a luta. E a vitória, aparentemente restrita ao domínio puramente técnico, — simples subjugação aos algarismos — revelou-se afinal o ponto de um povo...».
O prestígio do Estado resultou de uma profunda reforma de estruturas, desde a raiz ao cume, cujas linhas mestras constam da Constituição de 1933, que constitui documento ímpar de lucidez e de realismo políticos, com a semi-rigidez suficiente para resistir — como já resistiu e há-de resistir ainda no futuro — às contingências do tempo e à instabilidade dos homens.
A síntese da concepção do Estado, no pensamento de Salazar e que se reflectiu na Constituição e influiu em toda uma época, recheando-se de efectivar com outros princípios, está feita nestas palavras lapidares, extraídas do discurso pronunciado na sala do Conselho de Estado, em 30.07.1930: «Na crise de autoridade que o Estado atravessa, dar-lhe autoridade e força para que mantenha imperturbável a ordem sem a qual nenhuma sociedade pode manter-se e prosperar; organizar os poderes e funções do Estado de forma que se exerçam normalmente, sem atropelo ou sem subversões; não coartar ao Estado a livre expansão das actividades que se movem e actuam no seu seio, senão no que seja reclamado pelas necessidades de harmonia e coexistência social; definir os direitos e garantias dos indivíduos e das colectividades e estabelecê-los e defendê-los de tal modo que o Estado os não possa desconhecer e os cidadãos os não violem impunemente — isto é liberdade.
Arrancar o poder às clientelas partidárias; sobrepor a todos os interesses o interesse de todos — o interesse nacional; tornar o Estado inacessível à conquista de minorias audaciosas, mas mantê-lo em permanente contacto com as necessidades e aspirações do País; organizar a Nação, de alto a baixo, com as diferentes manifestações da vida colectiva, desde a família aos corpos administrativos e às corporações morais e económicas, e integrar este todo no Estado, que será assim a sua expressão viva — isto é dar realidade à soberania nacional.
Ter bem presente no espírito que os homens vivem em condições diferentes e que esse facto se opõe, por vezes, a que seja uma realidade a sua igualdade jurídica; proteger o Estado de preferência aos pobres e aos fracos; fomentar a riqueza geral para que a todos caiba ao menos o necessário; multiplicar as instituições de assistência e de educação que ajudem a elevar as massas populares à cultura, ao bem-estar, às altas situações da Nação e do Estado; manter não só abertos, mas acessíveis, todos os quadros à ascensão livre dos melhores valores sociais — isto é amar o povo, e se a democracia pode ainda ter um bom sentido, isto é ser pela democracia».
Em 1930, Salazar previu e realizou, assim, uma perspectiva moderna do Estado, forte e social, que hoje se aceita por quase toda a parte como a mais própria para realizar o bem comum da polis que é, afinal o fim último e rentável da política.
A defesa do Ultramar resultou de um imperativo de ordem histórica e constitucional mas, acima de tudo, de um acto de lucidez e de inteligência.
Explica-o o próprio Salazar, em 13.04.1966, ao dirigir-se aos representantes de Angola, nestas significativas palavras: «Quisera relembrar uma simples frase proferida de Lisboa, em igual dia de há cinco anos, em momento trágico da nossa vida em Angola por cuja defesa o Governo entendeu ser imperioso lutar rapidamente e em força. Estas duas estavam longe de ser mera expressão literária: traduzindo na verdade uma política, elas eram, antes de tudo, uma séria decisão de Governo. Tal decisão não nasceu de revolta sentimental: era fruto de reflexão longamente amadurecida que nos englobava a nós e a todos os povos de África».
Essa política — aberta a todas as soluções que não colidissem com a unidade nacional — é, em síntese, a política de integrar todos os territórios e povos em uma única comunidade, multirracial e pluricultural e de garantir, em todas as circunstâncias, a sua evolução natural e pacífica, de administrar bem os territórios e de promover a sua máxima expansão; de defender os povos da barbárie do terrorismo e da alienação do neocolonialismo; de não admitir, de forma alguma, a interferência de terceiros nos seus negócios internos, no uso do direito de autodeterminação que nos assiste; de criar e de preservar as necessárias condições para que os povos realizem o seu destino com independência e para que os territórios progridam sem soluções de continuidade e sem hipotecas aviltantes; de constituirmos na África um exemplo de ordem, de sociedade hierarquicamente organizada, de prolongamento civilizacional da Europa e de descolonização que visa, acima de tudo, a paridade das etnias, a igualdade dos direitos e de oportunidades, a simbiose das culturas, a interdependência dos territórios e a complementaridade dos recursos e dos bens.
Essa política é a única política capaz de servir os reais interesses de Portugal, da Europa e da África.»
Continuá-la será, também, um acto de lucidez e de inteligência; é o maior dever que incumbe às gerações presentes e futuras e a mais efectiva homenagem que a Nação poderá prestar a Salazar que viveu e morreu com o pensamento sempre posto nas possibilidades imensas da Comunidade Lusíada — diversificada e desenvolvida mas sempre una e indivisível.
3. «Sou um homem independente. Sou, tanto quanto se pode ser, um homem livre. Pude esclarecer-me. Fui humano. Pude servir. Pude comparar. Gozo do raro privilégio do respeito geral».
São palavras ditas por Salazar quando pretendia provar que podia, «sem ambições, sem ódios, sem parcialidades, na pura serenidade do espírito que procura a Verdade e da consciência que busca o caminho da justiça», fazer um depoimento, «depoimento sincero e, se não convincente, ao menos vivido e desinteressado».
Foi um homem independente porque ganhou o Poder por mérito e não por influência de clientelas, de conspirações ou de votos. Foram convidá-lo a Coimbra onde ensinava Economia Política. Não aceitou, de início, mas acabou por ceder, depois de sua mãe lhe ter dito que não devia negar-se. Por isso, subiu as escadas do Ministério das Finanças, tornando delas a descer quando concluiu não estar ainda a administração pública livre e partidária. E só voltou ao ter a certeza da confiança da grei para reconstruir o país e edificar um Estado Novo.
Sendo independente foi também um homem livre. Livre para se dedicar ao cumprimento integral do dever; para pôr, acima de tudo, a Verdade; para exigir, primeiramente, de si o que gostaria de exigir aos outros; para renunciar aos prazeres e às honras da vida e para se sacrificar pelo bem comum.
Independente e livre, serviu com a plenitude das suas virtudes, da sua capacidade intelectual, da sua grandeza de alma e de intenções, da sua mente sólida e ponderada, da sua estrutura portuguesa e cristã, das suas atitudes, da sua simplicidade, do seu querer e do seu poder. Serviu com o clarividente e são pensamento que se transformou em actividade febril, plasmada em realizações medidas por horas de trabalho árduo e perseverante.
Serviu e a prová-lo fica uma obra que merece o reconhecimento e o aplauso de portugueses e de estrangeiros.
Tudo resultou da formação, do estudo e do esclarecimento que guardou do tempo em que viveu com seus pais; em que esteve no Seminário; em que permaneceu no Colégio da Via Sacra; em que foi aluno, Assistente e Catedrático da Universidade de Coimbra.
Formação, estudo e esclarecimentos processados à luz das certezas católicas e com uma vocação psico-analítica pouco comum que o habituou a distinguir o imutável do mutável, o permanente do efémero e o essencial do acessório.
Ser-se humano sob a soberania do espírito, é difícil, e além de ser difícil, é virtuoso pelo que impõe de humildade, de autodisciplina e de supremacia dos valores transcendentes. Assim foi Salazar que nasceu, cresceu e amadureceu em um ambiente de desordem e de dúvida; de tensão e de perigos permanentes; de demagogia e de ódios. Assistiu a revoluções, a quedas constantes de ministros, à substituição de regimes, a assassínios de Reis, de Príncipes e de Presidentes. Sentiu o brio nacional, a capacidade criadora dos portugueses, a própria sobrevivência de Portugal, ameaçados por incontroláveis paixões, pela hipoteca financeira, pela ruína económica, por divisões estéreis e pela anarquia generalizada.
O panorama actual é de paz nas ruas e nas consciências; de trabalho e de aproveitamento dos recursos; de finanças sólidas; de obediência à autoridade constituída; de hierarquia e de disciplina; de harmonia dos interesses; de consciência e de competência administrativas; de prestígio das instituições; de culto pelo passado e de respeito pela herança que nos legou.
Pôde, por isso, comparar e, ao mesmo tempo reivindicar para si, o mérito da mudança.
Por tudo, Salazar gozou do raro privilégio do respeito geral, àquem e além fronteiras. Mesmo os que se lhe opuseram e os que, por despeito ou ambição, o discutiram, reconhecem em público ou no silêncio das consciências, a probidade, a coragem e a coerência mantidas, sem quaisquer desalentos, por um estadista, um sociólogo, um professor e um homem, constantemente fiel à sua Pátria e a si mesmo.
L. F. de Oliveira e Castro
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 11)
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O HOMEM QUE NASCEU DA SUA PÁTRIA
Este espantoso homem do Vimieiro era um universalista e assim sendo pôde nas suas raízes mais fundas achar as virtudes admiráveis que vinham de longe e estavam adormecidas há tantos anos pelos narcóticos do caos e da desordem.
Nesse nosso Ocidente estava, com a paciência de um beneditino, nascendo e superando-se em si mesmo, um Homem...
Mas à sua volta era tudo silêncio, e ele vivia, soberbo e humilde, um futuro que haveria de encontrá-lo.
Estava preparando o milagre de acordo com o tempo, a pertinácia e a devoção como quem se escuta e sonda.
Era o alquimista e o monge nele a decantar o seu espírito, a preparar a sua vontade e a aperfeiçoar os seus dons.
Estava preparando a sua alma até à perfeição com a coragem dum herói e o recolhimento dum místico.
Quando o encontraram pelo esoterismo, a mais funda razão da existência desta Pátria, ele já estava perfeito, e o sublime sabia-o. Chegou então, e pelo princípio, certo, seguro, de certo modo endeusado, não por ele, mas por esses deuses que o conheciam bem, e por sua Alma ficaram nele, ficou Ele.
Que ele é já o seu próprio futuro, e a sua morte o aparecimento em plenitude dessa vida.
Com a aparição da sua sombra aconteceu que a luz a havê-lo se tornou mais clara e própria.
E o filtro que ele decantou decanta-o esse filtro que a Nação guarda para os seus eleitos.
Essa a razão e o segredo da sua luz ser agora mais cintilante e límpida, mais serena, mais particular e mais integrada.
Esse, este espantoso Homem do Vimieiro, foi desse jeito um universalista, cumprindo Portugal, a terra que o deu, e as naus e as velas que já o conheciam quando tentaram no mar o sonho de um Império a haver. Nascente por messianismo? Longínquo é o saber das coisas; distante é a verdade, e tudo isso faz o imenso, é tudo isso exactamente que o faz e torna esta nossa elegia grandiosa para o drama que a espera e há-de ser vencido até ao fundo. Sejamos pois cada vez mais nossos e da nossa verdade, que ela se encontrará o seu imenso para nos oferecer.
Tão poucos, assim tão poucos, mas que sonho os ampliava e tornava enormes, multiplicando-os em longe e aventura meditada? Era o esoterismo nacional, era o oculto ser esplendor e Luz? Eram suas carnes místicas com Espírito de missão subjacente a cumprir-se? Era a profecia a encontrar-se e a dar-se-lhe, a dá-los a eles mesmos, e a destinos assim, maiores que eles. Por isso iguais à sua raiz de origem, equivalendo-a...
É sempre, foi sempre uma espécie de epopeia secreta e oculta a insinuar-se como se, o que somos, antes estudasse a sua aparição e a realizasse.
Esse mais para além das Descobertas descobriu também com o mesmo sentido sibilino, a este Homem. Já pertencia ele à alma dos homens das naus, já ia nas velas, já velava tempestades, já sentia nos olhos a euforia da visão de aves promissoras. Ele, deuses, já era uma epopeia, que nós, homens do nosso Ocidente, temos de cumprir embora a alma ranja como tábuas de naus às ondas conhecidas, mas violentas.
Temos de levar o que rasgou a noite a sagrar-se dia e plenitude. Temos de consagrar a elegia da espada no Espírito, no Espírito Santo, que é também D. Sebastião, esse que, dando-nos a provação, quis provar-nos capazes de redimi-la. Tudo certo, tudo exacto, tudo de acordo com o que nas almas ascensionais estava escrito na hora da sua Ascenção.
E, nele, nesse Homem, tudo se cumpriu — e assim pôde haver à mão o leme de El-Rei Dom João Segundo que do Infante o herdara e transmitia...
Temo-lo hoje integrado no nosso Destino — cumpra-se pois o Espírito de missão e a sua força!...
Assim é que este homem do Vimieiro, iluminado, retábulo dele mesmo, com Portugal dentro dos olhos, e a entregar-lhe um futuro, foi um nacional-ecumenista. Foi, é e será!
A grande história humana prolongou sempre a vida dos criadores nos seus passos mais significativos. Portugal prolongou Portugal sempre — porque os seus Reis cumpriram indeclinavelmente essa verdade, não só na plenitude do que em sua alma estava escrito, mas sobretudo em tudo quanto nos seus homens de Estado foi a compreensão perfeita desse legado histórico que não poderia ser falseado pela razão simples de ter de ser continuado e cumprido. Era um Espírito de Missão que sacralmente, diga-se, não poderia ser poroso a tradições.
As grandes linhas mestras eram e hão-de ser, uma razão tão indiscutível que por ela o sangue português se tornou ímpar e Seu, com elas mesmas se identificando até sagrar-se Espírito Lusíada e sangue da própria Nação... Estes, a Ocidente, o nosso, consagrando a elegia da espada!!!...
António de Navarro
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 12)
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Nesse nosso Ocidente estava, com a paciência de um beneditino, nascendo e superando-se em si mesmo, um Homem...
Mas à sua volta era tudo silêncio, e ele vivia, soberbo e humilde, um futuro que haveria de encontrá-lo.
Estava preparando o milagre de acordo com o tempo, a pertinácia e a devoção como quem se escuta e sonda.
Era o alquimista e o monge nele a decantar o seu espírito, a preparar a sua vontade e a aperfeiçoar os seus dons.
Estava preparando a sua alma até à perfeição com a coragem dum herói e o recolhimento dum místico.
Quando o encontraram pelo esoterismo, a mais funda razão da existência desta Pátria, ele já estava perfeito, e o sublime sabia-o. Chegou então, e pelo princípio, certo, seguro, de certo modo endeusado, não por ele, mas por esses deuses que o conheciam bem, e por sua Alma ficaram nele, ficou Ele.
Que ele é já o seu próprio futuro, e a sua morte o aparecimento em plenitude dessa vida.
Com a aparição da sua sombra aconteceu que a luz a havê-lo se tornou mais clara e própria.
E o filtro que ele decantou decanta-o esse filtro que a Nação guarda para os seus eleitos.
Essa a razão e o segredo da sua luz ser agora mais cintilante e límpida, mais serena, mais particular e mais integrada.
Esse, este espantoso Homem do Vimieiro, foi desse jeito um universalista, cumprindo Portugal, a terra que o deu, e as naus e as velas que já o conheciam quando tentaram no mar o sonho de um Império a haver. Nascente por messianismo? Longínquo é o saber das coisas; distante é a verdade, e tudo isso faz o imenso, é tudo isso exactamente que o faz e torna esta nossa elegia grandiosa para o drama que a espera e há-de ser vencido até ao fundo. Sejamos pois cada vez mais nossos e da nossa verdade, que ela se encontrará o seu imenso para nos oferecer.
Tão poucos, assim tão poucos, mas que sonho os ampliava e tornava enormes, multiplicando-os em longe e aventura meditada? Era o esoterismo nacional, era o oculto ser esplendor e Luz? Eram suas carnes místicas com Espírito de missão subjacente a cumprir-se? Era a profecia a encontrar-se e a dar-se-lhe, a dá-los a eles mesmos, e a destinos assim, maiores que eles. Por isso iguais à sua raiz de origem, equivalendo-a...
É sempre, foi sempre uma espécie de epopeia secreta e oculta a insinuar-se como se, o que somos, antes estudasse a sua aparição e a realizasse.
Esse mais para além das Descobertas descobriu também com o mesmo sentido sibilino, a este Homem. Já pertencia ele à alma dos homens das naus, já ia nas velas, já velava tempestades, já sentia nos olhos a euforia da visão de aves promissoras. Ele, deuses, já era uma epopeia, que nós, homens do nosso Ocidente, temos de cumprir embora a alma ranja como tábuas de naus às ondas conhecidas, mas violentas.
Temos de levar o que rasgou a noite a sagrar-se dia e plenitude. Temos de consagrar a elegia da espada no Espírito, no Espírito Santo, que é também D. Sebastião, esse que, dando-nos a provação, quis provar-nos capazes de redimi-la. Tudo certo, tudo exacto, tudo de acordo com o que nas almas ascensionais estava escrito na hora da sua Ascenção.
E, nele, nesse Homem, tudo se cumpriu — e assim pôde haver à mão o leme de El-Rei Dom João Segundo que do Infante o herdara e transmitia...
Temo-lo hoje integrado no nosso Destino — cumpra-se pois o Espírito de missão e a sua força!...
Assim é que este homem do Vimieiro, iluminado, retábulo dele mesmo, com Portugal dentro dos olhos, e a entregar-lhe um futuro, foi um nacional-ecumenista. Foi, é e será!
A grande história humana prolongou sempre a vida dos criadores nos seus passos mais significativos. Portugal prolongou Portugal sempre — porque os seus Reis cumpriram indeclinavelmente essa verdade, não só na plenitude do que em sua alma estava escrito, mas sobretudo em tudo quanto nos seus homens de Estado foi a compreensão perfeita desse legado histórico que não poderia ser falseado pela razão simples de ter de ser continuado e cumprido. Era um Espírito de Missão que sacralmente, diga-se, não poderia ser poroso a tradições.
As grandes linhas mestras eram e hão-de ser, uma razão tão indiscutível que por ela o sangue português se tornou ímpar e Seu, com elas mesmas se identificando até sagrar-se Espírito Lusíada e sangue da própria Nação... Estes, a Ocidente, o nosso, consagrando a elegia da espada!!!...
António de Navarro
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 12)
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UM HOMEM DE DEUS
Salazar é, para os homens da minha geração, a primeira figura deste tempo. A sua geração — a de 1915 —, é a de Fernando Pessoa que nasceu em 1888, é a do Sardinha nascido na mesma altura, é a do Pimenta, vindo ao mundo em 1882. Em 83 nasceu António Sérgio; em 84 Jaime Cortesão; Sousa Cardoso nasceu em 1887, o Sá-Carneiro em 1890 como o Luís de Freitas Branco; o Almada nasceu em S. Tomé em 1893; o Prof. Cerejeira viu a luz em Lousada em 1888; Salazar nasceu no Vimieiro em 1889. Foram homens, todos eles, que receberam na face, adolescentes, como um estigma, o assassínio d`El-Rei D. Carlos, e se escaparam, por aí, da influência romântica e anárquica do mais extremo demagogismo republicano, e aceitaram o 5 de Outubro como o princípio do fim, e assistiram, pávidos, à guerra de 14; e se fizeram o que foram entre 1910 e 1915. Os anos 20 seriam os da sua integral determinação. São a geração do sacrifício e do resgate. A nossa visão do mundo foram eles que a enformaram. Sem a sua presença, o Portugal de hoje seria uma sombra de si mesmo. Constituem a mais rica e mais forte geração de quantas, depois de quinhentos, deram espírito e independência a Portugal. Para lá do que os dividia. No que nos une a todos. Agora.
Num momento histórico, Salazar catalizou, em pleno conteúdo, o revolucionarismo pronunciado ou latente dos seus contemporâneos — e, pedra sobre pedra, com evangélica paciência, inamovível vontade, ordenou o caos: — deu forma e vida às ousadas esperanças, nacionalidade e baptismo aos loucos desejos. E, pelo deserto, durante quarenta anos, encaminhou o povo desencaminhado. Foi o Homem de Deus. Verdadeiramente foi Portugal tornado corpo e alma, na sucessão do tempo indefinido.
Havíamos de beber o cálix até às fezes, para regressarmos ao nosso destino. A Nação envolta em nevoeiro, dispersava-se, incerta e derradeira. Salazar instila-lhe de novo o desejo de querer — e a seu lado, oito lustros, recomeçamo-nos trabalhosamente, reimaginámo-nos como sonhámos ser, reencontrámo-nos pelos caminhos do deserto. E vencemos — já nada nem ninguém nos levará a glória — tragada foi a morte na vitória... Salazar permanece vivo na gente portuguesa, consumida pelos séculos e pelas lágrimas, o imperecível vencedor. Para além da Vida. Para além da Morte — pois certificou-nos do que fomos, somos e devemos ser, e uniu-nos com facho ardente de acção e vitalidade. Ressuscitou-nos, incorruptos, tal qual fomos, tempos idos. Onde está ó morte, o teu aguilhão? Louvado seja Deus!
A transcender a obra concreta, palpável, quase mesquinha, de possibilitar fazer este ou aquele prédio, lançar esta ou aquela ponte, mandar mais meninos à escola, há no fundo do seu pensamento político a prefiguração de um novo Portugal remoçado, renovado, ordenado, bem caiado e bem limpinho como um monte alentejano; sim, de Portugal estruturalmente novo que, embora subjacente em oito séculos de história, faltava teorizar, e começar do princípio, como se nunca tivesse havido. Somos constitucionalmente o que somos porque Salazar o descobriu em 33: — Pátria una nas cinco partes do mundo, impossível de vencer, ou desintegrar, ou dominar só aqui ou só além, unidade moral e política, país do futuro, formidável avanço sobre o tempo. A ideia latejou informe no espírito dos Reis: — em D. Manuel olhando a Índia, em D. João III, pensando o Brasil, em D. João IV, aconselhado a ir para lá para melhor resistir a Castela, em D. João VI que para lá foi com os instrumentos do Estado a continuar Portugal, Salazar, porém, constitucionalizou-a, figurou-a juridicamente — e agora obriga-nos a recomeçar, resacrificando tudo aos que vêm vindo. Que inquietação do fundo nos soergue? Esta: a de recomeçar a fazer Portugal aquém e além-mar, com o amor profundo de quem faz um filho, e frutifica a Terra, e a humedece em lágrimas, e a fortalece, regando-a com o próprio sangue.
Profundamente europeizados no nosso pensamento político pelas consequências diplomáticas da usurpação dos Áustrias, perdemos, a partir do século XVII, o sentimento da nossa originalidade. Tivemos de subir o Calvário e descer da Cruz para ressuscitar. A partir de Pombal, como servos, macaqueámos a Europa, transplantando para aqui os seus problemas sem Mar. Degradámo-nos indo contra a natureza geo-política, sempre na iminência de voltarmos a ser reabsorvidos por Castela, integrados e dissolvidos no grande espaço, tão bem definido topograficamente, que é a Península Ibérica.
Fomos como uma Nação inconsciente, condenada à sobrevivência, vegetando pobre na órbita dos interesses das grandes potências.
A nossa cultura política — era a cultura política europeia. Os estrangeirados da direita e da esquerda, dominaram-nos por inteiro — e durante trezentos anos, até Salazar, vivemos torpemente a descer, caricatura da Europa, instrumento estratégico das várias políticas que, em alternâncias, imperaram no velho continente, o covil das toupeiras do pensamento alexandrino de Napoleão, Bluteau, Azevedo Fortes, o dr. Jacob Sarmento, Ribeiro Sanches, D. Luís da Cunha, Alexandre Gusmão, o Padre Verney, os oratorianos contra a companhia de Jesus — foram todos eles uns europeizantes de raiz a precederem a hecatombe cultural novecentista, tradutores do inglês e do francês, mestres dogmáticos da desnacionalização política da Pátria que haveria de culminar no baixo-liberalismo de 1910, patamar da desgraça do povo perdido de si, cadáver ambulante que procria.
Fomos Império quando os outros nos transmitiram a ideia. Regressámos às origens no limiar da catástrofe, em 61, afastando todos os esquemas que, não entroncando na antiga e natural tradição, matriz da originalidade portuguesa, poderiam afastar-nos do destino histórico. O processo de reaportuguesamento dos costumes políticos, inicia-se em jurisprudência, já ideologicamente evoluído, com a Constituição e o Acto Colonial de 1933 de que é autor Salazar, começando então o desfazamento do Império, para se recomeçar a fazer a Nação.
O Império define-se historicamente como a hegemonia de uma estirpe sobre outra. É a consagração da desigualdade dos grupos e das comunidades regionais ou linguísticas; é a aceitação da pluralidade das nações no seio de uma única soberania; é, acima de tudo, a aceitação implícita de um princípio de desunião real, desintegrador em si mesmo, naturalmente circunstancial, congregação de interesses inconfundíveis e que se separam ao deixarem de se interessar entre si. Desde antes de Alexandre, que os sabemos a perecer — e, diante dos nossos olhos, vimos o tombar o Império Britânico, e o Império Francês, e o da Espanha, e o Império Germânico, outra vez a Alemanha dividida como se Bismark não tivesse sido.
A Nação, ao contrário, é uma unidade espiritual indesintegrável. Cimenta-a, juridicamente, a unidade política, mas sobrevive sem ela: — Goa é Portugal; sobrevive sem território até — é o caso exemplar da nação judaica. É muito mais que só o hábito de viver em comum, como queria Jacques Bainville; é, essencialmente, o hábito de sentir em comum, acordando a memória colectiva para os trabalhos do futuro. Grupo natural, comunidade perfeita, a derradeira expressão da família.
Rezando, o génio de Salazar redescobriu-nos hiantes de nós próprios, famintos de desejar poder querer. E deixa-nos agora a refazer Portugal, aquém e além-mar em África, revolução integral da nossa antiga fisionomia geo-política, do nosso instante carácter sociológico. Somos os mesmos, mas preparamo-nos para a transfiguração. Em nenhum outro momento da sua história, Portugal teve melhor consciência de si. É como se nos fundássemos de novo, a Nação a fazer a Raça, tal qual os tempos de Afonso. O conceito salazariano de uma Pátria una, disseminada pelos quatros cantos do mundo, unidade espiritual e política, mentalmente ordenada pela língua e pelo costume — multiracial e multireligiosa — é um conceito inédito no direito público português. É revolucionário porque, para se realizar, impõe um homem novo numa sociedade nova. Etnicamente, fundamenta-se na prática amorosa que gerou o Brasil; politicamente, firma-se na experiência de D. João VI, rei de Portugal na América; sentimentalmente ressalta das profundezas do nosso ser biológico, amantes das mais belas e melhores mulheres do mundo, dando-nos e recebendo-as em frutificador abraço.
Nação mestiça somos. Realização do puro amor do próximo. Encarnando-nos, só e sem família, foi este beirão adusto que nos reencaminhou pelos caminhos do deserto. Deixa-nos purificados, com a sua herança no sangue, senhores do destino.
Viveu enquanto quis. Viverá para sempre na alma da gente portuguesa enquanto permanecermos fiéis ao seu genial pensamento político. Os médicos sustentaram-no dois anos; havemos nós de o sustentar séculos fora, não cedendo um milímetro, os dentes bem cerrados, os pés bem fincados na nossa Terra, os olhos bem fixos no nosso Céu, Portugal nas mãos. Roemos-lhe a carne e os ossos — devemos-lhe o Futuro.
Dai-lhe Senhor, o eterno descanso e brilhe para ele o esplendor da luz eterna. O justo será de eterna memória, e não terá a temer o mau renome.
Mas permiti, Senhor, que sejamos firmes, e fiéis, e fortes de ânimo, e continentes de espírito. Para vos servir! E sermos dignos dele! E continuarmos Portugal!
Manuel Maria Múrias
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 6)
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Num momento histórico, Salazar catalizou, em pleno conteúdo, o revolucionarismo pronunciado ou latente dos seus contemporâneos — e, pedra sobre pedra, com evangélica paciência, inamovível vontade, ordenou o caos: — deu forma e vida às ousadas esperanças, nacionalidade e baptismo aos loucos desejos. E, pelo deserto, durante quarenta anos, encaminhou o povo desencaminhado. Foi o Homem de Deus. Verdadeiramente foi Portugal tornado corpo e alma, na sucessão do tempo indefinido.
Havíamos de beber o cálix até às fezes, para regressarmos ao nosso destino. A Nação envolta em nevoeiro, dispersava-se, incerta e derradeira. Salazar instila-lhe de novo o desejo de querer — e a seu lado, oito lustros, recomeçamo-nos trabalhosamente, reimaginámo-nos como sonhámos ser, reencontrámo-nos pelos caminhos do deserto. E vencemos — já nada nem ninguém nos levará a glória — tragada foi a morte na vitória... Salazar permanece vivo na gente portuguesa, consumida pelos séculos e pelas lágrimas, o imperecível vencedor. Para além da Vida. Para além da Morte — pois certificou-nos do que fomos, somos e devemos ser, e uniu-nos com facho ardente de acção e vitalidade. Ressuscitou-nos, incorruptos, tal qual fomos, tempos idos. Onde está ó morte, o teu aguilhão? Louvado seja Deus!
A transcender a obra concreta, palpável, quase mesquinha, de possibilitar fazer este ou aquele prédio, lançar esta ou aquela ponte, mandar mais meninos à escola, há no fundo do seu pensamento político a prefiguração de um novo Portugal remoçado, renovado, ordenado, bem caiado e bem limpinho como um monte alentejano; sim, de Portugal estruturalmente novo que, embora subjacente em oito séculos de história, faltava teorizar, e começar do princípio, como se nunca tivesse havido. Somos constitucionalmente o que somos porque Salazar o descobriu em 33: — Pátria una nas cinco partes do mundo, impossível de vencer, ou desintegrar, ou dominar só aqui ou só além, unidade moral e política, país do futuro, formidável avanço sobre o tempo. A ideia latejou informe no espírito dos Reis: — em D. Manuel olhando a Índia, em D. João III, pensando o Brasil, em D. João IV, aconselhado a ir para lá para melhor resistir a Castela, em D. João VI que para lá foi com os instrumentos do Estado a continuar Portugal, Salazar, porém, constitucionalizou-a, figurou-a juridicamente — e agora obriga-nos a recomeçar, resacrificando tudo aos que vêm vindo. Que inquietação do fundo nos soergue? Esta: a de recomeçar a fazer Portugal aquém e além-mar, com o amor profundo de quem faz um filho, e frutifica a Terra, e a humedece em lágrimas, e a fortalece, regando-a com o próprio sangue.
Profundamente europeizados no nosso pensamento político pelas consequências diplomáticas da usurpação dos Áustrias, perdemos, a partir do século XVII, o sentimento da nossa originalidade. Tivemos de subir o Calvário e descer da Cruz para ressuscitar. A partir de Pombal, como servos, macaqueámos a Europa, transplantando para aqui os seus problemas sem Mar. Degradámo-nos indo contra a natureza geo-política, sempre na iminência de voltarmos a ser reabsorvidos por Castela, integrados e dissolvidos no grande espaço, tão bem definido topograficamente, que é a Península Ibérica.
Fomos como uma Nação inconsciente, condenada à sobrevivência, vegetando pobre na órbita dos interesses das grandes potências.
A nossa cultura política — era a cultura política europeia. Os estrangeirados da direita e da esquerda, dominaram-nos por inteiro — e durante trezentos anos, até Salazar, vivemos torpemente a descer, caricatura da Europa, instrumento estratégico das várias políticas que, em alternâncias, imperaram no velho continente, o covil das toupeiras do pensamento alexandrino de Napoleão, Bluteau, Azevedo Fortes, o dr. Jacob Sarmento, Ribeiro Sanches, D. Luís da Cunha, Alexandre Gusmão, o Padre Verney, os oratorianos contra a companhia de Jesus — foram todos eles uns europeizantes de raiz a precederem a hecatombe cultural novecentista, tradutores do inglês e do francês, mestres dogmáticos da desnacionalização política da Pátria que haveria de culminar no baixo-liberalismo de 1910, patamar da desgraça do povo perdido de si, cadáver ambulante que procria.
Fomos Império quando os outros nos transmitiram a ideia. Regressámos às origens no limiar da catástrofe, em 61, afastando todos os esquemas que, não entroncando na antiga e natural tradição, matriz da originalidade portuguesa, poderiam afastar-nos do destino histórico. O processo de reaportuguesamento dos costumes políticos, inicia-se em jurisprudência, já ideologicamente evoluído, com a Constituição e o Acto Colonial de 1933 de que é autor Salazar, começando então o desfazamento do Império, para se recomeçar a fazer a Nação.
O Império define-se historicamente como a hegemonia de uma estirpe sobre outra. É a consagração da desigualdade dos grupos e das comunidades regionais ou linguísticas; é a aceitação da pluralidade das nações no seio de uma única soberania; é, acima de tudo, a aceitação implícita de um princípio de desunião real, desintegrador em si mesmo, naturalmente circunstancial, congregação de interesses inconfundíveis e que se separam ao deixarem de se interessar entre si. Desde antes de Alexandre, que os sabemos a perecer — e, diante dos nossos olhos, vimos o tombar o Império Britânico, e o Império Francês, e o da Espanha, e o Império Germânico, outra vez a Alemanha dividida como se Bismark não tivesse sido.
A Nação, ao contrário, é uma unidade espiritual indesintegrável. Cimenta-a, juridicamente, a unidade política, mas sobrevive sem ela: — Goa é Portugal; sobrevive sem território até — é o caso exemplar da nação judaica. É muito mais que só o hábito de viver em comum, como queria Jacques Bainville; é, essencialmente, o hábito de sentir em comum, acordando a memória colectiva para os trabalhos do futuro. Grupo natural, comunidade perfeita, a derradeira expressão da família.
Rezando, o génio de Salazar redescobriu-nos hiantes de nós próprios, famintos de desejar poder querer. E deixa-nos agora a refazer Portugal, aquém e além-mar em África, revolução integral da nossa antiga fisionomia geo-política, do nosso instante carácter sociológico. Somos os mesmos, mas preparamo-nos para a transfiguração. Em nenhum outro momento da sua história, Portugal teve melhor consciência de si. É como se nos fundássemos de novo, a Nação a fazer a Raça, tal qual os tempos de Afonso. O conceito salazariano de uma Pátria una, disseminada pelos quatros cantos do mundo, unidade espiritual e política, mentalmente ordenada pela língua e pelo costume — multiracial e multireligiosa — é um conceito inédito no direito público português. É revolucionário porque, para se realizar, impõe um homem novo numa sociedade nova. Etnicamente, fundamenta-se na prática amorosa que gerou o Brasil; politicamente, firma-se na experiência de D. João VI, rei de Portugal na América; sentimentalmente ressalta das profundezas do nosso ser biológico, amantes das mais belas e melhores mulheres do mundo, dando-nos e recebendo-as em frutificador abraço.
Nação mestiça somos. Realização do puro amor do próximo. Encarnando-nos, só e sem família, foi este beirão adusto que nos reencaminhou pelos caminhos do deserto. Deixa-nos purificados, com a sua herança no sangue, senhores do destino.
Viveu enquanto quis. Viverá para sempre na alma da gente portuguesa enquanto permanecermos fiéis ao seu genial pensamento político. Os médicos sustentaram-no dois anos; havemos nós de o sustentar séculos fora, não cedendo um milímetro, os dentes bem cerrados, os pés bem fincados na nossa Terra, os olhos bem fixos no nosso Céu, Portugal nas mãos. Roemos-lhe a carne e os ossos — devemos-lhe o Futuro.
Dai-lhe Senhor, o eterno descanso e brilhe para ele o esplendor da luz eterna. O justo será de eterna memória, e não terá a temer o mau renome.
Mas permiti, Senhor, que sejamos firmes, e fiéis, e fortes de ânimo, e continentes de espírito. Para vos servir! E sermos dignos dele! E continuarmos Portugal!
Manuel Maria Múrias
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 6)
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Rodrigo Emílio entre nós
"Para todos os que lhe sentem a falta, tenho um conselho: leiam-no!" - disse o José Campos e Sousa.
Neste momento podemos ir mais longe e dizer: leiam-no, ouçam-no e conheçam-no.
Está tudo no RodrigoEmilio.com
Uma belíssima realidade na internet nacional.
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Neste momento podemos ir mais longe e dizer: leiam-no, ouçam-no e conheçam-no.
Está tudo no RodrigoEmilio.com
Uma belíssima realidade na internet nacional.
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segunda-feira, julho 25, 2005
Alfredo Pimenta - O Doutrinador Político
Há exactamente quatorze anos — a 3 de Dezembro de 1935 — quando do aparecimento dos "Novos Estudos Filosóficos e Críticos", escrevia eu, no "Diário da Manhã", a propósito do seu autor:
« — Quantas vezes nós, que de perto acompanhamos o labor formidável de Alfredo Pimenta, sabemos do apaixonado interesse com que se dedica aos seus trabalhos de erudição e crítica, e até conhecemos o horário invariável, quase heróico, de uma vida consagrada, de modo exclusivo, às transfiguradoras canseiras do Espírito — quantas vezes pensamos, de manhã ou à noite, ao olhar as esquinas onde pontifica uma turba de inúteis, de pedantes e de fúteis, naquele grande investigador que, no seu gabinete forrado de estantes, de olhos presos aos textos que procura decifrar ou esclarecer, à mesma hora dá o seu esforço mais desinteressado e mais convicto à causa, esquecida por quase todos, da legítima cultura portuguesa!»
E acrescentava:
« — Há uma dívida nacional, de gratidão e respeito, para com Alfredo Pimenta. Quem a pagará? E quando? Será mesmo paga algum dia?»
***
Todo o tempo correu — e a dívida continua em aberto. Não ficou evidentemente saldada com a nomeação de Alfredo Pimenta para Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo — função para a qual tudo o impunha e que, embora o honre, é com certeza mais honrada por ele.
A dívida continua em aberto. Todas as homenagens que sejam prestadas a Alfredo Pimenta contam portanto, desde logo, com a minha adesão. Sinto prazer em ser daqueles — muitos ou poucos, não importa — que assim obedecem a um imperativo de consciência e, contra a incompreensão ou a hostilidade da maioria, não vacilam em antecipar-se ao seguro juízo de uma posteridade que (sempre isto sucede aos maiores!) há-de fazer-lhe serena e total justiça.
***
Pedem-me que lhes fale aqui hoje — enquanto outros amigos e companheiros se ocupam do Pensador, do Historiador, do Europeu — acerca do Doutrinador Político. Haveria muito a dizer sobre o assunto, mas não o permitem os exíguos limites do espaço reservado a estas palavras. Contentar-me-ei com indicar, de relance, os três pontos essenciais a desenvolver, porventura, num estudo consagrado a esse tema.
Em primeiro lugar: pela vastidão e seriedade da sua cultura, Alfredo Pimenta é um dos muito raros escritores portugueses do nosso tempo que merecem ser adequadamente chamados doutrinadores políticos. A Política não está, com efeito, ao alcance de qualquer — se bem que tantos, por leviandade ou inconsciência, se julguem aptos a cultivá-la. A Política — arte ou ciência de governar os povos - exige um sério conhecimento das bases metafísicas, éticas, sociológicas em que se apoia, graças às quais se elaborem os conceitos legítimos do Homem, da Sociedade e do Poder. E o erudito dos "Estudos Filosóficos e Críticos" atinge pelas raízes os mais altos problemas que à Política dizem respeito. Quem, nestes domínios, o supera — ou, sequer, o iguala?
Em segundo lugar, assinale-se a singular, a penetrante lucidez com que expõe, analisa e soluciona as fundamentais questões políticas da nossa época e do nosso país. Através de vasta série de trabalhos — citarei, para me limitar a meia dúzia de títulos, "Política Monárquica", "Comentários Políticos", "A Revolução Monárquica — 1919", "Cartas Monárquicas", "As Bases da Monarquia Futura", e, mais recentemente, as páginas certeiras, modelares de "Nas Vésperas do Estado Novo" — essa lucidez excepcional acha-se notavelmente documentada. Ainda dentro das fileiras republicanas, que abandonou em 1914, já Alfredo Pimenta, sob o influxo de Comte e de Taine, no grosso volume "Política Portuguesa", reagia vitoriosamente contra as mentiras e utopias liberais-democráticas e formulava as directrizes de um nacionalismo orgânico, anti-parlamentar, anti-partidário, centrado numa forte noção de Autoridade estável e eficiente. Depois que, a breve trecho, a coerência o trouxe para o campo monárquico, ninguém melhor exaltou e definiu, nas suas linhas esquemáticas ou nos seus pormenores, o regime tradicional a restaurar, adaptado e ajustado às exigências dos novos tempos. A sua concepção da Realeza, por exemplo, — alma e fulcro do Estado, personificação e síntese da Unidade Nacional — gravou-se nos espíritos de quantos alguma vez tomaram contacto seguido com o seu pensamento.
Em terceiro lugar, sublinhe-se o magnífico desassombro de que sempre deu as mais flagrantes provas. A todos os momentos e em todas as circunstâncias, só ou acompanhado por alguns, nunca Alfredo Pimenta hesitou em proclamar a verdade política, sem que nada o tolhesse: nem o medo do adversário, nem o comodismo das posições moderadas, nem os respeitos humanos, nem a defesa dos interesses materiais. O seu combate oferece um raro modelo de coragem, de isenção, de nitidez, de intransigência, de clarividência. Muitas vezes o admirei como homem de letras ou como homem de saber. Como lutador de ideias, admirei-o e admiro-o, porém, acima de tudo — inflexível no meio da tormenta, incapaz de calar-se e deter-se ante as imprecações, as calúnias, as ironias ou as ameaças.
Cultura, lucidez, desassombro — eis as três virtudes específicas do grande doutrinador. Foram elas que fizeram de Alfredo Pimenta um dos mestres incontestados da inteligência política portuguesa do nosso tempo — um dos pouquíssimos, numa época de moles hibridismos, de silêncios cobardes e de apostasias degradantes, que sabem cumprir o dever maior de quem serve uma causa e segura uma pena: — o dever de ver claro e de falar claro!
João Ameal
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« — Quantas vezes nós, que de perto acompanhamos o labor formidável de Alfredo Pimenta, sabemos do apaixonado interesse com que se dedica aos seus trabalhos de erudição e crítica, e até conhecemos o horário invariável, quase heróico, de uma vida consagrada, de modo exclusivo, às transfiguradoras canseiras do Espírito — quantas vezes pensamos, de manhã ou à noite, ao olhar as esquinas onde pontifica uma turba de inúteis, de pedantes e de fúteis, naquele grande investigador que, no seu gabinete forrado de estantes, de olhos presos aos textos que procura decifrar ou esclarecer, à mesma hora dá o seu esforço mais desinteressado e mais convicto à causa, esquecida por quase todos, da legítima cultura portuguesa!»
E acrescentava:
« — Há uma dívida nacional, de gratidão e respeito, para com Alfredo Pimenta. Quem a pagará? E quando? Será mesmo paga algum dia?»
***
Todo o tempo correu — e a dívida continua em aberto. Não ficou evidentemente saldada com a nomeação de Alfredo Pimenta para Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo — função para a qual tudo o impunha e que, embora o honre, é com certeza mais honrada por ele.
A dívida continua em aberto. Todas as homenagens que sejam prestadas a Alfredo Pimenta contam portanto, desde logo, com a minha adesão. Sinto prazer em ser daqueles — muitos ou poucos, não importa — que assim obedecem a um imperativo de consciência e, contra a incompreensão ou a hostilidade da maioria, não vacilam em antecipar-se ao seguro juízo de uma posteridade que (sempre isto sucede aos maiores!) há-de fazer-lhe serena e total justiça.
***
Pedem-me que lhes fale aqui hoje — enquanto outros amigos e companheiros se ocupam do Pensador, do Historiador, do Europeu — acerca do Doutrinador Político. Haveria muito a dizer sobre o assunto, mas não o permitem os exíguos limites do espaço reservado a estas palavras. Contentar-me-ei com indicar, de relance, os três pontos essenciais a desenvolver, porventura, num estudo consagrado a esse tema.
Em primeiro lugar: pela vastidão e seriedade da sua cultura, Alfredo Pimenta é um dos muito raros escritores portugueses do nosso tempo que merecem ser adequadamente chamados doutrinadores políticos. A Política não está, com efeito, ao alcance de qualquer — se bem que tantos, por leviandade ou inconsciência, se julguem aptos a cultivá-la. A Política — arte ou ciência de governar os povos - exige um sério conhecimento das bases metafísicas, éticas, sociológicas em que se apoia, graças às quais se elaborem os conceitos legítimos do Homem, da Sociedade e do Poder. E o erudito dos "Estudos Filosóficos e Críticos" atinge pelas raízes os mais altos problemas que à Política dizem respeito. Quem, nestes domínios, o supera — ou, sequer, o iguala?
Em segundo lugar, assinale-se a singular, a penetrante lucidez com que expõe, analisa e soluciona as fundamentais questões políticas da nossa época e do nosso país. Através de vasta série de trabalhos — citarei, para me limitar a meia dúzia de títulos, "Política Monárquica", "Comentários Políticos", "A Revolução Monárquica — 1919", "Cartas Monárquicas", "As Bases da Monarquia Futura", e, mais recentemente, as páginas certeiras, modelares de "Nas Vésperas do Estado Novo" — essa lucidez excepcional acha-se notavelmente documentada. Ainda dentro das fileiras republicanas, que abandonou em 1914, já Alfredo Pimenta, sob o influxo de Comte e de Taine, no grosso volume "Política Portuguesa", reagia vitoriosamente contra as mentiras e utopias liberais-democráticas e formulava as directrizes de um nacionalismo orgânico, anti-parlamentar, anti-partidário, centrado numa forte noção de Autoridade estável e eficiente. Depois que, a breve trecho, a coerência o trouxe para o campo monárquico, ninguém melhor exaltou e definiu, nas suas linhas esquemáticas ou nos seus pormenores, o regime tradicional a restaurar, adaptado e ajustado às exigências dos novos tempos. A sua concepção da Realeza, por exemplo, — alma e fulcro do Estado, personificação e síntese da Unidade Nacional — gravou-se nos espíritos de quantos alguma vez tomaram contacto seguido com o seu pensamento.
Em terceiro lugar, sublinhe-se o magnífico desassombro de que sempre deu as mais flagrantes provas. A todos os momentos e em todas as circunstâncias, só ou acompanhado por alguns, nunca Alfredo Pimenta hesitou em proclamar a verdade política, sem que nada o tolhesse: nem o medo do adversário, nem o comodismo das posições moderadas, nem os respeitos humanos, nem a defesa dos interesses materiais. O seu combate oferece um raro modelo de coragem, de isenção, de nitidez, de intransigência, de clarividência. Muitas vezes o admirei como homem de letras ou como homem de saber. Como lutador de ideias, admirei-o e admiro-o, porém, acima de tudo — inflexível no meio da tormenta, incapaz de calar-se e deter-se ante as imprecações, as calúnias, as ironias ou as ameaças.
Cultura, lucidez, desassombro — eis as três virtudes específicas do grande doutrinador. Foram elas que fizeram de Alfredo Pimenta um dos mestres incontestados da inteligência política portuguesa do nosso tempo — um dos pouquíssimos, numa época de moles hibridismos, de silêncios cobardes e de apostasias degradantes, que sabem cumprir o dever maior de quem serve uma causa e segura uma pena: — o dever de ver claro e de falar claro!
João Ameal
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A PROPÓSITO DUMA HOMENAGEM
Poucas vezes tenho sentido o nobre orgulho de manejar a minha modesta caneta de escritor, quase exilado, como neste momento em que me foi dada a honra de colaborar nesta homenagem a Alfredo Pimenta.
Tarefa sedutora, porque dela não anda afastado o risco, pois Alfredo Pimenta, no nosso País, ainda é um assunto perigoso: encargo nobilitante, pois só pode ser bem desempenhado por quem possua elevado espírito de justiça; missão intelectual por excelência, porque se trata de servir o Pensamento, nas suas esferas mais altas; dever de sensibilidade, porque se é chamado a dar exemplo e estímulo de melhor compreensão do exacto valor dos homens, e principalmente daqueles que, como Alfredo Pimenta, alcançaram aquela altura que aparece esfumada e de difícil interpretação, aos que não puderam libertar-se dos pesados grilhões da mediocridade.
Era tempo de prestar a Alfredo Pimenta este testemunho de simpatia humana e admiração intelectual, porque é tempo de iniciar o esforço, a sério, de renovar os nossos costumes e elevar o nível da nossa vida mental e social.
Assim se presta, também, um grande serviço ao País.
Nada é possível, em qualquer domínio, numa sociedade, enquanto ela permanecer incapaz de reconhecer os seus homens de valor, precisamente aqueles que dão a medida do prestígio a que ela pode ascender no convívio das nações.
Em Alfredo Pimenta, a vida mental atinge tais virtudes que bem pode classificar-se de ascetismo a sua existência votada à dignidade de servir a Cultura e o País.
E tão bem vincada é essa sua singular posição na vida cultural portuguesa que, como em todo o isolamento ascético, não lhe tem faltado as lutas gigantescas contra terríveis demónios. Estes, ora tomam a forma de montões de lama, que tanto devem ter ferido a sua sensibilidade de fino cultor de estética; ora assumem o aspecto da mais densa calúnia que tão dolorosamente afectam a sua paixão pela Verdade; ora se revestem da grosseira materialização das inimizades plebeias que tanto devem ter torturado as suas predilecções de verdadeiro aristocrata, que se compraz nas delicadezas do mais requintado convívio.
Assim, sem a menor sombra de exagero, a sua vida de escritor, é uma existência de pertinaz calvário.
Tudo o que havia de obscuro na nossa História ele procurou tornar claro, mercê de um paciente e gigantesco labor, que só por si, honra uma época no que ela poderia honrar-se, se a leviana agitação em que se consome lhe permitisse votar-se à Erudição.
E por cada Verdade conquistada, para enriquecimento e glória do País, alcançou como prémio, a injúria.
Por cada rectificação da História, uma nova deformação da sua vida de escritor era a recompensa obtida.
Por cada esforço para a explicação dos motivos da nossa glória, mais densa se tornava a incompreensão com que o envolviam e o isolavam, amesquinhando-se assim a sua nobre figura de infatigável investigador.
Na política, o mesmo impressionante desencontro entre o mérito e a recompensa.
Tudo o que no republicanismo se pode evocar de mais nobre, como ideal, como anseio de participação do Povo nas dificuldades do Poder, Alfredo Pimenta o exaltou com a eloquência de poeta e o defendeu com o ardor dos grandes tribunos.
E o Povo, e os republicanos, crivaram-no de insultos.
Tudo o que a Monarquia pode oferecer como construção ideológica, às exigências de um verdadeiro intelectual, ele o definiu com a faiscante clareza de um doutrinário, em páginas que um dia haverão de figurar nas antologias de pensadores monárquicos.
E muitos monárquicos se malquistaram com ele, recusando-se a subir a tão elevada noção de servir a Pátria e a Realeza!
Deplorável manifestação de inferioridade de uma época que de tal modo se compraz em diminuir o valor, em negar a altura, que se rebaixa a desconhecer as melhores páginas de um escritor, porque ele usa luvas que ofendem a concepção plebeia da democracia, ou se envolve numa capa que o singulariza irritando o gosto igualitário da massa achatada pelo rolar da existência mecanizada!
Ora é preciso que isto acabe, ou pelo menos que se diga aos filhos de uma época tão barbarizada:
Basta! Fazei o que quiserdes mas não consentimos a vossa intromissão nos domínios da Inteligência.
Não toleramos, para honra da cultura portuguesa, que se continue a maltratar um homem que é a glória do nosso tempo, que é o orgulho da nossa Historiografia, e que noutra sociedade mais sensível à verdadeira Elegância, ao verdadeiro Gosto, e à verdadeira vida do Espírito, não teria a menor dificuldade em ver na figura inconfundível de Alfredo Pimenta, uma das mais raras compleições de artista, e de pensador porque ele soube fazer da sua existência uma obra-prima de Sacrifício, de Trabalho, de Pensamento e de delicada emoção, porque, nele, o pensador, o historiador, o jornalista, não extinguiram o Poeta, nem o isolamento, a vilania, a inquietação e a incompreensão sistemáticas, amorteceram a fina afabilidade que distingue o homem superior, que se apoia na Fé, no Bem e na Beleza.
Eduardo Frias
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Tarefa sedutora, porque dela não anda afastado o risco, pois Alfredo Pimenta, no nosso País, ainda é um assunto perigoso: encargo nobilitante, pois só pode ser bem desempenhado por quem possua elevado espírito de justiça; missão intelectual por excelência, porque se trata de servir o Pensamento, nas suas esferas mais altas; dever de sensibilidade, porque se é chamado a dar exemplo e estímulo de melhor compreensão do exacto valor dos homens, e principalmente daqueles que, como Alfredo Pimenta, alcançaram aquela altura que aparece esfumada e de difícil interpretação, aos que não puderam libertar-se dos pesados grilhões da mediocridade.
Era tempo de prestar a Alfredo Pimenta este testemunho de simpatia humana e admiração intelectual, porque é tempo de iniciar o esforço, a sério, de renovar os nossos costumes e elevar o nível da nossa vida mental e social.
Assim se presta, também, um grande serviço ao País.
Nada é possível, em qualquer domínio, numa sociedade, enquanto ela permanecer incapaz de reconhecer os seus homens de valor, precisamente aqueles que dão a medida do prestígio a que ela pode ascender no convívio das nações.
Em Alfredo Pimenta, a vida mental atinge tais virtudes que bem pode classificar-se de ascetismo a sua existência votada à dignidade de servir a Cultura e o País.
E tão bem vincada é essa sua singular posição na vida cultural portuguesa que, como em todo o isolamento ascético, não lhe tem faltado as lutas gigantescas contra terríveis demónios. Estes, ora tomam a forma de montões de lama, que tanto devem ter ferido a sua sensibilidade de fino cultor de estética; ora assumem o aspecto da mais densa calúnia que tão dolorosamente afectam a sua paixão pela Verdade; ora se revestem da grosseira materialização das inimizades plebeias que tanto devem ter torturado as suas predilecções de verdadeiro aristocrata, que se compraz nas delicadezas do mais requintado convívio.
Assim, sem a menor sombra de exagero, a sua vida de escritor, é uma existência de pertinaz calvário.
Tudo o que havia de obscuro na nossa História ele procurou tornar claro, mercê de um paciente e gigantesco labor, que só por si, honra uma época no que ela poderia honrar-se, se a leviana agitação em que se consome lhe permitisse votar-se à Erudição.
E por cada Verdade conquistada, para enriquecimento e glória do País, alcançou como prémio, a injúria.
Por cada rectificação da História, uma nova deformação da sua vida de escritor era a recompensa obtida.
Por cada esforço para a explicação dos motivos da nossa glória, mais densa se tornava a incompreensão com que o envolviam e o isolavam, amesquinhando-se assim a sua nobre figura de infatigável investigador.
Na política, o mesmo impressionante desencontro entre o mérito e a recompensa.
Tudo o que no republicanismo se pode evocar de mais nobre, como ideal, como anseio de participação do Povo nas dificuldades do Poder, Alfredo Pimenta o exaltou com a eloquência de poeta e o defendeu com o ardor dos grandes tribunos.
E o Povo, e os republicanos, crivaram-no de insultos.
Tudo o que a Monarquia pode oferecer como construção ideológica, às exigências de um verdadeiro intelectual, ele o definiu com a faiscante clareza de um doutrinário, em páginas que um dia haverão de figurar nas antologias de pensadores monárquicos.
E muitos monárquicos se malquistaram com ele, recusando-se a subir a tão elevada noção de servir a Pátria e a Realeza!
Deplorável manifestação de inferioridade de uma época que de tal modo se compraz em diminuir o valor, em negar a altura, que se rebaixa a desconhecer as melhores páginas de um escritor, porque ele usa luvas que ofendem a concepção plebeia da democracia, ou se envolve numa capa que o singulariza irritando o gosto igualitário da massa achatada pelo rolar da existência mecanizada!
Ora é preciso que isto acabe, ou pelo menos que se diga aos filhos de uma época tão barbarizada:
Basta! Fazei o que quiserdes mas não consentimos a vossa intromissão nos domínios da Inteligência.
Não toleramos, para honra da cultura portuguesa, que se continue a maltratar um homem que é a glória do nosso tempo, que é o orgulho da nossa Historiografia, e que noutra sociedade mais sensível à verdadeira Elegância, ao verdadeiro Gosto, e à verdadeira vida do Espírito, não teria a menor dificuldade em ver na figura inconfundível de Alfredo Pimenta, uma das mais raras compleições de artista, e de pensador porque ele soube fazer da sua existência uma obra-prima de Sacrifício, de Trabalho, de Pensamento e de delicada emoção, porque, nele, o pensador, o historiador, o jornalista, não extinguiram o Poeta, nem o isolamento, a vilania, a inquietação e a incompreensão sistemáticas, amorteceram a fina afabilidade que distingue o homem superior, que se apoia na Fé, no Bem e na Beleza.
Eduardo Frias
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domingo, julho 24, 2005
A TEORIA DA DEMOCRACIA
Na sua primeira sessão de 21 de Setembro de 1880, o Congresso Internacional de Antropologia e de Arqueologia Pré-históricas, reunido em Lisboa, tão importante sob o ponto de vista da Ciência em geral, como sob o ponto de vista da ciência portuguesa, em especial — tomou conhecimento da memória notável de Carlos Ribeiro, sobre a existência, em Portugal, do homem terciário.
A discussão foi viva e nela entraram alguns dos melhores nomes da Ciência europeia. Presidia Virchow. Falou primeiro, Mortillet. E quando acabaram da falar os que tinham alguma coisa para dizer — o presidente, fechando o debate, proferiu estas palavras dignas de serem retidas: «Não havendo mais oradores inscritos, vai encerrar a sessão. Não é método científico liquidar-se as questões por maioria de votos. É preciso, pois, adiar a decisão, até ao Congresso».
Imenso reaccionário foi este sábio ao proclamar que o submeter à decisão da maioria uma determinada questão, não é processo científico — mas cientificamente procedeu esse homem. Do matemático Poincaré disse alguém que só com duas ou três pessoas no mundo podia ele conversar sobre o que constituía as suas habituais preocupações de espírito.
Quer isto dizer que tão alto trazia ele as suas locubrações científicas, que só duas ou três pessoas podiam acompanhá-lo. Ora é bom que se diga que tão anti-científico é o submeter aos votos do público a resolução de um polinómio, como a adopção de uma lei. O erro em que todos nós andamos consiste em supormos a Política uma coisa diferente do que ela é na verdade. A quase totalidade do público, mesmo do chamado público ilustrado, não se convenceu de que a Política é uma ciência concreta como qualquer das outras ciências. A quase totalidade do público, mesmo do chamado público culto, tem a noção muito inferior e muito imperfeita do que seja a Política. Para esse público, o facto mais importante do fenómeno político é a vontade do indivíduo. E assim ele julga que o fenómeno político se decide pela intervenção do homem, levando à criação do poder soberano das maiorias, que é tudo quanto há de menos civilizador e menos progressivo — certo como é que nas maiorias reside a paixão cega, a estupidez intolerante, o abuso insuportável!
O homem é, realmente, alguma coisa no fenómeno político. Mas o homem presente é nada ou quase nada. O homem de hoje é a resultante do homem de ontem. E sobre o homem de ontem, o homem de hoje não tem influência alguma. Todas as ciências são independentes do que se convencionou chamar a vontade do homem. Pois que só há ciência quando há previsibilidade, e esta é incompatível com o árbitro. Assim como os fenómenos astronómicos não dependem de Kepler, os fenómenos sociais não dependem de Spencer nem da formiga branca. A acção dos chamados grandes homens é coordenadora: não é criadora. Os grandes homens políticos conhecem as condições do agregado humano, integram-se nelas, aproveitam-nas, e é dentro delas que efectuam a sua obra — a qual é a síntese de esforços latentes anteriores. A moderna noção científica do génio justifica esta doutrina. Quando eles tentam criar — o seu esforço resulta nulo: o exemplo de Pombal é sintomático; o exemplo de Bismarck é eloquente.
O primeiro quis criar — e nada conseguiu; o segundo aproveitou, e a sua obra prolongou-se. Uma assembleia de homens de génio políticos altera tanto a constituição de fenómenos sociais como uma assembleia de astrónomos de génio altera a constituição dos fenómenos celestes. Já Augusto Comte ensinava que a acção humana pode exercer-se sobre a intensidade dos fenómenos, que não sobre a sua constituição.
Os nossos vícios antropormórficos é que nos levam a humanizar tudo, a atribuir a este ou àquele a responsabilidade dos acontecimentos.
Fora dos fenómenos sociais — recorre-se ao milagre. Dentro dos fenómenos sociais, recorre-se à acção individual. E porquê? Pela nossa ignorância dos factos concorrentes dos fenómenos. Se os heróis, dando a esta palavra o significado de Carlyle, são, por assim dizer, pontos de concentração de forças inconscientes, actuando, à la longue, a sua quota parte de responsabilidade nos acontecimentos do mundo é bem pequena. Isto não contradiz de modo algum a noção de história que formula o mesmo Carlyle — pois que de facto estudar a vida dos grandes homens, é conhecer as resultantes sintéticas de elementos e forças dispersas, anónimas e inconscientes.
Estudar o Infante D. Henrique, Vasco da Gama, D. João II, Álvares Cabral, é estudar a acção marítima dos portugueses, porque eles são as figuras representativas, os seus símbolos. Sem elementos dirigentes, coordenadores, a acção dos portugueses seria negativa. Mas se eles não representassem qualidades latentes, aspirações vagas, tendências dispersas e inconscientes — a sua acção directiva resultaria estéril. O homem vulgar, aquele que é simplesmente mais um na massa anónima, anda, no entanto, convencido de que os fenómenos políticos são obra sua e, por isso, exige que lhe tomem o voto e lhe acatem o parecer. Cada cabeça cada sentença. Na impossibilidade de atender a todas as cabeças — recorreu-se ao subterfúgio das maiorias. Se a maioria quer o Erro - viva o Erro! Se a inteligência, a lucidez, o bom-senso são tanto maiores e mais profundos quanto menor é o agrupamento dos homens, isto é, se a inteligência, a lucidez e o bom senso estão nas minorias — evidente que a obra das maiorias é sempre errada. Wirchow, para decidir se o homem terciário existiu ou não em Portugal, coisa, de resto, não muito difícil de averiguar, pelo número restrito dos factores, dos elementos constitutivos da questão — não quis recorrer ao parecer da maioria.
Como se há-de alcançar mão da maioria, em questões constituídas por múltiplos factores, a maior parte dos quais são incógnitas, cuja descoberta exige conhecimentos muito especiais, competência cuidada e atenta análise? Por outro lado, para quê invocar a intervenção das maiorias — se os acontecimentos são independentes da vontade do homem e dos votos do homem? Os fenómenos sociais estão sujeitos a leis certas, determinadas, invariáveis. Ignoradas muitas delas, a quase totalidade delas, é certo; mas existentes e presidindo à evolução dos acontecimentos. Se assim não fosse — não haveria ciência social. Revoluções, crises, guerras, — todos esses acontecimentos que nós temos o hábito de atribuir a este ou aquele, são obra de múltiplos factores — desde os climáticos aos históricos, desde os étnicos aos geográficos. Seguramente, uns influem mais do que outros. E está averiguado que sejam os elementos étnicos. Mas estes já são resultantes de outros. Convencer quem anda tresmalhado de que a Política é uma ciência concreta, aplicação da Ciência social, e de que sobre ela, portanto, nada podem votar as maiorias, é a obrigação de todos os que querem contribuir para a paz nacional.
Porque esta espécie de fatalismo histórico que venho de apregoar não significa inacção da nossa parte — pois que, como seja certo que nós não conhecemos o futuro, para o aclarar devemos concorrer e, na ilusão consciente e confessada da nossa interferência nos desígnios do destino ou de Deus, devemos também trabalhar, e nunca ficar de braços cruzados.
Nestas condições, o que há a fazer é afastar dessa interferência quem não pode trazer alguma contribuição pessoal ordenadora — por falta de competência, de qualidades e aptidões. Não é científico decidir questões científicas pela maioria dos votos. A Política é uma ciência: logo nela não deve caber o princípio das maiorias. O governo dos povos pertence às minorias. E quanto mais reduzidas estas forem, melhor pode ser o governo. De onde a superioridade, já teórica, do princípio monárquico.
Mais vale obedecer a um do que a meia dúzia. Obedecer a um nunca me repugnou: afirmei sempre esta doutrina; mas obedecer à multidão, à força das maiorias, sempre me revoltou. As maiorias têm grandes campos de acção, têm grandes funções a desempenhar — para lhes seja preciso invadir o campo de acção e as funções da minoria. A esta compete governar; àquela obedecer.
E assim, as maiorias não têm que ser ouvidas sobre as questões ou problemas de ciência social — porque estes problemas resolvem-se pelo estudo, pelos argumentos científicos e não pelo número.
O sr. Gaston Jèze é uma das mais altas autoridades do mundo universitário francês, e o seu nome ultrapassou, há muito tempo, as fronteiras da França. Em ciência financeira, e mesmo em Direito Administrativo e Direito Político, as suas opiniões formam escola, e impõem-se com autoridade. Politicamente, o sr. Gaston Jèze é radical: pertenceu ao famoso cartel das esquerdas, e vejo-o figurar no célebre volume "La Politique Républicaine", que é uma espécie de Programa do Radicalismo. Por sinal que no seu estudo consagrado às Finanças francesas, o sr. Gaston Jèze tem esta paradoxal sentença: o que deve guiar os governos é a ciência financeira e o ideal democrático — como se este ideal democrático fosse capaz de se ajeitar com qualquer ciência, e muito menos com a ciência financeira.
Ora se o sr. Jèze acaba de escrever num jornal francês, palavras preciosíssimas que demonstram que o seu espírito nem sempre está perturbado, a sua visão das coisas nem sempre é deformada.
Pergunta ele: «Acaso as assembleias legislativas são compostas de seres superiores, mais inteligentes ou melhores do que outros homens?»
E responde com esta clareza e esta justeza: «Nada disso. A Democracia não tem a pretensão de ter, como governantes, super-homens, os governantes de uma Democracia são medíocres; tomam-se, um pouco ao acaso, na massa. Seria preciso ter os olhos fechados para não ver que os colégios eleitorais não escolhem nem os melhores, nem os mais inteligentes, nem os mais honestos, nem os mais cuidadosos pela coisa pública. A intriga, as promessas excessivas, mesmo as mentiras, a pressão e a corrupção desempenham um grande papel nas eleições dos países democráticos. Isto não oferece dúvidas a ninguém. Nenhuma reforma eleitoral mudará a grande coisa nisto. Não tenhamos ilusões a esse respeito».
De acordo. Não tenhamos ilusões. Nós não as temos. As reformas eleitorais, para nós, os sistemas eleitorais, para nós, têm bem medíocre importância. Eleição directa ou indirecta, sufrágio restrito ou universal; recenseamento obrigatório ou facultativo, sistema maioritário ou proporcional; com representação ou sem representação de minorias; círculo único ou muitos círculos — é tudo a mesma burla monstruosa — porque o vício fundamental da eleição não está na maneira como ela se realiza, mas em si própria. O carácter específico da eleição é o Número, e o Número é a antinomia da Qualidade. À medida que o Número aumenta, a Competência restringe-se. Se alguém tem autoridade para limitar o Número, esse tem autoridade para escolher logo o que o Número vai eleger. Uma vez que se adopte o critério do Número, em boa lógica, só o Sufrágio Universal tem defesa. Eu compreendo os partidários deste Sufrágio; não compreendo os que limitam, os que querem segurá-lo, com reformas, com habilidades.
Eu só compreendo o Sufrágio Universal, com recenseamento obrigatório e voto obrigatório. O resultado é mais democrático, mas é mais característico. Quanto mais errado mais democrático, mais puramente democrático, mais dentro do critério da soberania nacional.
Àparte aquela de a Democracia não ter a pretensão de possuir, por governantes, super-homens, tudo quanto sr. Gaston Jèze diz é luminoso.
«Os governantes de uma Democracia são medíocres» — diz ele. Nem podem deixar de ser. A massa eleitoral, o rebanho humano só escolhe os que estão ao alcance da sua inteligência. Ora a inteligência da multidão é tudo o que há de mais frágil. A multidão não sugere ideias: move-se por palavras, determina-se por gritos, dirige-se por imagens. E não é necessário que seja uma multidão ignara de incultos patriotas. Ainda outro dia soube esta que é típica. O sr. Brunschvieg é uma das mais afamadas mentalidades do meio filosófico contemporâneo. Na sua cadeira da Sorbonne, preleccionava sobre Pascal. Silêncio. Sono. Os espíritos dobravam de fadiga. Naquele meio crepúsculo, ouviu-se o professor dizer que «há em Pascal, dois arranha-céus: um que devia arranhar o céu, mas que o não arranha; outro que parece arranhá-lo, mas que o não arranha ainda».
Esta imagem foi o bastante para que o curso inteiro despertasse, interessado, sacudido. E ficou à espera da explicação do arrojado símbolo — mas o professor voltara à sua maneira pausada, discreta, monótona, e intensamente intelectualista. E o curso voltou, por sua vez, ao adormecimento. Ora se não é possível manter interessado, activo, um grupo de pessoas cultas, sem o recurso das imagens brilhantes e a retórica sonora — calcule-se o que será necessário para atrair, sugestionar, arrastar uma multidão ignara de patriotas incultos!
Continuando o seu desenho, o sr. Gaston Jèze diz que os colégios eleitorais não escolhem nem os melhores, nem os mais honestos, nem os mais cuidadosos pela coisa pública. Certíssimo. Como estamos longe daqueles que diziam que era apanágio da Democracia, a virtude! Mas se não são os melhores; se não são os mais cuidadosos pela coisa pública, os que a Democracia chama para a alta função do governo — que demónio de simpatia, de apoio ou aplauso nos pode merecer a mesma Democracia, com a sua remonta dos piores, dos estúpidos, dos patifes e dos desleixados, sr. Gaston Jèze?
A Democracia, aos melhores, desgosta-os; aos mais inteligentes, persegue-os; aos mais honestos, calunia-os; aos mais cuidadosos da coisa pública, afasta-os. É de hoje. É de ontem. É de sempre. Que fica, então? Fica o bando dos malfeitores, dos sem consciência nem vergonha — profissionais da honra, profissionais do Dever, profissionais do patriotismo, profissionais da justiça, profissionais de tudo, fazendo de tudo profissão, até da infâmia!
Entre a sentença clara de Gaston Jèze, homem de indiscutível valor intelectual, e as leviandades dos doutores da Democracia que, envenenando a toda a hora o sentimento público e o espírito público, com as suas campanhas a favor da mais perigosa mentira, da mais hedionda burla que é a Democracia — entre a sentença de Gaston Jèze e as leviandades dos doutores da Democracia — quem pode hesitar?
Não. Se queremos salvar esta pobre Pátria, não nos atemorizemos diante de nada, e não abandonemos o combate salutar à comédia democrática, à fraude democrática — numa palavra à Democracia que é, por definição, mentira, fraude, comédia, e que só capta aqueles que não são incompatíveis com o Erro.
O douto professor da Universidade de Paris, radical, cartelista, conhece experimentalmente o que é a Democracia. O seu depoimento tem, pois, toda a autoridade. Merecia que o não deixássemos em silêncio. E é interessante que num trabalho consagrado às Instituições Políticas da Alemanha Contemporânea, o seu autor, Joseph Barthélemy, para inferiorizar o império alemão, lhe censure aquilo a que chama — a ausência do regime parlamentar. Segundo o sr. Joseph Barthélemy a Alemanha é inferior, porque a sua organização política se caracteriza pela ausência da verdadeira democracia, pela ausência do constitucionalismo sincero, pela ausência do regime parlamentar, e pelo triunfo das soluções anti-liberais.
Dispensa o leitor que lhe afirmemos que precisamente à existência dessas condições características da organização política da Alemanha atribuímos nós a sua superioridade, a sua força e a sua coesão. E assim como Renan, estudando a reforma intelectual e moral a fazer em França, pedia que se adoptasse, tanto quanto fosse possível, o sistema prussiano; e assim como, nos nossos tempos, Pierre Baudin no seu livro "Le Budget et le Déficit" lamenta que em França se não sigam os métodos da organização industrial alemã, também eu digo que é bem para lastimar que a organização política alemã, com a sua falsa democracia, o seu falso constitucionalismo e o seu falso parlamentarismo, não tenha servido de tipo à organização política europeia.
Eu sei que a vida social é feita de preconceitos necessários e de ficções úteis, certo como é que o conceito pragmático da verdade é justo e real. Mas o Parlamentarismo é uma mistificação repugnante, pelos ares que se dá de absolutismo dogmático — afirmando-se precisamente o contrário. Não era necessário que falasse nas suas funestas consequências que são evidentes, hoje, em todos os países, pois que até na própria Inglaterra, onde se gerou tão singular insensatez, se está caracterizando já a falência do regime parlamentar.
Todos sabemos que os períodos mais notáveis da nossa política são aqueles em que o Absolutismo de um homem, dominou. Andam para aí a exaltar o Marquês de Pombal os democratas e os parlamentaristas, os liberalistas e os homens das ideias modernas - porque nada sabem do Marquês.
Houve lá criatura, em Portugal, menos democrata que o Marquês, mais absolutista que o Marquês, mais senhor da sua opinião que o Marquês, mais desdenhoso das opiniões alheias, das opiniões populares, da intervenção da turba nos negócios do Estado, que o Marquês? Para que me falam em Parlamentarismo, os liberais constitucionais, se a ditadura de Mouzinho da Silveira é o seu período áureo, perante o qual se deslumbram? Para que me falam em Parlamentarismo, os republicanos, se todas as medidas de governo que os enchem de satisfação e envaidecem, são as decretadas em ditadura, pelo governo Provisório?
Toda a acção do governo, é uma acção de violência, de imposição, de força. Governar é coordenar: coordena-se a bem quem obedece, coordena-se à força quem desobedece. Quem governa manda. E quem manda faz-se obedecer, primeiro, pela persuasão, depois, quando esta é impotente, pela força. Ou o poder reside num homem, ou num grupo de homens, ou numa multidão — a sua base essencial é essa, e não pode ser outra. Uma sociedade não é tanto mais perfeita e civilizada quanto mais cada indivíduo comparticipa do Poder, mas sim quanto mais conscientemente cada indivíduo obedece. A consciência do Dever, a consciência da Obediência, são estádio superiores de Civilização.
Não é oportuno que desenvolva até às últimas consequências este conceito, porque não quero afastar-me do meu fim. Mesmo o que fica dito chega para o que tenho em mira. Portanto, o regime normal é a violência? Quem a detém? Quem a exerce? Um homem? Uma assembleia? Um génio? O Número? Pouco importa, para o caso de saber o que é o governo.
Mas analisadas as consequências de exercer essa violência um homem ou uma Assembleia — nós podemos concluir pelas vantagens ou desvantagens da ditadura individual, ou pelas vantagens ou desvantagens da ditadura parlamentar.
A Ditadura individual é pessoal, responsável, contínua, finalista. Sei quem a exerce; sei quem devo julgar pelo bom ou mau resultado da sua acção; sei que não lhe encontro hesitações contraditórias, soluções de continuidade; sei o fim a que ela visa, o destino que a conduz. A ditadura parlamentar é impessoal, irresponsável, contraditória, cega. Quem a exerce é o Número, mas este não tem nome. A responsabilidade de uma assembleia é a irresponsabilidade dos indivíduos, por isso as obras das ditaduras parlamentares não admitem sanção. As opiniões da multidão, são flutuantes, quase instintivas, momentâneas — donde a ondulação dos seus actos. Formada de elementos heterogéneos, uma assembleia não pode ter um fim uno. A acção do governo quer-se centralizada, e o órgão que a exercer quer-se simplificado.
Augusto Comte observava, com aquela superioridade que caracteriza todas as suas observações, que nunca os inferiores podiam escolher os superiores. Não se compreende que os governados, sem competência para as funções de governo, escolham os governantes. A admissão dessa escolha leva, em última análise, ao princípio incongruente de que são os governantes sem competência para as funções de governo quem governa. Se o princípio parlamentarista assenta na soberania da maioria, e como a incompetência é a maioria, acontece que é a incompetência quem triunfa, quem decide, quem governa. A representação das minorias nada resolve, pois, ao contrário do que muita gente afirma, entendo que da discussão, geralmente, sai mais treva do que luz.
As discussões parlamentares são justas de palavrosos — e com palavrosos os povos caminham a estrada que o nosso tem caminhado. No entretanto, a verdade é que a mistificação parlamentar entrou tanto no quadro dos vícios, irreprimíveis, que, à semelhança do que acontece com o jogo, será bom regulamentá-la. A regulamentação do parlamentarismo consistirá, assim, em conceder a capacidade eleitoral apenas aos que, presumivelmente, podem e sabem dispor do seu voto, e em restringir as funções parlamentares ao mínimo. A primeira medida contribuirá para a repressão da anarquia da Opinião Pública; a segunda, para a limitação da anarquia das esferas governativas.
Poucos têm insistido tanto, entre nós, em criticar a Democracia, por ela se basear no Número, como eu.
Sempre que posso, isto é, sempre que tenho pretexto para tal, chamo a atenção dos espíritos reflectidos para a absoluta sem razão que existe numa Doutrina que faz depender a verdade da opinião da maioria. E digo que a verdade é independente do número dos que a professam, podendo estar na minoria, estando, mesmo, por via da regra, fora da maioria. É que não podendo ela ser, e não devendo ser, resultante da inteligência média que aliás é uma quimera, mas sim das inteligências superiores, e não sendo estas nunca, em grande número, nos meios sociais, evidentemente que ou ela sai do reduzido grupo das inteligências superiores, e não é, portanto, obra da maioria, ou sai desta, por maioria ser, e representa a cooperação das inteligências inferiores.
Nas Democracias, porque o Número é a ultima ratio, acontece que a direcção da sua vida e a solução dos seus problemas cabem ao Anonimato, à Irresponsabilidade, porque o Número, por definição, é anónimo, e, portanto, irresponsável.
Exemplos de todos os dias, para não dizer de todas as horas, mostram os inconvenientes da Democracia, e, consequentemente, deste critério. As massas, ou por outra palavra, a inteligência mediana em que são absorvidas as inteligências individuais, nem é capaz de reflexão, nem é competente para estudar e prever. As massas são instintivas, caprichosas, flutuantes, inconsequentes, à mercê dum nada que surge, não se sabe de donde, e as conduz e domina. A sua obra é fatalmente deficiente, inferior.
Não há objecção possível a estas observações, e toda a gente as entende. Não há nada mais precário do que o Número como critério da verdade. E quando outras razões não houvesse, havia esta que é fundamental, essencial: é que as unidades não são homogéneas, e nos votos individuais entram factores das mais variadas origens e categorias. A decisão final é, no fundo, uma incongruência.
De resto, basta que o leitor faça esta pequena observação: se o Número é o critério da verdade, a verdade não existe, porque o Número desloca-se muito facilmente dum prato da balança para o outro. E se o cálculo, hoje, dá um determinado resultado, nada garante que amanhã, feito noutras circunstâncias, não conduza a resultados opostos. Mas se a verdade não existe, como consequência do seu critério estar no Número, e se este é a base doutrinária da Democracia - a Democracia é um mito, uma mentira, como tantas vezes tenho afirmado. Pelo que concluo que, por um lado, pelo meu, ou por outro, a Democracia é insustentável!
Alfredo Pimenta
(In «Novos Estudos Filosóficos e Críticos», págs. 160 a 170)
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A discussão foi viva e nela entraram alguns dos melhores nomes da Ciência europeia. Presidia Virchow. Falou primeiro, Mortillet. E quando acabaram da falar os que tinham alguma coisa para dizer — o presidente, fechando o debate, proferiu estas palavras dignas de serem retidas: «Não havendo mais oradores inscritos, vai encerrar a sessão. Não é método científico liquidar-se as questões por maioria de votos. É preciso, pois, adiar a decisão, até ao Congresso».
Imenso reaccionário foi este sábio ao proclamar que o submeter à decisão da maioria uma determinada questão, não é processo científico — mas cientificamente procedeu esse homem. Do matemático Poincaré disse alguém que só com duas ou três pessoas no mundo podia ele conversar sobre o que constituía as suas habituais preocupações de espírito.
Quer isto dizer que tão alto trazia ele as suas locubrações científicas, que só duas ou três pessoas podiam acompanhá-lo. Ora é bom que se diga que tão anti-científico é o submeter aos votos do público a resolução de um polinómio, como a adopção de uma lei. O erro em que todos nós andamos consiste em supormos a Política uma coisa diferente do que ela é na verdade. A quase totalidade do público, mesmo do chamado público ilustrado, não se convenceu de que a Política é uma ciência concreta como qualquer das outras ciências. A quase totalidade do público, mesmo do chamado público culto, tem a noção muito inferior e muito imperfeita do que seja a Política. Para esse público, o facto mais importante do fenómeno político é a vontade do indivíduo. E assim ele julga que o fenómeno político se decide pela intervenção do homem, levando à criação do poder soberano das maiorias, que é tudo quanto há de menos civilizador e menos progressivo — certo como é que nas maiorias reside a paixão cega, a estupidez intolerante, o abuso insuportável!
O homem é, realmente, alguma coisa no fenómeno político. Mas o homem presente é nada ou quase nada. O homem de hoje é a resultante do homem de ontem. E sobre o homem de ontem, o homem de hoje não tem influência alguma. Todas as ciências são independentes do que se convencionou chamar a vontade do homem. Pois que só há ciência quando há previsibilidade, e esta é incompatível com o árbitro. Assim como os fenómenos astronómicos não dependem de Kepler, os fenómenos sociais não dependem de Spencer nem da formiga branca. A acção dos chamados grandes homens é coordenadora: não é criadora. Os grandes homens políticos conhecem as condições do agregado humano, integram-se nelas, aproveitam-nas, e é dentro delas que efectuam a sua obra — a qual é a síntese de esforços latentes anteriores. A moderna noção científica do génio justifica esta doutrina. Quando eles tentam criar — o seu esforço resulta nulo: o exemplo de Pombal é sintomático; o exemplo de Bismarck é eloquente.
O primeiro quis criar — e nada conseguiu; o segundo aproveitou, e a sua obra prolongou-se. Uma assembleia de homens de génio políticos altera tanto a constituição de fenómenos sociais como uma assembleia de astrónomos de génio altera a constituição dos fenómenos celestes. Já Augusto Comte ensinava que a acção humana pode exercer-se sobre a intensidade dos fenómenos, que não sobre a sua constituição.
Os nossos vícios antropormórficos é que nos levam a humanizar tudo, a atribuir a este ou àquele a responsabilidade dos acontecimentos.
Fora dos fenómenos sociais — recorre-se ao milagre. Dentro dos fenómenos sociais, recorre-se à acção individual. E porquê? Pela nossa ignorância dos factos concorrentes dos fenómenos. Se os heróis, dando a esta palavra o significado de Carlyle, são, por assim dizer, pontos de concentração de forças inconscientes, actuando, à la longue, a sua quota parte de responsabilidade nos acontecimentos do mundo é bem pequena. Isto não contradiz de modo algum a noção de história que formula o mesmo Carlyle — pois que de facto estudar a vida dos grandes homens, é conhecer as resultantes sintéticas de elementos e forças dispersas, anónimas e inconscientes.
Estudar o Infante D. Henrique, Vasco da Gama, D. João II, Álvares Cabral, é estudar a acção marítima dos portugueses, porque eles são as figuras representativas, os seus símbolos. Sem elementos dirigentes, coordenadores, a acção dos portugueses seria negativa. Mas se eles não representassem qualidades latentes, aspirações vagas, tendências dispersas e inconscientes — a sua acção directiva resultaria estéril. O homem vulgar, aquele que é simplesmente mais um na massa anónima, anda, no entanto, convencido de que os fenómenos políticos são obra sua e, por isso, exige que lhe tomem o voto e lhe acatem o parecer. Cada cabeça cada sentença. Na impossibilidade de atender a todas as cabeças — recorreu-se ao subterfúgio das maiorias. Se a maioria quer o Erro - viva o Erro! Se a inteligência, a lucidez, o bom-senso são tanto maiores e mais profundos quanto menor é o agrupamento dos homens, isto é, se a inteligência, a lucidez e o bom senso estão nas minorias — evidente que a obra das maiorias é sempre errada. Wirchow, para decidir se o homem terciário existiu ou não em Portugal, coisa, de resto, não muito difícil de averiguar, pelo número restrito dos factores, dos elementos constitutivos da questão — não quis recorrer ao parecer da maioria.
Como se há-de alcançar mão da maioria, em questões constituídas por múltiplos factores, a maior parte dos quais são incógnitas, cuja descoberta exige conhecimentos muito especiais, competência cuidada e atenta análise? Por outro lado, para quê invocar a intervenção das maiorias — se os acontecimentos são independentes da vontade do homem e dos votos do homem? Os fenómenos sociais estão sujeitos a leis certas, determinadas, invariáveis. Ignoradas muitas delas, a quase totalidade delas, é certo; mas existentes e presidindo à evolução dos acontecimentos. Se assim não fosse — não haveria ciência social. Revoluções, crises, guerras, — todos esses acontecimentos que nós temos o hábito de atribuir a este ou aquele, são obra de múltiplos factores — desde os climáticos aos históricos, desde os étnicos aos geográficos. Seguramente, uns influem mais do que outros. E está averiguado que sejam os elementos étnicos. Mas estes já são resultantes de outros. Convencer quem anda tresmalhado de que a Política é uma ciência concreta, aplicação da Ciência social, e de que sobre ela, portanto, nada podem votar as maiorias, é a obrigação de todos os que querem contribuir para a paz nacional.
Porque esta espécie de fatalismo histórico que venho de apregoar não significa inacção da nossa parte — pois que, como seja certo que nós não conhecemos o futuro, para o aclarar devemos concorrer e, na ilusão consciente e confessada da nossa interferência nos desígnios do destino ou de Deus, devemos também trabalhar, e nunca ficar de braços cruzados.
Nestas condições, o que há a fazer é afastar dessa interferência quem não pode trazer alguma contribuição pessoal ordenadora — por falta de competência, de qualidades e aptidões. Não é científico decidir questões científicas pela maioria dos votos. A Política é uma ciência: logo nela não deve caber o princípio das maiorias. O governo dos povos pertence às minorias. E quanto mais reduzidas estas forem, melhor pode ser o governo. De onde a superioridade, já teórica, do princípio monárquico.
Mais vale obedecer a um do que a meia dúzia. Obedecer a um nunca me repugnou: afirmei sempre esta doutrina; mas obedecer à multidão, à força das maiorias, sempre me revoltou. As maiorias têm grandes campos de acção, têm grandes funções a desempenhar — para lhes seja preciso invadir o campo de acção e as funções da minoria. A esta compete governar; àquela obedecer.
E assim, as maiorias não têm que ser ouvidas sobre as questões ou problemas de ciência social — porque estes problemas resolvem-se pelo estudo, pelos argumentos científicos e não pelo número.
O sr. Gaston Jèze é uma das mais altas autoridades do mundo universitário francês, e o seu nome ultrapassou, há muito tempo, as fronteiras da França. Em ciência financeira, e mesmo em Direito Administrativo e Direito Político, as suas opiniões formam escola, e impõem-se com autoridade. Politicamente, o sr. Gaston Jèze é radical: pertenceu ao famoso cartel das esquerdas, e vejo-o figurar no célebre volume "La Politique Républicaine", que é uma espécie de Programa do Radicalismo. Por sinal que no seu estudo consagrado às Finanças francesas, o sr. Gaston Jèze tem esta paradoxal sentença: o que deve guiar os governos é a ciência financeira e o ideal democrático — como se este ideal democrático fosse capaz de se ajeitar com qualquer ciência, e muito menos com a ciência financeira.
Ora se o sr. Jèze acaba de escrever num jornal francês, palavras preciosíssimas que demonstram que o seu espírito nem sempre está perturbado, a sua visão das coisas nem sempre é deformada.
Pergunta ele: «Acaso as assembleias legislativas são compostas de seres superiores, mais inteligentes ou melhores do que outros homens?»
E responde com esta clareza e esta justeza: «Nada disso. A Democracia não tem a pretensão de ter, como governantes, super-homens, os governantes de uma Democracia são medíocres; tomam-se, um pouco ao acaso, na massa. Seria preciso ter os olhos fechados para não ver que os colégios eleitorais não escolhem nem os melhores, nem os mais inteligentes, nem os mais honestos, nem os mais cuidadosos pela coisa pública. A intriga, as promessas excessivas, mesmo as mentiras, a pressão e a corrupção desempenham um grande papel nas eleições dos países democráticos. Isto não oferece dúvidas a ninguém. Nenhuma reforma eleitoral mudará a grande coisa nisto. Não tenhamos ilusões a esse respeito».
De acordo. Não tenhamos ilusões. Nós não as temos. As reformas eleitorais, para nós, os sistemas eleitorais, para nós, têm bem medíocre importância. Eleição directa ou indirecta, sufrágio restrito ou universal; recenseamento obrigatório ou facultativo, sistema maioritário ou proporcional; com representação ou sem representação de minorias; círculo único ou muitos círculos — é tudo a mesma burla monstruosa — porque o vício fundamental da eleição não está na maneira como ela se realiza, mas em si própria. O carácter específico da eleição é o Número, e o Número é a antinomia da Qualidade. À medida que o Número aumenta, a Competência restringe-se. Se alguém tem autoridade para limitar o Número, esse tem autoridade para escolher logo o que o Número vai eleger. Uma vez que se adopte o critério do Número, em boa lógica, só o Sufrágio Universal tem defesa. Eu compreendo os partidários deste Sufrágio; não compreendo os que limitam, os que querem segurá-lo, com reformas, com habilidades.
Eu só compreendo o Sufrágio Universal, com recenseamento obrigatório e voto obrigatório. O resultado é mais democrático, mas é mais característico. Quanto mais errado mais democrático, mais puramente democrático, mais dentro do critério da soberania nacional.
Àparte aquela de a Democracia não ter a pretensão de possuir, por governantes, super-homens, tudo quanto sr. Gaston Jèze diz é luminoso.
«Os governantes de uma Democracia são medíocres» — diz ele. Nem podem deixar de ser. A massa eleitoral, o rebanho humano só escolhe os que estão ao alcance da sua inteligência. Ora a inteligência da multidão é tudo o que há de mais frágil. A multidão não sugere ideias: move-se por palavras, determina-se por gritos, dirige-se por imagens. E não é necessário que seja uma multidão ignara de incultos patriotas. Ainda outro dia soube esta que é típica. O sr. Brunschvieg é uma das mais afamadas mentalidades do meio filosófico contemporâneo. Na sua cadeira da Sorbonne, preleccionava sobre Pascal. Silêncio. Sono. Os espíritos dobravam de fadiga. Naquele meio crepúsculo, ouviu-se o professor dizer que «há em Pascal, dois arranha-céus: um que devia arranhar o céu, mas que o não arranha; outro que parece arranhá-lo, mas que o não arranha ainda».
Esta imagem foi o bastante para que o curso inteiro despertasse, interessado, sacudido. E ficou à espera da explicação do arrojado símbolo — mas o professor voltara à sua maneira pausada, discreta, monótona, e intensamente intelectualista. E o curso voltou, por sua vez, ao adormecimento. Ora se não é possível manter interessado, activo, um grupo de pessoas cultas, sem o recurso das imagens brilhantes e a retórica sonora — calcule-se o que será necessário para atrair, sugestionar, arrastar uma multidão ignara de patriotas incultos!
Continuando o seu desenho, o sr. Gaston Jèze diz que os colégios eleitorais não escolhem nem os melhores, nem os mais honestos, nem os mais cuidadosos pela coisa pública. Certíssimo. Como estamos longe daqueles que diziam que era apanágio da Democracia, a virtude! Mas se não são os melhores; se não são os mais cuidadosos pela coisa pública, os que a Democracia chama para a alta função do governo — que demónio de simpatia, de apoio ou aplauso nos pode merecer a mesma Democracia, com a sua remonta dos piores, dos estúpidos, dos patifes e dos desleixados, sr. Gaston Jèze?
A Democracia, aos melhores, desgosta-os; aos mais inteligentes, persegue-os; aos mais honestos, calunia-os; aos mais cuidadosos da coisa pública, afasta-os. É de hoje. É de ontem. É de sempre. Que fica, então? Fica o bando dos malfeitores, dos sem consciência nem vergonha — profissionais da honra, profissionais do Dever, profissionais do patriotismo, profissionais da justiça, profissionais de tudo, fazendo de tudo profissão, até da infâmia!
Entre a sentença clara de Gaston Jèze, homem de indiscutível valor intelectual, e as leviandades dos doutores da Democracia que, envenenando a toda a hora o sentimento público e o espírito público, com as suas campanhas a favor da mais perigosa mentira, da mais hedionda burla que é a Democracia — entre a sentença de Gaston Jèze e as leviandades dos doutores da Democracia — quem pode hesitar?
Não. Se queremos salvar esta pobre Pátria, não nos atemorizemos diante de nada, e não abandonemos o combate salutar à comédia democrática, à fraude democrática — numa palavra à Democracia que é, por definição, mentira, fraude, comédia, e que só capta aqueles que não são incompatíveis com o Erro.
O douto professor da Universidade de Paris, radical, cartelista, conhece experimentalmente o que é a Democracia. O seu depoimento tem, pois, toda a autoridade. Merecia que o não deixássemos em silêncio. E é interessante que num trabalho consagrado às Instituições Políticas da Alemanha Contemporânea, o seu autor, Joseph Barthélemy, para inferiorizar o império alemão, lhe censure aquilo a que chama — a ausência do regime parlamentar. Segundo o sr. Joseph Barthélemy a Alemanha é inferior, porque a sua organização política se caracteriza pela ausência da verdadeira democracia, pela ausência do constitucionalismo sincero, pela ausência do regime parlamentar, e pelo triunfo das soluções anti-liberais.
Dispensa o leitor que lhe afirmemos que precisamente à existência dessas condições características da organização política da Alemanha atribuímos nós a sua superioridade, a sua força e a sua coesão. E assim como Renan, estudando a reforma intelectual e moral a fazer em França, pedia que se adoptasse, tanto quanto fosse possível, o sistema prussiano; e assim como, nos nossos tempos, Pierre Baudin no seu livro "Le Budget et le Déficit" lamenta que em França se não sigam os métodos da organização industrial alemã, também eu digo que é bem para lastimar que a organização política alemã, com a sua falsa democracia, o seu falso constitucionalismo e o seu falso parlamentarismo, não tenha servido de tipo à organização política europeia.
Eu sei que a vida social é feita de preconceitos necessários e de ficções úteis, certo como é que o conceito pragmático da verdade é justo e real. Mas o Parlamentarismo é uma mistificação repugnante, pelos ares que se dá de absolutismo dogmático — afirmando-se precisamente o contrário. Não era necessário que falasse nas suas funestas consequências que são evidentes, hoje, em todos os países, pois que até na própria Inglaterra, onde se gerou tão singular insensatez, se está caracterizando já a falência do regime parlamentar.
Todos sabemos que os períodos mais notáveis da nossa política são aqueles em que o Absolutismo de um homem, dominou. Andam para aí a exaltar o Marquês de Pombal os democratas e os parlamentaristas, os liberalistas e os homens das ideias modernas - porque nada sabem do Marquês.
Houve lá criatura, em Portugal, menos democrata que o Marquês, mais absolutista que o Marquês, mais senhor da sua opinião que o Marquês, mais desdenhoso das opiniões alheias, das opiniões populares, da intervenção da turba nos negócios do Estado, que o Marquês? Para que me falam em Parlamentarismo, os liberais constitucionais, se a ditadura de Mouzinho da Silveira é o seu período áureo, perante o qual se deslumbram? Para que me falam em Parlamentarismo, os republicanos, se todas as medidas de governo que os enchem de satisfação e envaidecem, são as decretadas em ditadura, pelo governo Provisório?
Toda a acção do governo, é uma acção de violência, de imposição, de força. Governar é coordenar: coordena-se a bem quem obedece, coordena-se à força quem desobedece. Quem governa manda. E quem manda faz-se obedecer, primeiro, pela persuasão, depois, quando esta é impotente, pela força. Ou o poder reside num homem, ou num grupo de homens, ou numa multidão — a sua base essencial é essa, e não pode ser outra. Uma sociedade não é tanto mais perfeita e civilizada quanto mais cada indivíduo comparticipa do Poder, mas sim quanto mais conscientemente cada indivíduo obedece. A consciência do Dever, a consciência da Obediência, são estádio superiores de Civilização.
Não é oportuno que desenvolva até às últimas consequências este conceito, porque não quero afastar-me do meu fim. Mesmo o que fica dito chega para o que tenho em mira. Portanto, o regime normal é a violência? Quem a detém? Quem a exerce? Um homem? Uma assembleia? Um génio? O Número? Pouco importa, para o caso de saber o que é o governo.
Mas analisadas as consequências de exercer essa violência um homem ou uma Assembleia — nós podemos concluir pelas vantagens ou desvantagens da ditadura individual, ou pelas vantagens ou desvantagens da ditadura parlamentar.
A Ditadura individual é pessoal, responsável, contínua, finalista. Sei quem a exerce; sei quem devo julgar pelo bom ou mau resultado da sua acção; sei que não lhe encontro hesitações contraditórias, soluções de continuidade; sei o fim a que ela visa, o destino que a conduz. A ditadura parlamentar é impessoal, irresponsável, contraditória, cega. Quem a exerce é o Número, mas este não tem nome. A responsabilidade de uma assembleia é a irresponsabilidade dos indivíduos, por isso as obras das ditaduras parlamentares não admitem sanção. As opiniões da multidão, são flutuantes, quase instintivas, momentâneas — donde a ondulação dos seus actos. Formada de elementos heterogéneos, uma assembleia não pode ter um fim uno. A acção do governo quer-se centralizada, e o órgão que a exercer quer-se simplificado.
Augusto Comte observava, com aquela superioridade que caracteriza todas as suas observações, que nunca os inferiores podiam escolher os superiores. Não se compreende que os governados, sem competência para as funções de governo, escolham os governantes. A admissão dessa escolha leva, em última análise, ao princípio incongruente de que são os governantes sem competência para as funções de governo quem governa. Se o princípio parlamentarista assenta na soberania da maioria, e como a incompetência é a maioria, acontece que é a incompetência quem triunfa, quem decide, quem governa. A representação das minorias nada resolve, pois, ao contrário do que muita gente afirma, entendo que da discussão, geralmente, sai mais treva do que luz.
As discussões parlamentares são justas de palavrosos — e com palavrosos os povos caminham a estrada que o nosso tem caminhado. No entretanto, a verdade é que a mistificação parlamentar entrou tanto no quadro dos vícios, irreprimíveis, que, à semelhança do que acontece com o jogo, será bom regulamentá-la. A regulamentação do parlamentarismo consistirá, assim, em conceder a capacidade eleitoral apenas aos que, presumivelmente, podem e sabem dispor do seu voto, e em restringir as funções parlamentares ao mínimo. A primeira medida contribuirá para a repressão da anarquia da Opinião Pública; a segunda, para a limitação da anarquia das esferas governativas.
Poucos têm insistido tanto, entre nós, em criticar a Democracia, por ela se basear no Número, como eu.
Sempre que posso, isto é, sempre que tenho pretexto para tal, chamo a atenção dos espíritos reflectidos para a absoluta sem razão que existe numa Doutrina que faz depender a verdade da opinião da maioria. E digo que a verdade é independente do número dos que a professam, podendo estar na minoria, estando, mesmo, por via da regra, fora da maioria. É que não podendo ela ser, e não devendo ser, resultante da inteligência média que aliás é uma quimera, mas sim das inteligências superiores, e não sendo estas nunca, em grande número, nos meios sociais, evidentemente que ou ela sai do reduzido grupo das inteligências superiores, e não é, portanto, obra da maioria, ou sai desta, por maioria ser, e representa a cooperação das inteligências inferiores.
Nas Democracias, porque o Número é a ultima ratio, acontece que a direcção da sua vida e a solução dos seus problemas cabem ao Anonimato, à Irresponsabilidade, porque o Número, por definição, é anónimo, e, portanto, irresponsável.
Exemplos de todos os dias, para não dizer de todas as horas, mostram os inconvenientes da Democracia, e, consequentemente, deste critério. As massas, ou por outra palavra, a inteligência mediana em que são absorvidas as inteligências individuais, nem é capaz de reflexão, nem é competente para estudar e prever. As massas são instintivas, caprichosas, flutuantes, inconsequentes, à mercê dum nada que surge, não se sabe de donde, e as conduz e domina. A sua obra é fatalmente deficiente, inferior.
Não há objecção possível a estas observações, e toda a gente as entende. Não há nada mais precário do que o Número como critério da verdade. E quando outras razões não houvesse, havia esta que é fundamental, essencial: é que as unidades não são homogéneas, e nos votos individuais entram factores das mais variadas origens e categorias. A decisão final é, no fundo, uma incongruência.
De resto, basta que o leitor faça esta pequena observação: se o Número é o critério da verdade, a verdade não existe, porque o Número desloca-se muito facilmente dum prato da balança para o outro. E se o cálculo, hoje, dá um determinado resultado, nada garante que amanhã, feito noutras circunstâncias, não conduza a resultados opostos. Mas se a verdade não existe, como consequência do seu critério estar no Número, e se este é a base doutrinária da Democracia - a Democracia é um mito, uma mentira, como tantas vezes tenho afirmado. Pelo que concluo que, por um lado, pelo meu, ou por outro, a Democracia é insustentável!
Alfredo Pimenta
(In «Novos Estudos Filosóficos e Críticos», págs. 160 a 170)
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